ACTAS  
 
9/4/2014
O que temos de fazer para ter uma Economia Sustentável?
 
Dep.Carlos Coelho

O nosso convidado de hoje é doutorado em Economia, Diretor-Geral da COTEC e foi Ministro da Economia do XIII Governo Constitucional. O seu hobbie é caminhar, tendo já sido também a jardinagem; o livro que sugere é "O Monge que Vendeu o seu Ferrari”, de Robin Shama; os seus filmes favoritos são "O Casamento de Maria Braun” (de Rainer Werner Fassbinder) e "A Árvore dos Tamancos” (de Ermanno Olmi”). A comida que prefere é peixe grelhado e, diz ele, que já passou o tempo do cabrito assado no forno. O animal preferido é o cão; opetmais votado pelos nossos convidados. A qualidade que mais aprecia é a lealdade.

 

Sr. Prof., muito obrigado por ter aceite o nosso convite e o palco é todo seu.

 
Daniel Bessa

Bom dia a todos. Gostaria de começar por agradecer o convite do PSD, da Universidade de Verão do PSD e em particular do Deputado Carlos Coelho.

É um convite muito lisonjeiro e que me deixou muito contente, por isso aceitei.

 

Acho que há pessoas que gostam de falar, eu gosto de falar e o caso ainda agrava-se mais quando as pessoas vivem de falar. Eu vivi sempre de falar, foi praticamente o que fiz na maior parte do meu tempo de vida.

Portanto, quando as pessoas gostam e vivem de falar o pior que pode acontecer a uma pessoa assim é não ter alguém para a ouvir. Teria falta de mercado e isso seria terrível. Isto vale para os professores (eu sou professor), vale para os políticos (eu passei pela política) e vale para os padres. Portanto, dos três "p” esta última é a única atividade que não exerci, digamos assim.

 

[RISOS]

 

Como professor que fui sempre e como político, o falar é muito importante e ter uma oportunidade de falar é também muito importante e muito lisonjeiro.

Tenho realmente gosto no meu passado de professor, mas enfim é passado. Não há muito a fazer sobre isso. Sou seguramente, com toda a certeza, dentro desta casa e desta sala a pessoa mais velha. A minha filha tem 42 anos é mais velha que todos vocês. Portanto, eu podia ser pai de todos vocês e avô de uma boa parte. Como veem estamos numa situação de alguém que já tem uma idade muito, muito, avançada. Mas, enfim, surgiu esta oportunidade e eu não gostaria de a desperdiçar.

 

O aparecer aqui de casaco e de gravatinha, daqui a bocado tiro o casaco, mas foi uma conversa que tive à chegada. Perguntaram-me como era com a Comunicação Social, se havia ou não. Ponderei muito e depois achei que não havia nada a esconder.

Portanto, a Comunicação Social estará presente sem nenhuma limitação da minha parte a não ser o casaco e a gravata. Daqui a bocado só a gravata porque a presença da Comunicação Social não pode deixar de ter consequências e teve e terá consequências.

 

Sei que estou perante um partido político e a Universidade de Verão e é a política que nos traz aqui. Queria começar por dizer que se há atividade que aprecio é a política. Porque eu tinha-me referido à política como fala e é uma outra dimensão. Além da fala, a política tem de ter mais coisas, tem o fazer e por isso me refiro a ela não apenas como uma fala mas como uma atividade que não é apenas de conversa.

É a atividade que eu mais admiro, portanto acho que de toda a ação humana é a superior, porque é uma ação humana muito integradora. Ou seja, faz apelo a imensas competências e portanto não é possível estar na política sem competências reforçadas, daí a minha admiração.

 

A política está para mim como a filosofia. Portanto, acho que a política é a forma superior da ação humana e a filosofia é a forma superior de reflexão humana e de pensamento, rigorosamente pelas mesmas razões, pela dimensão superior e integradora da política como ação e da filosofia como reflexão.

Portanto, tenho um fascínio imenso seja pela política, seja pela filosofia. Assim, com este fascínio passei algumas tangentes à política. Cheguei a exercer uma função governativa durante algum tempo, que foi a prova provada de que eu não sou competente. Atingi o Princípio de Peter, aplicou-se-me com a chegada à ação política executiva e portanto ficou o problema resolvido ali.

 

Ninguém gosta de se ver incompetente, mas a prova estava feita, ficou feita e pronto. Portanto, eu tenho o fascínio, mas não sou capaz, acontece. Uma das coisas que concluí da sociedade dos nossos dias é a ideia de que tudo tem solução e tudo se resolve. Eu acho que não. Pôr um gago a falar talvez seja possível, não sei, mas talvez continue um pouco gago para a vida toda. Por exemplo, pôr-me a mim a cantar é literalmente impossível, ninguém me porá a cantar, ou a desenhar.

