ACTAS  
 
9/2/2014
Jantar-Conferência com o Prof. Doutor Daniel Innerarity
 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Professor Daniel Innenarity

Senhor Ministro Poiares Maduro

Senhores Deputados

Senhores Conselheiros

Minhas senhoras e meus senhores.

 

Como todos sabemos, menos o nosso convidado de hoje, começamos estes jantares-conferência com a escolha de dois poemas, feita por dois grupos.

O Grupo Amarelo, através da Daniela Tomás, vai ler uma poesia de Fernando Pessoa. "Loucura”. Diz o Grupo Amarelo que "a nossa equipa, a nossa cor, prima pelo esplendor, primária, irreverente, conquistadora e ambiciosa, por vezes pretensiosa, louca. Não é uma questão mas sim uma opinião porque os loucos de hoje são os génios de amanhã”. Isto é uma resposta à poesia de Fernando Pessoa como verão a seguir.

 

O Grupo Rosa escolheu um excerto do poema "A mulher do cacilheiro”, uma música retirada do último álbum da artista portuguesa Capicua. E escolheu-o porque rosa é a cor do grupo e habitualmente ligado ao universo feminino. Por essa razão quis o Grupo Rosa, neste momento cultural prestar uma simbólica homenagem a todas as mulheres que ao longo dos 40 anos de democracia lutaram e lutam pela igualdade e de maior autonomia.

 

Este poema, retrata a vida dura de uma jovem negra, imigrante, que luta todos os dias para manter uma vida digna. Este é o retrato de Portugal, pintado nos dias de hoje mas com a mesma realidade de há 20 ou 30 anos. Fica no ar a questão que infelizmente António Barreto não nos vai responder: mudámos para melhor? Será o Pedro Cardoso a ler o poema.

 

[LEITURAS, APLAUSOS]

 
Marisa Rito

Boa noite a todos.

Quero saudar a mesa, em especial o Prof. Daniel Innenarity por estar aqui connosco nesta noite.

Este senhor tem um conceituado currículo académico, é um filósofo e pensador. É autor de muitas obras filosóficas e ensaios. Merecedor de alguns prémios, também.

Por nos permitir conhecer a sua opinião e querer partilhar connosco o seu conhecimento e experiência, em meu nome e em nome do Grupo Verde proponho um brinde ao nosso convidado.

 

[BRINDE, APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Prof. Daniel Innenarity, permita-me antes de mais agradecer ao Prof. Miguel Poiares Maduro não apenas o brilhante debate que nos proporcionou nesta tarde – foi a quinta presença do Prof. Poiares Maduro na UV, mas a amizade que demonstrou em muitos momentos que não interessa agora estar a particularizar. Mas, quando uma pessoa está aflita para encontrar soluções e recorre a um amigo, o Prof. Poiares Maduro nunca invoca o seu estatuto de Ministro para recusar o apoio e encontra sempre tempo e inteligência para ajudar a construir soluções.

 

[APLAUSOS]

 

Nas funções dele, como Ministro e com a responsabilidade que tem na Presidência do Conselho de Ministros, não pode deixar de ser sublinhada a circunstância de ter dedicado todo o dia de hoje para estar connosco. Veio de manhã de Lisboa, fez o debate, está aqui connosco nesta noite. Portanto, em nome de toda a UV, senhor Prof. Poiares Maduro, muito obrigado pela atenção que dedica à formação.

 

[OVAÇÃO DE PÉ]

 

Como a Marisa disse, temos entre nós um homem especial. Um pensador, espanhol, basco, com obra produzida, um académico reputado, que tem como hobby a montanha – o que significa que valoriza a altura, não apenas na ciência, no pensamento mas também na geografia e na orografia.

Tem como comida preferida o bacalhau, algo que une os bascos aos portugueses; como animal preferido, "qualquer um que se mantenha o mais longe dele possível”. Sugere-nos o livro "Uma defesa da política” e o filme "Decálogo”.

A qualidade que mais aprecia é dar-se pouca importância a si mesmo.

 

Prof. Daniel Innenarity, muito obrigado por estar connosco na Universidade de Verão. Nós temos hoje a perceção que a política é cada vez mais complicada. Os políticos são desafiados a contrariar a globalização, ou a ideia de que estamos todos cada vez mais dependentes de um poder que não legitimámos mas que pensam muito no nosso quotidiano. Temos a perceção de que os ciclos políticos são cada vez mais curtos. Que os políticos que elegemos pensam sobretudo no "hoje” e no "amanhã”, e não num ciclo políticos a mais longo prazo. E temos também hoje a sensação de que os jovens não concordam com a política do curto prazo, porque são eles que vão pagar as políticas que desconsideram o dia de amanhã.

 

[APLAUSOS]

 

Quando um governo cria políticas de educação, está a prever (ou deve prever) como será o país daí a 10 anos, porque a escolaridade obrigatória em Portugal contempla um percurso de mais de 10 anos. Quando um governo investe em construções de utilidade duvidosa ou meramente eleitoral, deixando a conta para as futuras gerações, não tem consciência do mal que está a fazer.

