Obrigado a todos, vou falar em castelhano.
Eu escrevi 25 folhas a pensar em vós...
[RISOS]
... mas não se preocupem que não as vou ler.
Para responder à pergunta que me faz, tenho de fazer uma pequena introdução, começando com a seguinte observação: há mais livros escritos sobre "como chegar ao governo” do que livros sobre "o que fazer no governo”.
[RISOS]
Há mais assessores de marketing, de comunicação, manuais para ganhar eleições do que escolas de governo.
Isto significa que quem está no poder só pensa na reeleição. E, como há eleições constantemente, boa parte da ação do governo consiste em estratégia eleitoral.
É como se estivéssemos a facilitar o acesso ao poder a gente que depois não saberá o que fazer com ele.
Como podemos resolver estar questão? A primeira coisa que me ocorre é que voltemos a situar a ação do governo no centro da nossa reflexão. O Que podemos esperar de um governo numa sociedade complexa como aquela em que estamos?
Portanto, que nível de expectativas podemos gerar nas pessoas para ter maior mobilização, maior esperança coletiva e menor deceção? Ou seja, "o que podem fazer os governos” e não "o que podem eles prometer”.
O ato de governar tem na sua origem uma certa insatisfação com o curso natural das coisas. Governar é não estar de acordo com as coisas. É não deixar as coisas ao seu livre percurso. Governar é, portanto, intervir. É um tipo de intervenção que permita dirigir, corrigir, melhorar, equilibrar, mudar processos que, por várias razões, não nos satisfazem.
Governar é fazer coisas que não aconteceriam se não fosse a ação do governo. Dizia Freud que há três profissões impossíveis: educar, curar e governar. Porquê? Porque no entender de Freud quem exerce estas profissões acaba por se anular a si mesmo.
Se eu educo bem, eduquei pessoas autossuficientes que não precisam de mim. Se eu sou médico e curo alguém, acontece o mesmo. Um médico mau, de quem estamos sempre a depender, parecerá mais um pai.
Com um governo passa-se algo parecido. Um governo que funcione bem será um governo que não se faz notar ou pesar sobre a sociedade. O contrário é um governo que pesa sobre a sociedade ou lhe retira a autonomia.
Esta questão das profissões impossíveis, aplicadas à política, diz-nos que nos governos há grandes fracassos. A política é muito difícil. A maior parte dos políticos que eu conheço farta-se de se queixar em privado dizendo que não se pode fazer nada. Quando se lhes diz que "é preciso fazer isto”, muitos ministros se queixam que não os deixam fazer.
E a verdade é que a experiência da humanidade e da política tem uma dimensão trágica. A política não consiste em contentar toda a gente. Fazer política é escolher, é conflituar com alguém, é resolver um problema aqui gerando efeitos indesejados acolá, etc.
Não estou naturalmente a falar do Ministro Maduro, que é uma exceção...
[RISOS A APLAUSOS]
Claro que na política também há êxitos e grandes êxitos. Mas também há muitos fracassos. E coletivamente estamos a verificar o grande fracasso que é a regulação financeira, não conseguimos erradicar a pobreza, não conseguimos equilibrar bem liberdade/igualdade.
Governar não é clicar num botão. Não é emitir uma ordem, fazer um lei ou prescrever um medicamento. É algo mais complexo a que me vou dedicar nos próximos instantes.
Eu defendo a seguinte tese: há um enorme campo a explorar que é o "governo indireto”. O governo não é uma coisa direta como uma ordem hierárquica que se cumpre; é preciso que a própria sociedade adote uma linha de conduta na direção que se deseja. Por exemplo, para a economia funcionar bem, as pessoas têm de consumir. Estas coisas não se produzem por decreto. A economia tem de funcionar com base na confiança, de assunção de riscos razoáveis.
Se eu quero provocar uma mudança social em matéria económica, ou do sistema de saúde – para que as pessoas não vão tantas vezes às urgências, ou ao médico, isso só se consegue provocar de maneira indireta.
Os sistemas autoritários falham porque se privam de uma informação que é muito relevante: a opinião dos outros, o feedback. O pior que pode acontecer a quem governa é perder o sentido da realidade. E boa parte da informação acerca dessa realidade é dada pela oposição, sindicatos, sectores críticos, pessoas.
Se num país fossem proibidas todas as manifestações – coisa que acontece em alguns, o que aconteceria é que o governo ficaria sem essa importante fonte de informação.