 

Portanto, da mesma forma que não sou capaz de cantar ou de desenhar não sou capaz de exercer uma ação política consequente e com sucesso. Isto não quer dizer que não tenha o fascínio e que não mantenha com a política uma relação de grande proximidade.

Portanto, aproximo-me da política mesmo não sendo capaz, mas fascina-me. Como aqueles animais que são atraídos pela luz também eu vou atraído e às vezes acho que também atraio alguns políticos, sobretudo na hora de falar que é o que eu faço. Já na hora de fazer, a atração diminui.

 

[RISOS]

 

Já passei por isso várias vezes: "este tipo serve-me enquanto falar e deixa de me servir quando começa a fazer”. Portanto, já passei por isso vezes suficientes e espero não voltar a passar, porque com esta idade, digamos que à segunda só cai quem quer e à terceira é-se definitivamente estúpido para cair numa coisa dessas, que é deixar-se seduzir na hora de conversar e depois ser mandado embora na hora de fazer.

 

Tenho esta relação com a política que me fascina como uma forma de ação superior e capaz de integrar conhecimentos diversos, um dos quais tenho em alguma medida que é a questão da economia. Mas eu não confundo um economista com um político, atenção.

A economia é umapport, um contributo para a política e, salvo melhor opinião, a política tem que usar a economia tal como tem de usar outros conhecimentos.

É isso que me aproxima da política.

 

Aqui, há dias, disse umas coisas que não terão sido as mais simpáticas para um ex-dirigente do Partido Socialista e depois um quadro do Partido Socialista ficou muito desagrado e escreveu-me uma carta violentíssima, realmente, à qual eu até respondi de uma forma moderada, porque o senhor estava manifestamente incomodado, portanto não gostou do que eu tinha dito. Disse-me assim: "Que saudades que eu tenho de quando você era um economista”.

Lá está, quando eu falava gostava muito. Foi assim que o senhor disse, desagradado, digamos, com a minha passagem para o outro lado da política.

 

É como economista que eu agora vou começar a falar. De pé e sem casaco. Fui sempre um tipo de mangas um bocadinho arregaçadas.

O nosso tema, como o Deputado Carlos Coelho disse, era a política e a questão da sustentabilidade do crescimento. É sobre isso que eu gostava de vos falar um pouco, num registo que eu acho que vai ser bastante técnico, embora tenha que ser trazida a política e esta não pode ignorar algumas destas coisas.

Porque a política não pode ignorar algumas destas coisas, faço muito gosto de falar destas coisas, como os políticos todos.

 

O político português que neste momento mais me fascina, não me estou a ver de braço dado a descer uma rua, mas é uma coisa absolutamente afetiva, tenho um enorme carinho por ele e um fascínio imenso, é o Manuel Carvalho da Silva, de quem vocês já ouviram falar, seguramente.

Tenho com ele vários debates e digo-lhe que um dia nós havemos de nos entender, porque há coisas sobre as quais não podemos deixar de nos entender. Estou, portanto, a falar de alguém que vocês conhecem muito bem e que foi o grande líder da CGTP. Um homem ligado ao PC, de que hoje se acha um bocado mais distante.

 

Mas as razões do fascínio não interessam para aqui. Acho que um homem que nasceu no meio de Barcelos e chegou onde chegou, é muito difícil, chegar a líder da CGTP como era difícil nascer em Boliqueime e chegar a Primeiro-Ministro e a Presidente da República. Onde é que nasceu o General Eanes, que eu esqueço-me sempre? Alcains. Acho que pior que pior que Barcelos e Boliqueime ainda deve ser Alcains. Portanto, tenho uma admiração imensa por estas pessoas e podemos estar nos antípodas mas precisamente mesmo por mais nos antípodas que estejamos do ponto de vista político há coisas que não devemos deixar de considerar.

 

Tenho um grande debate com ele na Rádio Renascença, onde debatemos às vezes, nesse ponto de que nós um dia havemos de nos entender sobre umas coisas, não são muitas, mas algumas coisas de base que têm que ver com economia.

 

Em matéria de economia, há um número mítico que é a taxa de crescimento de 3% ao ano. Este número é mítico. Não há economista nenhum que na hora de falar de crescimento não lhe caia este número na cabeça: 3%, que é a taxa de crescimento que se julga que se pode crescer ao ano em período relativamente longo numa economia avançada. Uma economia avançada, ou seja, na frente do conhecimento, da sofisticação, já que uma economia atrasada, precisamente por estar atrasada tem condições de crescer mais depressa porque pode apropriar-se de processos de conhecimento e tecnologia de que outros já dispõem.

Portanto, uma Suíça, ou uns Estados Unidos, têm de crescer na base da nova tecnologia, enquanto Portugal, ou a Grécia e tantos países em diante, podem crescer com uma tecnologia que está desenvolvida e aplicada por outros.