 

[APLAUSOS]

 

E quando um governo não tem nenhuma atenção às políticas de ambiente, está também a comprometer o futuro.

 

Eu li um texto seu em que o Prof. dizia que nós somos os "okupas” do futuro. Que é assim que muitas vezes se comportam os governantes: não medem as consequências das suas políticas e consideram o futuro o caixote do lixo do presente. O senhor escreveu, com uma autoridade incontestada, sobre a interdependência das diversas gerações.

 

Caro Prof. Daniel Innerarity, cabe-me a honra de lhe colocar a primeira pergunta: o que significa para si governar para o século XXI?

 

Minhas senhoras e meus senhores, para responder à minha e às vossas perguntar, está connosco um Homem que a revista "Nouvel Observateur” considerou um dos maiores 25 pensadores do mundo, o Prof. Daniel Innenarity.

 

[LEAPLAUSOS]

 
Daniel Innerarity

Obrigado a todos, vou falar em castelhano.

Eu escrevi 25 folhas a pensar em vós...

 

[RISOS]

 

... mas não se preocupem que não as vou ler.

 

Para responder à pergunta que me faz, tenho de fazer uma pequena introdução, começando com a seguinte observação: há mais livros escritos sobre "como chegar ao governo” do que livros sobre "o que fazer no governo”.

 

[RISOS]

 

Há mais assessores de marketing, de comunicação, manuais para ganhar eleições do que escolas de governo.

 

Isto significa que quem está no poder só pensa na reeleição. E, como há eleições constantemente, boa parte da ação do governo consiste em estratégia eleitoral.

 

É como se estivéssemos a facilitar o acesso ao poder a gente que depois não saberá o que fazer com ele.

 

Como podemos resolver estar questão? A primeira coisa que me ocorre é que voltemos a situar a ação do governo no centro da nossa reflexão. O Que podemos esperar de um governo numa sociedade complexa como aquela em que estamos?

 

Portanto, que nível de expectativas podemos gerar nas pessoas para ter maior mobilização, maior esperança coletiva e menor deceção? Ou seja, "o que podem fazer os governos” e não "o que podem eles prometer”.

 

O ato de governar tem na sua origem uma certa insatisfação com o curso natural das coisas. Governar é não estar de acordo com as coisas. É não deixar as coisas ao seu livre percurso. Governar é, portanto, intervir. É um tipo de intervenção que permita dirigir, corrigir, melhorar, equilibrar, mudar processos que, por várias razões, não nos satisfazem.

 

Governar é fazer coisas que não aconteceriam se não fosse a ação do governo. Dizia Freud que há três profissões impossíveis: educar, curar e governar. Porquê? Porque no entender de Freud quem exerce estas profissões acaba por se anular a si mesmo.

 

Se eu educo bem, eduquei pessoas autossuficientes que não precisam de mim. Se eu sou médico e curo alguém, acontece o mesmo. Um médico mau, de quem estamos sempre a depender, parecerá mais um pai.

 

Com um governo passa-se algo parecido. Um governo que funcione bem será um governo que não se faz notar ou pesar sobre a sociedade. O contrário é um governo que pesa sobre a sociedade ou lhe retira a autonomia.

 

Esta questão das profissões impossíveis, aplicadas à política, diz-nos que nos governos há grandes fracassos. A política é muito difícil. A maior parte dos políticos que eu conheço farta-se de se queixar em privado dizendo que não se pode fazer nada. Quando se lhes diz que "é preciso fazer isto”, muitos ministros se queixam que não os deixam fazer.

 

E a verdade é que a experiência da humanidade e da política tem uma dimensão trágica. A política não consiste em contentar toda a gente. Fazer política é escolher, é conflituar com alguém, é resolver um problema aqui gerando efeitos indesejados acolá, etc.

 

Não estou naturalmente a falar do Ministro Maduro, que é uma exceção...

 

[RISOS A APLAUSOS]

 

Claro que na política também há êxitos e grandes êxitos. Mas também há muitos fracassos. E coletivamente estamos a verificar o grande fracasso que é a regulação financeira, não conseguimos erradicar a pobreza, não conseguimos equilibrar bem liberdade/igualdade.

 

Governar não é clicar num botão. Não é emitir uma ordem, fazer um lei ou prescrever um medicamento. É algo mais complexo a que me vou dedicar nos próximos instantes.

 

Eu defendo a seguinte tese: há um enorme campo a explorar que é o "governo indireto”. O governo não é uma coisa direta como uma ordem hierárquica que se cumpre; é preciso que a própria sociedade adote uma linha de conduta na direção que se deseja. Por exemplo, para a economia funcionar bem, as pessoas têm de consumir. Estas coisas não se produzem por decreto. A economia tem de funcionar com base na confiança, de assunção de riscos razoáveis.

 

Se eu quero provocar uma mudança social em matéria económica, ou do sistema de saúde – para que as pessoas não vão tantas vezes às urgências, ou ao médico, isso só se consegue provocar de maneira indireta.

 

Os sistemas autoritários falham porque se privam de uma informação que é muito relevante: a opinião dos outros, o feedback. O pior que pode acontecer a quem governa é perder o sentido da realidade. E boa parte da informação acerca dessa realidade é dada pela oposição, sindicatos, sectores críticos, pessoas.