Governar numa sociedade complexa é governar numa sociedade composta por distintas lógicas, cada uma autónoma da outra. O sistema económico, o religioso, o jurídico, cada um funciona de sua maneira. Mas esses sistemas têm de ser compatíveis entre si. A função da política é tornar os sistemas compatíveis.
Governar não é dar uma ordem de fora, com uma lógica completamente distinta do sistema sobre o qual se quer agir; governar é conseguir que esse sistema desenvolva uma flexibilidade em si mesmo.
Dizemos muitas vezes que fazem falta líderes na política. Que, para governar esta Europa, de tantos países e tantos povos, fazem falta líderes como tivemos noutros tempos. Mas eu acho que para as comunidades serem bem governadas o que faz falta é que os sistemas sejam inteligentes. Por exemplo, uma organização funciona bem quando a própria estrutura dessa organização é inteligente. Não que o diretor desta escola [a UV] seja inteligente – e neste caso é, mas que as regras e os procedimentos sejam inteligentes.
Imaginemos que se substitui o Conselho do Banco Central Europeu por um grupo de macacos. O que aconteceria? Não aconteceria nada. Ou, por outra, poríamos à prova se o sistema que tínhamos construído era capaz de resistir a maus governantes, como provavelmente seria um grupo de macacos.
Outro exemplo: vocês acreditam que os pilotos pilotam os aviões? Ou é o piloto automático quem o faz? É o piloto automático! Aquilo que o piloto faz é ajustar-se à lógica do piloto automático.
Outro exemplo: sabem o que são os travões ABS, dos carros? Eu não faço ideia mas dizem-me que são sistemas para resistir às ordens de quem conduz o carro. Porque nunca situação de extremo pânico, uma pessoa tende a travar demasiado. O ABS impede-nos de travar demasiado.
Outro exemplo: há um ano, na Galiza, houve um acidente de comboio em que morreu muita gente. O tema gerou muita controvérsia em Espanha. O problema foi que o condutor não tinha uma sistema que o impedisse de fazer o que quisesse. Um sistema em que ele, por mais que desse ao acelerador, não conduzisse a mais de 70 num local onde não pudesse andar a mais de 70.
Ou seja, um sistema inteligente é aquele que resiste a maus governantes ou a más decisões.
Portanto, voltando àquilo que eu dizia: o governo indireto é incitar, favorecer.
Cass Sunstein, um assessor de Obama – um assessor de Obama de verdade, não como muitos que eu encontrei que dizem ser assessores de Obama – tem um livro em que fala do empurrão, da incitação. Ele chama-lhe "soft paternalism”, o paternalismo suave. É isso, no fundo, aquilo que um bom sistema político tem de fazer. Um sistema político não tem de pensar que as pessoas sabem perfeitamente o que querem nem. Se as pessoas soubessem perfeitamente o que querem, como na teoria do animal racional económico, então deixaríamos de atual, não governaríamos. Nem, por outro lado – deve um sistema político pensar que pode suplantar as pessoas.
Em todo este jogo há uma lógica que é preciso descobrir e estudar. Eu, que não sou uma pessoa de soluções, exponho apenas os problemas.
Portanto, em última instância, o governo é sempre autogoverno. E isto nada tem que ver com direita ou esquerda.
Há naturalmente uma visão à direita e outra à esquerda. A direita insiste na visão da liberalização; a esquerda defende a participação (desculpem a simplificação).
E tanto a direita liberalizadora como a esquerda participativa tem a mesma convicção de que o poder governativo é reduzido. Pode governar-se muito pouco. E requer a colaboração dos destinatários, que não podem ser recetores passivos da governação.
[alguns segundos inaudíveis] ... segundo os da direita, porque não toleram a intervenção excessiva, ou, segundo os da esquerda, (desculpem novamente a simplificação) porque pretendem tomar parte ativa nos processos de decisão.
Eu creio que toda a diversidade ideológica se define pelo binómio liberdade/igualdade. É uma tensão dentro de um acordo fundamental.
O espectro ideológico vai do desejo "não atormentes para não seres atormentado” pelo governo ao desejo de não ser excluído na tomada de decisão.
O ponto em comum entre estes polos é a consciência de que no fundo a sociedade se autogoverna. Há uma solução liberal e uma solução socialista.
Termino com umas notas relacionadas com a pergunta que me foi colocada: que podemos fazer para que as sociedades modernas abandones esse "curto-prazismo” – um dos nossos principais males – e governar para o futuro.
Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que outras sociedade anteriores a esta tinham uma relação com o futuro muito diferente da que temos hoje.
O que pensavam os nossos avós quando ouviam a palavra "futuro”? Que era uma coisa muito distante. E muito pouco modificável. Que não tínhamos capacidade de intervenção sobre ele. Não podíamos causar grandes prejuízos à natureza, sobre o sistema económico, sobre a natureza humana. E isso implicava uma profunda resignação.
Hoje, para nós, o futuro já não é algo assim tão distante nem tão imediato. Isso dificulta muito o diálogo entre gerações, agudiza o problema da justiça intergeracional, etc etc. E traz consigo muitas exigências e responsabilidade. Porque construir um caminho rural não é o mesmo que construir uma autoestrada.
Ao mesmo tempo, o futuro é algo desconhecido, algo imprevisível. Essa é a grande dificuldade, porque temos a obrigação de antecipar o futuro. Sem o fazermos não conseguimos tomar decisões coletivas razoáveis. E sabemos ao mesmo tempo que a nossa capacidade de antecipação é limitada, as projeções de futuro são sempre algo falhadas.
Neste contexto, creio que a política está bastante mal. Tem neste momento um grande défice de capacidade estratégica. No fundo, os nossos políticos são administradores aplicados que trabalham num quadro temporal muito curto e que cedem com frequência à tentação de desprezar os problemas do futuro. Esta é a ideia de que o "futuro é o caixote do lixo do presente”. É o lugar para onde despachamos os problemas que não somos capazes de solucionar no presente.
Eu creio que uma das maiores debilidades dos nossos sistemas políticos derivam precisamente daqui: estão fortemente viciados no oportunismo e da sua muito limitada capacidade de aprender. Temos sistemas políticos muito pouco capazes de aprender.
Ao mesmo tempo, esta capacidade estratégica que deveríamos desenvolver choca com a submissão da política aos períodos legislativos. Claro que eu não proponho aqui suprimir esses períodos, não defendo a perpetuação dos líderes políticos, pelo contrário. Mas tomemos em conta que isso é um problema.
É que há problemas que não são abordáveis no período de uma legislatura. Ou, se forem abordados, implicam a impossibilidade da reeleição. E nenhum político se suicida voluntariamente. O normal é que os políticos não se suicidem, como quase ninguém o faz.
Problemas como as alterações demográficas, ambientais, económicas, do sistema de pensões, do aumento dos custos do sistema de saúde são problemas que não se podem adaptar à estreiteza de um período legislativo.
O que é que os governos e partidos políticos fazem? Não abordam esses problemas, ou fazem-no demasiado tarde. Ou abordam "aquela” parte do problema que não tem custos para a reeleição. Habitualmente a parte menos grave.
Soluções para isto? Eu já disse que não sou pessoa de soluções mas sim de problemas, pelo que me deveria calar [RISOS] mas pediram-me para falar e então eu vou dizer algumas coisas.
Nós, enquanto sociedade, temos de nos relacionar com o futuro de outra maneira, mais estratégica, menos oportunista. Temos de fazer da política uma reflexão coletiva sobre como configurar o futuro.
Dito de outra maneira, a política teria de passar de uma "estratégia de reparação” para uma "estratégia de configuração”. Ela hoje é fundamentalmente reparadora e pouco configuradora.
Tudo o que tem que ver com a reflexão estratégica organizada em torno dos "think tanks”, fundações, institutos, centros de reflexão deveriam receber mais encargos das instituições políticas. De forma aberta, sem secretismo.
Poderia haver uma terceira câmara [Nota: Espanha tem sistema bicameral], chame-se Câmara de Sábios, de Especialistas – estes nomes soam mal...
Não sou nada partidário de "governos de sábios”, mas é importante que os especialistas colaborem com os governos.
Em 2011, há três anos, quando apareceu esta crise financeira, o volume das especulações com ações e produtos derivados voltou a adquirir uma enorme dimensão.
Isto diz-nos que a crise não foi suficientemente aproveitada para configurar, por exemplo, um sistema financeiro global estável, com as instituições e regulações adequadas; ou para entender a articulação entre a política e a economia de outra maneira – como entendemos agora.
Se não formos capazes de aproveitar a crise atual para levar a cabo as reformas necessárias, o futuro das nossas formas de governo não é nada prometedora.
Muito obrigado.
[APLAUSOS]