 

Assim, este número é mítico: 3% ao ano é que os Estados Unidos cresceram em média sobre o séc. XIX. Ou seja, durante 100 anos os Estados Unidos apresentam uma taxa de crescimento de 3% ao ano e de novo no séc. XX voltam a crescer a 3% ao ano. Portanto, este número, não vou dizer que é o mínimo, pois há países muito bem sucedidos que estão a crescer muito menos que isto há muito tempo. É o caso da Suíça, por exemplo, que tem uma taxa de crescimento baixíssima, mas vive bem com isso há muito tempo. O Japão está há mais de 20 anos encostado a taxas de crescimento bem abaixo disto.

Mas este é, como vos dizia, o número mítico e o valor desejado.

 

Acompanho a economia portuguesa desde há muitos anos. Não é tanto pela idade que tenho, mas por investigar, por exemplo a minha tese de doutoramento foi sobre a inflação em Portugal.

Portugal era um país de inflação muito baixa como agora volta a ser e portanto nos tempos em que nasci, em 1948, vivi com taxas de inflação muito baixas e depois foram subindo muito lentamente. Ainda antes do 25 de Abril e depois, chegámos a taxas de inflação muito perto dos 30% ao ano.

Portanto, é uma coisa que se foi instalando e que me seduziu como processo e como problema, tendo eu resolvido estudar a inflação.

 

Tinha e tenho uma ideia de que o principal resumo da sociedade é o Diário da República. Acho que de uma maneira ou de outra tudo passa pelo Diário da República. Portanto, andei pelo mesmo a tentar perceber porque é que os preços subiram, porque achava eu que de uma forma ou outra a causa lá estaria no Diário da República.

Comecei no primeiro dia depois do fim da I Guerra Mundial, em 1 de Janeiro de 1945, fui até 1980, que foi o período do processo inflacionário português que estudei. A única coisa na vida que escrevi com alguma dimensão e talvez aquela que foi a menos lida.

 

O processo inflacionário português de 1945 a 1980 e a empreitada consistiu em ler a primeira página de todos os diários desse período. Li as primeiras páginas todas e quando achava que estava lá alguma coisa que acabasse em preços e em subida dos mesmos, copiava. Centenas de páginas: umas vezes orçamentos, outras a moeda, outras os sindicatos, entre outros. Enfim, tudo o que lá estivesse e que cheirasse a preços eu fui buscar. Foi um exercício muito interessante e assim acompanhei a economia portuguesa, não tanto como experiência de vida mas como objeto de análise, desde há muito tempo.

 

A economia portuguesa acima de 3% ao ano, neste tempo todo que eu acompanhei, terá crescido duas vezes. De 1960 a 1970 e de 1990 a 2000, embora pudéssemos começar um bocadinho antes, talvez quase 1997. Duas vezes e nunca nestes mais de 70 anos, com exceção destes 20, terá crescido mais do que isto. Pontualmente pode ter crescido, mas sobre uma década não.

Nos dois casos temos a presença de dois choques externos. Um choque externo é uma coisa que acontece, para ter alguma importância tem de ter alguma dimensão, profundidade e extensão suficientes para poder provocar consequências destas envergadura.

 

De 1960 a 1970, estamos perante a adesão à EFTA que é como sabem uma espécie de mercado comum reduzido de países do Norte da Europa. Quando se criou o antigo mercado comum europeu, hoje União Europeia, capitaneado pela Alemanha e pela França, houve uma série de países que não entraram, não quiseram aderir, ficaram de fora e criaram um bloco próprio, capitaneado pela Inglaterra, pela Noruega, Suécia, Áustria, e Portugal também estava lá metido.

No período de 1990 a 2000, Portugal aderiu à União Europeia, em 1985, se não estou enganado.

São dois grandes choques, sobretudo porque são a abertura de dois grandes mercados.

 

Portugal não vendia nestes mercados, ou vendia muito pouco. A adesão à UE traz ainda, não só a Alemanha e a França onde já vendíamos alguma coisa, mas a Espanha onde não vendíamos nada. Portanto, a adesão à UE traz ao mercado a Espanha que é hoje o maior mercado da economia portuguesa. Em 1960-1970 há o mercado do Reino Unido e dos nórdicos.

 

Além desses grandes mercados trouxe investimento estrangeiro. No primeiro caso, sobretudo investimento inglês, mas também de outros países e no segundo caso investimento de origens diversas, nomeadamente alemão.

Esses investimentos estrangeiros, juntamente com os que já cá estavam, produziu coisas para mandar para esses mercados que se abriram.

A época de 1960 a 1970 é sobretudo áurea no mercado têxtil e no calçado. Portanto, das indústrias de mão-de-obra intensivas operadas por empresas nacionais e por investimento direto do estrangeiro para vender para os mercados da EFTA. Já a época de 1985 a 2000 é sobretudo investimento alemão, mas também francês, para vender outro tipo de bens, muito mais sofisticados, como máquinas, equipamentos, para vender para o mercado da CEE.