 

Se num país fossem proibidas todas as manifestações – coisa que acontece em alguns, o que aconteceria é que o governo ficaria sem essa importante fonte de informação.

 

Governar numa sociedade complexa é governar numa sociedade composta por distintas lógicas, cada uma autónoma da outra. O sistema económico, o religioso, o jurídico, cada um funciona de sua maneira. Mas esses sistemas têm de ser compatíveis entre si. A função da política é tornar os sistemas compatíveis.

 

Governar não é dar uma ordem de fora, com uma lógica completamente distinta do sistema sobre o qual se quer agir; governar é conseguir que esse sistema desenvolva uma flexibilidade em si mesmo.

 

Dizemos muitas vezes que fazem falta líderes na política. Que, para governar esta Europa, de tantos países e tantos povos, fazem falta líderes como tivemos noutros tempos. Mas eu acho que para as comunidades serem bem governadas o que faz falta é que os sistemas sejam inteligentes. Por exemplo, uma organização funciona bem quando a própria estrutura dessa organização é inteligente. Não que o diretor desta escola [a UV] seja inteligente – e neste caso é, mas que as regras e os procedimentos sejam inteligentes.

 

Imaginemos que se substitui o Conselho do Banco Central Europeu por um grupo de macacos. O que aconteceria? Não aconteceria nada. Ou, por outra, poríamos à prova se o sistema que tínhamos construído era capaz de resistir a maus governantes, como provavelmente seria um grupo de macacos.

 

Outro exemplo: vocês acreditam que os pilotos pilotam os aviões? Ou é o piloto automático quem o faz? É o piloto automático! Aquilo que o piloto faz é ajustar-se à lógica do piloto automático.

 

Outro exemplo: sabem o que são os travões ABS, dos carros? Eu não faço ideia mas dizem-me que são sistemas para resistir às ordens de quem conduz o carro. Porque nunca situação de extremo pânico, uma pessoa tende a travar demasiado. O ABS impede-nos de travar demasiado.

 

Outro exemplo: há um ano, na Galiza, houve um acidente de comboio em que morreu muita gente. O tema gerou muita controvérsia em Espanha. O problema foi que o condutor não tinha uma sistema que o impedisse de fazer o que quisesse. Um sistema em que ele, por mais que desse ao acelerador, não conduzisse a mais de 70 num local onde não pudesse andar a mais de 70.

 

Ou seja, um sistema inteligente é aquele que resiste a maus governantes ou a más decisões.

 

Portanto, voltando àquilo que eu dizia: o governo indireto é incitar, favorecer.

 

Cass Sunstein, um assessor de Obama – um assessor de Obama de verdade, não como muitos que eu encontrei que dizem ser assessores de Obama – tem um livro em que fala do empurrão, da incitação. Ele chama-lhe "soft paternalism”, o paternalismo suave. É isso, no fundo, aquilo que um bom sistema político tem de fazer. Um sistema político não tem de pensar que as pessoas sabem perfeitamente o que querem nem. Se as pessoas soubessem perfeitamente o que querem, como na teoria do animal racional económico, então deixaríamos de atual, não governaríamos. Nem, por outro lado – deve um sistema político pensar que pode suplantar as pessoas.

 

Em todo este jogo há uma lógica que é preciso descobrir e estudar. Eu, que não sou uma pessoa de soluções, exponho apenas os problemas.

 

Portanto, em última instância, o governo é sempre autogoverno. E isto nada tem que ver com direita ou esquerda.

Há naturalmente uma visão à direita e outra à esquerda. A direita insiste na visão da liberalização; a esquerda defende a participação (desculpem a simplificação).

 

E tanto a direita liberalizadora como a esquerda participativa tem a mesma convicção de que o poder governativo é reduzido. Pode governar-se muito pouco. E requer a colaboração dos destinatários, que não podem ser recetores passivos da governação.

 

[alguns segundos inaudíveis] ... segundo os da direita, porque não toleram a intervenção excessiva, ou, segundo os da esquerda, (desculpem novamente a simplificação) porque pretendem tomar parte ativa nos processos de decisão.

 

Eu creio que toda a diversidade ideológica se define pelo binómio liberdade/igualdade. É uma tensão dentro de um acordo fundamental.

O espectro ideológico vai do desejo "não atormentes para não seres atormentado” pelo governo ao desejo de não ser excluído na tomada de decisão.

 

O ponto em comum entre estes polos é a consciência de que no fundo a sociedade se autogoverna. Há uma solução liberal e uma solução socialista.

 

Termino com umas notas relacionadas com a pergunta que me foi colocada: que podemos fazer para que as sociedades modernas abandones esse "curto-prazismo” – um dos nossos principais males – e governar para o futuro.

 

Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que outras sociedade anteriores a esta tinham uma relação com o futuro muito diferente da que temos hoje.

 

O que pensavam os nossos avós quando ouviam a palavra "futuro”? Que era uma coisa muito distante. E muito pouco modificável. Que não tínhamos capacidade de intervenção sobre ele. Não podíamos causar grandes prejuízos à natureza, sobre o sistema económico, sobre a natureza humana. E isso implicava uma profunda resignação.