 

De 1990 a 2000 é a Bosch, a Siemens, a Continental, entre outras, são as grandes casas alemãs e também a AutoEuropa que é um projeto alemão como a Volkswagen. Acho que não há nada que não tenha mudado mais a economia portuguesa do que a AutoEuropa. Estive ontem com o Eng.º Mira Amaral numa coisa da CIP, acho que devemos isso, porque tivemos de pagar para ter a AutoEuropa, mas a coisa foi muito bem desenhada. O que o Eng.º Mira Amaral pagou à AutoEuropa tinha uma condição que foi decisiva: a AutoEuropa recebia em função do valor que fizesse acrescentar em valor nacional. Não é do valor que ela própria acrescentava, mas do valor que fazia acrescentar em território nacional.

O que levou a AutoEuropa a dizer aos seus fornecedores que se quisessem continuar a fornecê-la em Portugal tinham de vir para cá.

 

Não sei se há aqui gente do distrito de Viana de Castelo, mas uma boa parte do que há da indústria, com exceção das indústrias tradicionais mais antigas, foram empresas espanholas que vieram para cá produzir componentes automóveis porque a AutoEuropa exigia para ter os seus subsídios.

Se alguma coisa muda Portugal em comparação a tempos antigos é o automóvel.

Portanto, são as máquinas e equipamentos em geral, o material de transporte, já não estando a falar apenas de pura manufatura, mas a falar de coisas um bocadinho mais sofisticadas e trazidos sobretudo pela Alemanha.

Aproveitou-se a oportunidade da abertura do mercado comum aos nossos produtos e o papel decisivo do investimento estrangeiro.

 

A nossa desgraça, para além deles próprios que são indiscutíveis - mas eu disse que não ia falar de política -, é que nós estamos confrontados com as consequências de dois grandes choques adversos. Um é o alargamento da União Europeia ao Leste que para mim foi o pior que nos podia ter acontecido numa perspetiva de curto prazo. Pensava isto ali na piscina, enquanto veio à minha cabeça várias vezes e não sei se é uma das coisas que vai sair na Comunicação Social, porque quando digo uma coisinha mais fora, sai, mas não vai atingir ninguém desta vez e portanto talvez não saia. Mas vamos ver, vamos ver.

Mas eu gosto desta figura: a felicidade máxima do pobre é deixarem-no vender aos ricos com exclusão dos outros pobres. Não sei se estão a ver.

 

Supondo: eu sou pobre, estou na pior, vem um rico e diz "tu agora vendes-me e mais nenhum outro pobre vende”; concordo logo, é o pleno. O pobre pode não ficar rico mas muda de estatuto. Acho que durante os primeiros anos da adesão à CEE nós tivemos essa função, fomos um pobre admitido num clube dos ricos, onde mais nenhum pobre podia vender.

Também havia ainda a Grécia, claro, que era tão pobre quanto nós, mas a Grécia não competia no mesmo terreno que nós e portanto nunca foi uma economia industrial, sendo sobretudo de serviços. Assim, em matéria industrial nós éramos os mais pobres admitidos pelos ricos como a Alemanha, a França e os outros países europeus pobres eram excluídos do grupo.

Quando o clube se alarga à Europa do Leste, que é ainda em grande parte uma economia de salários mais baixos que o nosso foi "o fim da picada”.

As condições que trouxeram investimento para Portugal entre 1985 e 2000, receio que hoje sejam irrepetíveis, ou talvez seja preciso pagar mais para ter investimento estrangeiro direto.

 

Segundo grande choque: os acordos na Organização Mundial do Comércio, que permitem que as economias do mundo subdesenvolvido - não é uma expressão muito feliz -, fora do nosso espaço, tivessem sido admitidas a vender aqui sem proteção praticamente nenhuma. Portanto, como disse, tudo é a China mas também pode ser a Índia, o Paquistão, o Vietname, mais a América do Sul e assim toda esta gente foi admitida a vender no nosso mercado.

Logo, a nossa vida andou para trás e isto são dois choques violentíssimos que condicionaram muito a evolução da nossa economia.

 

Quando digo que há erros, já tendo dito que não me queria pôr muito na política, isso se eu quisesse recuar até a eles, mas não vou fazê-lo porque vai dar mau resultado. Se eu quisesse recuar, os erros vêm bastante de trás, mas há uma coisa que é clara, não deixando mal ninguém e é connosco todos. O problema maior é que não fomos capazes de incorporarmos e nos adaptarmos à redução da taxa de crescimento sobretudo a partir de 2000.

 

Sobretudo a partir de 2000, já com a Europa alargada a Leste, já com o acordo da Organização Mundial do Comércio em vigor e com uma economia muito debilitada por força dessas condicionantes desses dois choques externos.