 

Hoje, para nós, o futuro já não é algo assim tão distante nem tão imediato. Isso dificulta muito o diálogo entre gerações, agudiza o problema da justiça intergeracional, etc etc. E traz consigo muitas exigências e responsabilidade. Porque construir um caminho rural não é o mesmo que construir uma autoestrada.

 

Ao mesmo tempo, o futuro é algo desconhecido, algo imprevisível. Essa é a grande dificuldade, porque temos a obrigação de antecipar o futuro. Sem o fazermos não conseguimos tomar decisões coletivas razoáveis. E sabemos ao mesmo tempo que a nossa capacidade de antecipação é limitada, as projeções de futuro são sempre algo falhadas.

 

Neste contexto, creio que a política está bastante mal. Tem neste momento um grande défice de capacidade estratégica. No fundo, os nossos políticos são administradores aplicados que trabalham num quadro temporal muito curto e que cedem com frequência à tentação de desprezar os problemas do futuro. Esta é a ideia de que o "futuro é o caixote do lixo do presente”. É o lugar para onde despachamos os problemas que não somos capazes de solucionar no presente.

 

Eu creio que uma das maiores debilidades dos nossos sistemas políticos derivam precisamente daqui: estão fortemente viciados no oportunismo e da sua muito limitada capacidade de aprender. Temos sistemas políticos muito pouco capazes de aprender.

 

Ao mesmo tempo, esta capacidade estratégica que deveríamos desenvolver choca com a submissão da política aos períodos legislativos. Claro que eu não proponho aqui suprimir esses períodos, não defendo a perpetuação dos líderes políticos, pelo contrário. Mas tomemos em conta que isso é um problema.

 

É que há problemas que não são abordáveis no período de uma legislatura. Ou, se forem abordados, implicam a impossibilidade da reeleição. E nenhum político se suicida voluntariamente. O normal é que os políticos não se suicidem, como quase ninguém o faz.

 

Problemas como as alterações demográficas, ambientais, económicas, do sistema de pensões, do aumento dos custos do sistema de saúde são problemas que não se podem adaptar à estreiteza de um período legislativo.

 

O que é que os governos e partidos políticos fazem? Não abordam esses problemas, ou fazem-no demasiado tarde. Ou abordam "aquela” parte do problema que não tem custos para a reeleição. Habitualmente a parte menos grave.

 

Soluções para isto? Eu já disse que não sou pessoa de soluções mas sim de problemas, pelo que me deveria calar [RISOS] mas pediram-me para falar e então eu vou dizer algumas coisas.

 

Nós, enquanto sociedade, temos de nos relacionar com o futuro de outra maneira, mais estratégica, menos oportunista. Temos de fazer da política uma reflexão coletiva sobre como configurar o futuro.

 

Dito de outra maneira, a política teria de passar de uma "estratégia de reparação” para uma "estratégia de configuração”. Ela hoje é fundamentalmente reparadora e pouco configuradora.

 

Tudo o que tem que ver com a reflexão estratégica organizada em torno dos "think tanks”, fundações, institutos, centros de reflexão deveriam receber mais encargos das instituições políticas. De forma aberta, sem secretismo.

Poderia haver uma terceira câmara [Nota: Espanha tem sistema bicameral], chame-se Câmara de Sábios, de Especialistas – estes nomes soam mal...

Não sou nada partidário de "governos de sábios”, mas é importante que os especialistas colaborem com os governos.

 

Em 2011, há três anos, quando apareceu esta crise financeira, o volume das especulações com ações e produtos derivados voltou a adquirir uma enorme dimensão.

 

Isto diz-nos que a crise não foi suficientemente aproveitada para configurar, por exemplo, um sistema financeiro global estável, com as instituições e regulações adequadas; ou para entender a articulação entre a política e a economia de outra maneira – como entendemos agora.

 

Se não formos capazes de aproveitar a crise atual para levar a cabo as reformas necessárias, o futuro das nossas formas de governo não é nada prometedora.

 

Muito obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho
Vamos fazer ciclos de duas perguntas. Os primeiros serão os Grupos Bege e Laranja. Podem falar em "portunhol”, como o meu exemplo de há pouco, em castelhano ou em português. Se falarem em português, peço-vos que o façam pausadamente, para que eu possa traduzir ao nosso convidado, embora o Prof. Innerarity perceba bem a nossa língua.
 
Lorena Souza

Boa noite a todos. Antes de mais, gostaria de saudar a mesa, agradecer e parabenizar a organização da UV na pessoa do nosso "reitor”, Deputado Carlos Coelho. Agradecer também a participação do Prof. Daniel Innerarity, que foi bastante claro na sua exposição.

 

Tendo em conta que o voto é a principal forma de participação do povo na escolha do governante, qual a sua opinião sobre a enorme abstenção? Estes números da abstenção poderão indicar a necessidade de a população acreditar em grupos mais populistas ou populares. Obrigado.

 
João Carlos Ferreira

Antes demais, boa noite a todos.

Quero agradecer a presença do Dr. Daniel Innerarity que, para quem não sabe, é professor em Sorbonne, a melhor universidade de ciência política na Europa.

 

Também gostaria de agradecer, na pessoa do nosso Deputado Europeu, e "magnífico reitor” da UV, Carlos Coelho, por esta iniciativa que se está a revelar muito enaltecedora.

 

Tendo em conta o atual contexto de crise, alguns conceitos que os jovens tomaram por adquirido – como um emprego estável, a independência face aos pais, a possibilidade de habitação própria – parece cada vez mais ideia distantes e utópicas. Isto, aliado a uma cada vez maior desacreditação da política, a minha pergunta é: deverá a política, para recuperar a sua credibilidade, integrar a justiça intergeracional? Se sim, como fazê-lo?

 

Obrigado.

 
Daniel Innerarity

Gostava de falar português como tu falas espanhol.

 

[RISOS]

 

Comecemos pela abstenção. Eu creio que a elevada abstenção não é uma coisa muito grave. Há que desdramatizá-lo. Eu não tenho uma solução mas nas sociedade pluralistas, em que se aceita que uma pessoa seja de direita ou de esquerda, é preciso aceitar também o pluralismo na própria participação política.

 

As pessoas que estão nesta sala não são um bom exemplo: somos pessoas muito raras. Estarem neste dia, no Alentejo, a falar de Ciência Política a estas horas [RISOS] e durante toda uma semana... vocês são raros. São quase anormais, isto não é normal [RISOS].

 

Por isso não devemos exigir aos outros que nos acompanhem na nossa raridade. E tenhamos consciência que a participação eleitoral é um direito e não uma obrigação.

 

Um filósofo inglês dizia que – e isto pode ser estudado sociologicamente – quando há uma grande participação provavelmente temos um problema. Um certo desinteresse pela política indica que as coisas não vão mal. Pelo contrário, um grande interesse pela política indicia que algo vai mal, levando a que as pessoas se indignem ou se preocupem.

 

Isto não resolve o problema da abstenção estar acima do razoável mas serve para desdramatizar um pouco.

 

Se eu entendi bem, a segunda parte da pergunta está relacionada com o populismo. Eu diria o seguinte: é importante que a política seja um pouco emocionante. Não demasiado: creio que a política muito enfática não é credível, mas a política tem de ter um pouco de emoção. E nestes tempos a mensagem política, não apenas em Portugal, é aborrecida, pouco interessante, e estamos a deixar as emoções aos provocadores.

 

Realmente, o populismo explica-se – a par de muitas razões, porque há um espaço vazio que os provocadores têm todas as condições para ocupar, quer mediática quer politicamente.

 

No parlamento espanhol, se um deputado quer ser notícia já sabe o que tem de fazer: pôr uma camisa ou tirar a que estiver a usar. Fazer um bom discurso não chega. Isso não passa na imprensa.

 

Eu não digo que se jogue com a camisa mas nós não estamos a conseguir que a política tenha a dose certa de emoção e de intensidade que relegue para um canto os números mediáticos dos provocadores. Pelo contrário, estamos a deixar o espaço totalmente livre aos populistas.

 

Quanto à justiça intergeracional. O Miguel Maduro, nesta manhã, disse que a justiça intergeracional deve ser entendida como a possibilidade de integrar os ausentes. Isto porque o nossa distribuição equitativa é uma distribuição entre aqueles que já estão dentro do sistema. No fundo, isto está relacionado com o emprego. A dificuldade de acesso ao emprego deriva do choque com interesses dos profissionais instalados, dos sindicatos, dos que já estão dentro do sistema.

 

Como solucionar esta incompatibilidade?

 

Parece-me que estamos a olhar para a justiça como um pacto entre presentes. Entre os que já existem. É a conceção horizontal. Mas temos de partir para uma conceção de justiça em que – de alguma forma – intervenham os direitos dos ausentes. Os direitos dos que não trabalham, dos que não são sindicalizados, dos que não podem votar, dos que não nasceram, dos que não têm direitos de cidadania porque acabaram de chegar.

 

Este é um conflito que estamos a resolver mal. Estamos a resolvê-lo como um simples contrato entre pessoas que repartem uma tarte. Porque o sistema político, sindical e patronal funciona com pessoas que já estão dentro do sistema. E não há forma de introduzir os novos.

 

Nem sequer há quem os represente. Primeiro, porque é muito difícil representá-los; depois, porque implicaria uma certa arrogância alguém achar que representa as gerações futuras. Imaginem um "Partido das Gerações Futuras”...

 

Mas, de alguma maneira é preciso fazê-lo. Nietzsche dizia que tínhamos de passar de uma ética das coisas próximas para uma ética das coisas distantes, tendo em conta o que está longe.

 

E isso tem uma expressão espacial e temporal. A espacial tem que ver com a justiça das interdependências e a temporal com os direitos das gerações ausentes.

 

[APLAUSOS]

 
Fernando Monteiro

Boa noite a todos, em especial ao Prof. Daniel.

Disse-nos há pouco que os políticos têm uma grande dificuldade de aprendizagem. Numa entrevista recente ao jornal Público disse que o poder político se debilitou, causando muitos dos problemas que temos hoje.