Quando aquilo que parecia ser uma promessa de bem-estar e de melhoria de nível de vida - com aumento de emprego, melhoria salarial, Portugal a chegar em 2000 a uma taxa de desemprego abaixo de 4%, que é uma coisa chocante para quem não é economista. Para quem é economista, costuma-se dizer que 4% é abaixo da taxa natural de desemprego. Ou seja, para um economista quer dizer que excede aquilo que um economista pensava do pleno emprego.

 

Porque quando a economia chega a um nível tão baixo de desemprego começa a ter que empregar pessoas sem qualificação, quando eu para recrutar alguém incorporo agora a pessoa que tinha excluído no concurso anterior. Atrás, fui ao mercado, tentei recrutar alguém, escolhi os que me pareceram os melhores, no ano seguinte cresci e volto ao mercado para buscar mais gente e contrato os que recusei o ano passado. Para o contratar tenho de lhe pagar mais porque ele está empregado e tive de o tirar da concorrência.

Portugal viveu essa situação do mercado de trabalho em 2000 na sequência de um período de crescimento muito rápido, com aumentos de salários e de condições de vida muito rápidos e quando a roda andou para trás não fomos capazes de nos adaptar.

 

Por isso é que estou a dizer que isto vai já muito além da política e entra na dimensão coletiva. A vida começou a andar para trás, mas nós quisemos manter a trajetória de melhoria de condições de vida que trazíamos de trás e a coisa agravou-se exponencialmente.

Por exemplo, todo o problema das finanças públicas em 2000 estava mais do que controlado e foi-se agravando exponencialmente à medida que o tempo ia passando e cada vez mais à medida que a situação de deteriorava, até acabar como acabou.

Temos que ganhar sustentabilidade, temos de passar a ter uma economia que sustente os nossos padrões de vida e aquilo que tanto prezamos.

Esse é o problema. Para vos dizer a verdade não sei bem como é que vamos conseguir esse resultado.

 

O Carvalho da Silva é uma pessoa inteligente, tão inteligente quanto eu, mas tem mais experiência e mais mundo do que eu e não pode deixar de reconhecer, tal como eu, que há aqui alguns problemas que nos condicionam.

Eu dizia que a política cede em muito na economia e, portanto, há muitas dimensões que a política tem de incorporar além da economia. Desse ponto de vista, o Carvalho da Silva é muito melhor do que eu, sabe muitas coisas que eu não sei, é sensível a muitas coisas a que eu não sensível e é porventura, ou podia ser, melhor político do que eu.

 

Mas há uma coisa, é que há um mínimo de economia que a política tem de incorporar. Relativamente a esse mínimo, temos de nos pôr de acordo e um dos elementos desse mínimo é que a economia portuguesa não cresce desde 2000.

Como é que uma coisa que não cresce desde 2000 vai agora ser posta a crescer? Agora vou se calhar queimando soluções: investimento estrangeiro, não sei.

Estive ontem, como vos disse, numa reunião numa confederação empresarial onde há muita gente a trabalhar e, na melhor das intenções, a fazerem propostas. Ouvi uma vez mais que precisamos de investimento estrangeiro.

Precisamos, mas isso resolve alguma coisa? Não resolve coisa nenhuma.

 

Portanto, eu disse que estava bem, que íamos fazer o papel de qual a empresa que queríamos aqui, a que porta é que íamos bater, o que íamos oferecer e isto começa a ser uma conversa. Agora, dizer só que precisamos de investimento estrangeiro é, com toda a sinceridade, zero, porque isto não resolve coisa nenhuma.

O Eng.º Mira Amaral não disse que precisava de investimento estrangeiro. Não sei como, mas António Neto da Silva também esteve muito nesse processo e foram bater a uma porta qualquer e pagaram para eles virem.

Logo, trata-se de negociação. Não resolvo nada dizendo que quero, preciso é de agir.

 

Em matéria de investimento estrangeiro acho que as nossas condições de atratividade estão hoje muito debilitadas. Não quer dizer que eu não sonhe com isso e não achasse isso fantástico, mas quer dizer que se fosse eu não saberia muito bem onde é que ia bater, o que oferecer e com que probabilidade de sucesso.

Por isso é que acho que não podemos construir para Portugal um cenário que assente sobretudo no investimento estrangeiro porque isso tem um risco imenso.

 

Quem faz cenários sabe quais são as hipóteses que subjazem ao cenário e faz uma avaliação de risco. Acho que o cenário entre uma atração pesada de investimento direto do estrangeiro tem um risco muito elevado e tenho de ter necessariamente um cenário com uma hipótese B, que é no caso de não conseguir isto vai crescer menos.

O que acho mais complicado na economia portuguesa é que essa hipótese B tem faltado sempre, porque nós temos continuado a agir como se isso voltasse a crescer rapidamente e se não cresce andamos atrás do prejuízo. Como se diz no futebol. Andamos atrás do prejuízo de forma agravada, porque partimos do princípio que ia crescer e fomos gastando por conta.

 

Cada vez que gastamos por conta e concluímos que não cresceu e não cresce, o prejuízo é maior. Pessoalmente, acho que é indispensável construir um cenário B para uma hipótese de crescimento mais lenta.

Depois, se for melhor, ótimo, não andamos atrás do prejuízo e temos um prémio, um lucro para distribuir. Provavelmente será com empresas nacionais, a produzir e a vender o quê?

 

Temos aquela que é a questão decisiva da gente que vem do Marxismo e que costumava usar o jargão que eu acho que faz todo o sentido. Gosto muito das palavras, não apenas pelas conotações que as palavras nos trazem, quem as usou, o que acho sobre quem as usou, mas pelas palavras em si, gosto de palavras.

Um dos palavreados que se usava na economia marxista era o lugar do país na divisão internacional do trabalho.

Eu acho isto muito bonito. Porque eu sei que há o capital, a banca, as finanças, mas o trabalho - mais um ponto em que me vou pôr do lado do Carvalho da Silva -, no príncipio disto tudo, porque sem trabalho não vejo muito bem como é que a coisa se resolve. Depois, o trabalho é uma coisa global que tem de ser repartida e cada um tem de encontrar o seu lugar nesse processo de divisão do trabalho.

 

Portugal encontrou o seu lugar quando aderiu à EFTA: têxtil, vestuário e calçado, e também alguns recursos naturais como a floresta. Encontrou quando os alemães vieram para cá produzir as máquinas e equipamentos, nomeadamente os automóveis e o material de transporte. Tem de encontrar de novo, qual é esse lugar e o que é que temos de fazer.

Sobre isso gostava de vos deixar três ou quatro coisas em que acredito.

 

O Deputado Carlos Coelho fez referência à função que hoje exerço na COTEC que é uma associação empresarial para promover a inovação, é o meubusinesse o meu dia-a-dia. Tenho obrigação de ter algumas convicções fortes sobre o que fazer nestas frentes, sem certezas, sob pena de não estar lá a fazer nada. Muito menos sem certezas de sucesso em termos de crescimento muito rápido.

Portanto, tenho convicções muito fortes sobre o que fazer, que compatibilizo com a necessidade de um cenário de um sucesso moderado e lento que nos possa levar a um crescimento relativamente lento durante bastante tempo. Obrigando a acertos internos em todas as frentes, que dependem do crescimento do PIB e da receita que pode vir daí, seja em matéria de salários, de consumo, do Estado, seja disso tudo.

 

Acho que Portugal, com uma exceção de que vou falar, não tem hoje um setor que esteja reservado. Penso que será difícil encontrar um nicho de atividade que não esteja particularmente adequado. O que não é mau, porque as economias mais atrasadas é que se distinguem precisamente por esses nichos e por essa espécie de reserva.

Se for a África não penso noutra coisa que não seja recursos naturais. Se for, por exemplo, à China ou à Índia, ainda mais ao Vietname, Paquistão e Bangladesh, penso em salários.

Portanto, penso em fatores de competitividade que são muitos próprios a muitos marcados e Portugal já passou por essas fases. Hoje, acho que em matéria de preço/mão-de-obra não temos condições de competitividade.

Por isso, por aí não vai, não posso ir atrás de ninguém e dizer venha para aqui porque somos muito baratos e encontra muita gente para trabalhar por muito pouco dinheiro. Isso não existe nem acho que seja desejável. Enfim, se não houvesse alternativa e tivéssemos que viver de alguma coisa, mas esperemos que não seja esse o caso.

 

Em matéria de recursos naturais temos a floresta, sim, onde temos um trabalho fantástico, mas está muito esgotada sobretudo na área do papel. Não há muito por onde crescer na área do papel. Mesmo noutras indústrias florestais como os aglomerados de madeira ou a cortiça, pode-se crescer alguma coisa, mas não me parece que se possa crescer muito.

 

Temos o mar, mas ele não é um recurso. Esta vai sair na Comunicação Social.

 

[RISOS]

 

Porque para ser um recurso é preciso mais do que estar lá. O mar é um inerte. Algum de vocês diz que a lua é um recurso? Não há muitas coisas na lua? Porque é que não dizemos que a lua é um recurso? Porque não podemos chegar lá, não criámos condições para poder usar aqueles materiais. A lua são muitas coisas, mas não conseguimos chegar lá e não temos condições para as usar.

Como antes se dizia, o termo inerte é um termo que vem das indústrias extrativas, é uma coisa que está lá mas que nós não somos capazes de usar.