Quais as razões dessa debilidade? Crê que isso representa também uma debilidade da própria democracia?

Obrigado.

 
Frederico Barreiros Mota

Boa noite.

Professor, o ato de governar parte de uma certa insatisfação perante o curso natural das coisas. A política é mais reparadora que configuradora, e a crise é uma boa oportunidade para reformar.

 

É verdadeiramente possível reformar os Estados grandes, pesados e burocráticos para um sistema inteligente para mitigar os efeitos da crise?

Obrigado.

 
Daniel Innerarity

As duas perguntas precisam de uma resposta demorada mas não mo deixa o "chefe”.

 

[RISOS]

 

Dizia uma socióloga francesa que o poder é o lugar ideal para a ignorância. Ou seja: quem tem poder, não tem necessidade de aprender. Quem tem poder, o que faz é mandar. Ora isso não é verdade. Isso acabou!

 

O poder é um lugar onde se deve aprender de uma forma especial. Os Deputados são pessoas escolhidas pela sociedade para aprender e investigar quais são os problemas e possíveis soluções. Os parlamentos são lugares mais de negociação do que de deliberação mas a verdade é que toda a teoria deliberativa da democracia pressupõe a ideia de que na política há uma dimensão de aprendizagem. Para a política vai-se aprender!

 

Quais são os limites da política? Há limites cognitivos e práticos.

Quantos aos cognitivos: para ser eficaz, a política tem de mobilizar uma grande capacidade de saber e de conhecimento. Essa mobilização é muito difícil.

 

As limitações práticas têm que ver com o que eu disse há pouco. A dificuldade de implementar, de ser "obedecido”, de exigir lealdade, etc.

 

Debilitamento da democracia. O facto de o poder ser limitado não tem de indiciar uma debilidade da democracia. Pois o poder de cada um de nós nesta sala não é limitado.

 

Estamos continuamente condicionados: um Estado por outro Estado; o Estado pela sua própria sociedade; um partido por outro partido. A democracia é um sistema de contrapesos. De limitações recíprocas. E de autolimitações, que nada têm que ver com debilidade.

 

A democracia é a vida dentro das limitações.

 

Responder à segunda pergunta, sobre os Estados, levaria muito tempo.

 

Eu sou muito pouco estatista, aliás, nada estatista – já Eu ficaria contente se fosse apenas a União Europeia e os municípios. E não sou estatista por uma questão de afinidade política e também conceptual.

 

Os Estados que construíram o mundo moderno, para resolver os problemas políticos, os equilíbrios de justiça, etc, são hoje um grande obstáculo.

 

Temos de encontrar equivalentes funcionais que realizem essa tarefa. Não podemos desmontar o Estado sem encontrar esse equivalente.

 

[APLAUSOS]

 
Sofia Sousa
Boa noite, a minha pergunta é a seguinte: a abertura do mundo cibernáutico pode ser um meio de facilitar a formação de grupos extremistas que põem em risco a sociedade?
 
Sara Campos

Boa noite, a nossa pergunta é a seguinte: será possível, num futuro próximo, existir um trabalho de equipa entre políticos e técnicos das mais variadas áreas?

Obrigada.

 
Daniel Innerarity

A propósito do tema da internet e da democracia.

 

Eu creio que nos últimos anos houve um momento daquilo que eu chamo de "fanatismo digital”. ["BEATERÍA DIGITAL” NO ORIGINAL]

Parecia que o espaço digital permitiria a chegada da democracia em todos os lugares, etc. Foi o momento da "Primavera Árabe”, por exemplo.

 

Vivemos agora um tempo de decisões quanto a isso. Porquê? Há várias razões.

 

Em primeiro lugar, a internet não é um espaço politicamente neutral. Há "gate keepers” que controlam continuamente o nosso espaço. Acontece o mesmo com os mercados. Há quem defenda o espaço digital como um espaço de liberalização, tal como já antes os neoliberais defenderam os mercados como algo necessário à liberalização política.

 

Por outro lado, a internet é um espaço que não suplanta completamente os espaços físicos. Em parte sim, mas em parte não.

 

Vimos isso na "Primavera Árabe”, em que a faísca inicial surgiu num blog de uma rapariga tunisina. Eu tive a oportunidade de discutir com ela, num debate em Alexandria.

 

Pareceu-me admirável o seu arrebatamento, a sua militância, mas mostrei-lhe o meu ceticismo. Disse-lhe que a ocupação física do território é muito importante em política. E que há duas instituições no Norte de África que têm essa capacidade de estruturação no território, de ocupação, de solidariedade. Disse-lhe que uma dessas duas instituições acabaria por vencer a batalha. Ou a Irmandade Muçulmana ou os militares.

 

O trágico na "Primavera Árabe” foi que teve de se escolher entre esses dois grupos. Essas minorias blogueiras universitárias são isso mesmo: uma minoria.

 

Outra coisa a propósito de extremismo: nos ataques no Reino Unido ficou toda a gente surpreendida. Uma parte das pessoas que tinham posto aquelas bombas eram professores daquele colégio. Pessoas enraizadas. Como terá sido possível?