 

O mar é um grande recurso para quem seja capaz de o usar. Para ser um recurso para nós, temos de começar do princípio, porque o mar não é recurso. Já foi em alguma medida. Havia a pesca, a atividade de reparação e construção naval. Já foi em alguma medida, pequena. Há as praias, claro e a hotelaria e o turismo.

Mas para o mar ser um recurso na aceção moderna e pesada em que hoje é usado precisamos de fazer todo o trabalho de apropriação em termos de conhecimento e capacidade.

 

Posso chamar alguém e dizer que tenho o mar, mas não posso dizer mais do que isto. Já relativamente à floresta é diferente, porque temos a floresta e temos utilização. A Soporcel é uma das melhores empresas de papel e de pasta do mundo inteiro.

Nós temos muita dificuldade em encontrar um setor que pudesse ser oferecido.

Acredito mais naquilo em que eu acredito, que são atividades em indústrias ou serviços com um nível tecnológico suficiente para poderem sobreviver, não à base do preço e baixo, que só se consegue com mão-de-obra muito barata, mas à base da diferenciação e da sofisticação que permite vender coisas de maior qualidade por maior preço.

 

Portugal tem exemplos fantásticos nestas áreas. Não sei, vocês talvez saibam e já tenham ouvido falar de coisas dessas, por exemplo máquinas automáticas de reconhecimento de pessoas nos aeroportos. Onde uma pessoa se apresenta com o passaporte na mão e passa ou não passa porque a cara não corresponde, Portugal é um líder mundial na produção desses equipamentos. Há equipamentos desses nos aeroportos de todo o mundo. Não deixam de se vender, porque os salários aqui são mais altos do que os chineses ou paquistaneses, porque tem um valor próprio pela tecnologia que incorpora e pela diferenciação que oferece.

 

Uma empresa daqui de Lisboa, muito ligada ao Instituto Superior Técnico, a SISCOG por exemplo, é uma empresa que se distingue por produzir o software e os sistemas que permitem gerir alguns dos meios de transporte mais sofisticados do mundo, sobretudo na área elétrica, dos comboios e dos metropolitanos.

Quem diz isto diz montes de outras coisas. É possível vir a Coimbra para ser operado ao coração porque tenho em Coimbra uma unidade de produção de cuidados de saúde na área coronária que é seguramente do melhor que há no mundo. Mas isto tudo junto é muito pouco.

 

É por isso que eu digo que construir um processo a partir destes ativos é provavelmente muito longo e demorará muito tempo a produzir o ritmo de crescimento de que nós necessitamos.

Porque estas empresas e como estas há muito mais, pois nós na COTEC falámos de 12 ou 13 que vieram à cabeça e são todas de enorme mérito, sofisticadas do ponto de vista tecnológico. Algumas delas exportam 90% e nós aqui nem as conhecemos porque elas só vendem lá fora.

Portanto, são de enorme mérito, de potencial elevadíssimo, mas estamos a partir de 10 milhões de euros ou pouco mais e isso é um valor muito pequeno para poder fazer alguma coisa por um PIB de 170 mil milhões e de 5 milhões de pessoas a trabalhar. Mas eu acredito nisto.

 

Trazer investimento direto estrangeiro para aqui, é terrível o que vou dizer: vender algumas destas empresas a empresas internacionais capazes de as catapultar para níveis superiores de produção é um caminho. É terrível isto, mas eu percebo quando o Eng.º Murta cria a Enabler e a partir de formatos da SONAE cria uma empresa informática que vende aos supermercados de todo o mundo. Esta empresa estava ali no Porto, chamava-se Enabler, e deixa de ser dos quadros da SONAE que faz informática para o grupo e passam a fazer para o mundo e a vender num mercado global, quando isso é comprado por uma das maiores empresas de sistemas de informação, Wipro, evidentemente que é de supor que ganha outro potencial. Com redes de distribuição maiores passa a ter acesso a mais mercados e a mais clientes e talvez possa crescer mais rapidamente. Evidentemente pode correr mais riscos de eu ir fechar aquilo aqui e ir colocar noutro sítio qualquer.

 

Portanto, é mais complicado manter os fatores que permitirão que continue em território português. Dei este exemplo que aconteceu, mas tenho dezenas de empresas que poderão vir a passar pelo menos processo.

Sobre isso tenho uma posição um bocado ambivalente, porque inicialmente acho que tem potencial, mas por outro lado cria mais riscos porque a tecnologia pode ser apropriada e pode perder-se a sua localização privilegiada em território nacional.

 

O que é que eu acredito que pode ser um final feliz? É uma guerra minha há muito tempo. Acho que Portugal tem vantagens únicas na área dos serviços e não muito sofisticados.