 

Uma das hipóteses foi: analisemos os conteúdos que consumiam na internet. Que tipo de mensagens continham?

 

De acordo com a tese de Kass Sustein, "a internet pode ser uma câmara de eco”. A internet pode ser um espaço em que uma pessoa define a sua rotina de consumo de notícias. E quando uma pessoa define a sua rotina de consumo de notícias... Grande parte da nossa razoabilidade e abertura democrática devemo-lo às mensagens que recebemos.

 

Se eu leio um jornal tradicional é natural que haja artigos que me irritem. Na internet há a possibilidade de selecionar, de criar uma câmara.

 

Ora eu acho que a nossa razoabilidade deve-se ao inimigo. Ouvir o inimigo é a única maneira de não ficarmos loucos. Estou aqui num sítio em que os jovens de um partido estiveram a escutar o adversário. Se passarmos o dia a ouvir pessoas que pensam como nós, acabaremos loucos ou fanáticos.

 

Sobre os técnicos e políticos. Vou aproveitar para fazer propaganda. Vai sair um livro em Portugal que analisa esse problema: "como articular os técnicos e os políticos no espaço de decisão política”?

 

O que temos atualmente? Temos o técnico de um lado e o político do outro. Por isso é que eu acho que o tema de hoje não serve para explicar a política. Em vez de "Direita e Esquerda” o debate ideológico deve ser entre "Tecnocracia e política” ?

 

Entre gente que dá mais importância às questões técnicas e gente que releva as questões democráticas, no sentido de "ter de se cumprir as ordens de quem manda”.

 

Temos dois quadrantes: "Direita e Esquerda” e "Democratas e Populistas” que se entrecruzam. O melhor exemplo é a Itália. Há basicamente quatro partidos: a Direita Democrata e a Populista; há a Esquerda Democrata e a Populista.

 

Não sei onde está o PSD...

 

Assim, o grande desafio que temos para que isto se articule melhor é conseguir que o momento técnico e o momento político não estejam tão dissociados.

 

O que temos hoje? O político diz que quer "fazer determinada coisa” e pede ao chefe do departamento jurídico para que o justifique. Ou o contrário: os técnicos dizem ao ministro o que ele deve decidir/anunciar.

 

O que acontece é uma dissociação absoluta das razões técnicas e das razões políticas. E é preciso juntar técnicos e políticos na mesma casa para que decidam ao mesmo tempo.

 
José Alberto Ferreira

Muito boa noite a todos.

Professor, recentemente afirmou na mesma entrevista ao Público, que são os moderados que mudam a sociedade. Como podem esses moderados afirmar-se numa sociedade europeia em que o centro político se afasta cada vez mais dos votantes, enquanto à esquerda e à direita o extremismo aumenta cada vez mais.

Obrigado.

 
Hugo Ferrinho Lopes

Em primeiro lugar, agradeço a presença do nosso orador. É uma honra e um privilégio para mim, como licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais, mas também como orador do Grupo Amarelo, que me orgulho de representar neste momento, poder ouvir as suas eloquentes palavras.

 

O Prof. falou aqui do tema da responsabilidade e do voto e a minha pergunta vai nesse sentido. Sendo a democracia o governo do povo, sendo a nossa uma democracia representativa, cabe aos governantes espelhar as preferências dos governados. Ora o sistema eleitoral português é de representação proporcional ancorado na média mais alta de Hondt, para além de favorecer os maiores partidos, não garante condições de uma governabilidade estável.

Não seria melhor a alteração para um sistema misto, como o caso alemão, com círculos uninominais que garantam a possibilidade de maiorias absolutas e governos estáveis, complementados por um círculo nacional, proporcional que assegure a representação de minorias?

Conseguiríamos aproximar eleitos de eleitores e maior responsabilização dos representantes.

Em caso de má representação dos eleitos, não serão reconduzidos pelos eleitores.

Obrigado.

 
Daniel Innerarity

A propósito dos moderados, o principal motivo que me leva a ser favorável a pactos e acordos políticos é por serem a única forma de modificar as coisas. O radicalismo, a incapacidade de fazer acordos com o adversário, só favorece ostatus quo. Leva a que nada mude.

 

Isso tem que ver com aquilo que me perguntas sobre a radicalização. Porquê? Dá-me a impressão de que vivemos tempos de mensagem ideológica muito radicalizada. E tende a piorar.

 

Em Espanha, vemo-lo com o crescimento dos partidos radicais. Ou radicalização dos que aparentemente eram moderados. E dá-se um fenómeno muito interessante que é o aparecimento dosTeaParties.

Não o Tea Party americano, que é um problema localizado, mas sim o aparecimento de Tea Parties em todos os países do mundo. E cada partido tem o seu Tea Party.

 

O Tea Party consiste num grupo que tem como único objetivo impedir pactos do seu partido com os adversários. Não aceitam qualquer conciliação de posições. Esta forma da radicalismo é extremamente conservadora. Não permite qualquer mudança.

 

Neste novo radicalismo há muita crítica mas não há nenhuma teoria nem, muito menos, prática revolucionária.

 

Hoje, em Espanha, estamos sob o efeito deste novo partido, que já está ao nível dos socialistas, nos 21%. Parece-me um fenómeno muito preocupante porque, fundamentalmente, não irá mudar nada.

 

Eu vivo numa comunidade autónoma com um governo de direita que alguns de nós queremos mudar. E, provavelmente, a evolução deste partido vai impedir-nos de o conseguir. E pode acontecer que a direita continue no poder.

 

Quanto à segunda pergunta. Eu não sou especialista em teoria da representação e não tenho opinião sobre esse ponto concreto. Em todo o caso, não vejo como se pode transitar para Portugal um modelo tão marcado noutros países, como no Reino Unido ou na Alemanha.

 

Não temos de entender a representação como uma maneira de trair um povo que – se estivesse compacto – atuaria de maneira plenamente democrática sem divisões. Nada disso: a representação é o processo através do qual a vontade popular se expressa de forma eficaz. Sem representação não teríamos leis nem capacidade de governar.

 

Uma democracia é representativa porque, para além de ter legitimidade popular, tem de governar.

 

Quando conversei com o Ministro Poiares Maduro sobre estes temas, dissemos que as pessoas estão mais desagradadas com a Europa pela ineficácia das suas decisões do que por questões de democraticidade.

Preocupa mais o défice de "cratos” do que de "demos”.

 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Professor, nós temos uma regra de cortesia de deixar a última palavra ao nosso convidado.

 

Esta é, portanto, a oportunidade que tenho de lhe agradecer por ter vindo de propósito do País Basco para a nossa Universidade de Verão, bem como as respostas que já deu e às duas últimas que ainda dará aos grupos que faltam.

 
Nádia Pires

Boa noite.

Sendo a educação dos jovens importante, direcionamos a nossa pergunta para os jovens.

Se as juventudes partidárias são criticadas, qual é o futuro da juventude na sociedade e na democracia neste momento?

 
Miguel Mourato

Boa noite.

Vou recorrer a uma citação do Professor. O problema é que a escrevi em Português e agora para a traduzir será um problema.

 

[RISOS]

 

Mas o professor conhece-a bem: "o estado do espaço público reflete o que cada sociedade pensa de si própria”.

Apesar de tudo, a população portuguesa não se identifica com a classe política e há sempre um ambiente de desconfiança.

Pergunto-lhe quais os mecanismos que a nossa geração pode utilizar para mudar essa tendência.

 
Daniel Innerarity

Duas perguntas difíceis.

Eu estou muito contente por estar aqui. Levantei-me hoje muito cedo na minha terra, e valeu a pena. Levo uma boa recordação.

 

Pedem que dê aqui conselhos a jovens que estão na política, num partido, que são uma exceção. Eu sou de uma geração um pouco mais velha que a vossa, vivi o final do franquismo e a minha militância política teve muito que ver com esse tempo.

 

Não sei quais serão as opções futuras dos meus filhos, que são muito pequenos, mas viverão tempos diferentes. Eu vivi tempos de uma extrema simplicidade ideológica: havia uma grande profusão de siglas mas foram tempos de uma grande simplicidade e de falta de matizes.

 

A própria sociedade espanhola evoluiu. Não me parece que a passividade perante a política seja necessariamente má. Há pessoas que se interessam mais por umas coisas que por outras. Uns de rock e outros do campo.

 

Que me compete dizer? Simplesmente que também tenho filiação partidária. Fui candidato algumas vezes... felizmente, nunca eleito.

 

[RISOS]

 

Nas eleições municipais na minha terra ["PUEBLO”, NO ORIGINAL] organizei uma lista. Conseguimos eleger três pessoas e eu era a quarta. O terceiro eleito tem uma saúde frágil e eu ofereço-lhe pastilhas para ele não morrer porque eu não quero entrar.

 

[RISOS]

 

Mas eu insisto numa coisa é que a formação. A militância é importante, o compromisso, o tempo dedicado, claro, mas a formação é essencial.

 

Hoje a política está muito necessitada de ideias. Há uma grande confusão sobre o significado da representatividade, da democracia, da classe política; todos são democratas e todos fazem coisas distintas. Há uma grande confusão.

 

Portanto, nestes tempos, é importante perder um pouco de tempo estudando, lendo, formando opinião própria – porque muitas vezes os partidos são espaços onde não se pode questionar.

 

O tema da classe política é hoje o que mais me interessa. Assistimos a uma orquestração contra a política com fundamentos na incompetência dos políticos, na corrupção. Temos de combater estes fatores, claro, mas isso é usado premeditadamente por alguns para debilitar a política como tal.

 

Eu creio ser importante defender a política pensando naqueles cuja única esperança é que a política funcione bem. É isso que temos de defender.

 

Temos de pensar: se a política se debilitar e passar a ser irrelevante, não vai mudar nada. Não mudará nada para os jovens, para os imigrantes, para os pobres, para os ausentes, para os doentes, para as pessoas cuja único esperança é que a política funcione bem e defenda os seus direitos.

 

Esta é a ideia mais genuína que podemos defender.

 

[APLAUSOS]