Há bocado falava do Prof. Manuel Antunes e da Cardiologia em Coimbra, dizendo que porventura as pessoas mais ricas e exigentes do mundo podem vir a Coimbra serem operadas ao coração. Portanto, aí tenho um ativo e algo que tem condições para crescer. Mas não sei se Portugal como um todo pode oferecer-se e impor-se na divisão internacional do trabalho com uma oferta de serviços desses.

Mas em coisas mais medianamente qualificadas, acho que temos vantagens únicas. Estou a falar de tudo o que seja da grande área da velhice e da doença, que se cruzam em grande medida. Acho que Portugal tem condições únicas para ser um prestador de serviços de complexidade moderada na área da saúde e da doença a tudo o que é Europa e mercado europeu.

 

É uma mão-de-obra relativamente barata. Quando o Dr. Manuel Pinho foi para a China dizer que a nossa vantagem era sermos muito baratos, foi muito causticado e eu percebo porquê. Até porque não posso comparar com a China, não passa muito bem. Mas uma grande vantagem que Portugal tem é ser e continuar a ser o mais barato da Europa, porque relativamente à prestação de serviços os nossos concorrentes estão todos na Europa e não noutras áreas do mundo.

Uma pessoa idosa, ou uma pessoa doente, não vai para o Bangladesh nem para o Vietname, vem para Portugal que fica a uma ou duas horas de distância de avião.

 

Depois, temos uma mão-de-obra muito barata em comparação com os europeus, com qualificação quanto baste. Isto é uma coisa de médicos, mas é intensíssimo em pessoal de enfermagem, por exemplo.

Costumo dizer que na saúde há uma grande componente de hotelaria. O que é um hospital? São camas. É como aqui o hotel. Tem uma cozinha, é como aqui no hotel. Muito do que se passa num hospital é equivalente ao que se passa no Turismo. Pelo menos tem uma parte hoteleira e tem uma parte de cuidados de saúde moderamente diferenciada e outras vezes mais sofisticada.

 

Julgo que sabem que uma pessoa hoje pode ser operada às coronárias nos EUA e passado umas horas, talvez nem um dia, pode ser metida a caminho da Costa Rica, ou de um país vizinho, pela única razão de que lá vai ser assistido com qualidade e que é muito próxima e muito mais barata. Claro que não têm o técnico, o cirurgião, o Prof. Antunes, na cabeceira e se lhe der um daqueles ataques fulminantes pode morrer mais depressa na Costa Rica do que morreria nos EUA. Mas ninguém pode construir um molde de atividade com base nisto. Na Costa Rica encontra a resposta que lhe resolve 99,9% dos problemas com um nível muito menos exigente e a um preço incrivelmente mais barato.

 

Portugal tem vantagens únicas na Europa para prestação de serviços. O senhor Manuel Agonia, um empresário do Norte, na área da saúde é um pioneiro na saúde privada que depois vendeu ao grupo Espírito Santo. Acaba de abrir a meia dúzia de quilómetros o Aeroporto Francisco Sá Carneiro uma unidade base de saúde, nomeadamente de psiquiatria.

Portanto, que é uma unidade de serviços continuados de internamento prolongado, foi abrir alguém o hospital por quê? Porque o doente vem de avião. De onde? Não sei. Virão de onde terão de vir e vão para ali, porque aquilo é capaz de oferecer por um preço muito mais barato do que qualquer país europeu mais desenvolvido.

 

Alguns de vocês dizem: "Vamos encharcarmo-nos de velhos e doentes?”, pois eu também gostava de novos e com saúde, mas cada um apanha o que pode, não é isso?

 

[RISOS]

 

Portanto, se não posso trazer para aqui gente nova e com saúde, então, vêm as pessoas mais velhas e doentes e eu presto um serviço que é tão qualificado quanto qualquer outro.

Acho mesmo que Portugal tem enormes vantagens como um prestador de serviços de pós-venda, nomeadamente de novo no mercado europeu.

 

Não sei se vou fazer os automóveis, os frigoríficos, ou se vou fazer outros eletrodomésticos, mas agora o que eu sei é que na hora de reparar essas coisas e das instalações podemos estar lá nós.


Muitas dessas coisas quando se estragam deitam-se fora, mas quando uma empresa compra as máquinas italianas, ou espanholas, ou alemãs, têm uma avaria e precisam da reparação, acho que um português consegue prestar esse serviço em condições de qualidade pelo menos equivalente e muito mais barato.

 

Não há nenhum aeroporto europeu que esteja a mais de três ou quatro horas de distância, mesmo que seja preciso ir a Estocolmo ou a Oslo. Evidentemente que não vai chamar um chinês, ou um brasileiro que tem de se meter num vôo transatlântico, gasta no caminho várias horas ou não sei quantos dias. Por mais barato que seja, de avião e tempo incluído fica muito mais caro.

Por isso é que é muito importante essa capacidade e qualidade de mão-de-obra que nós temos não nas coisas mais sofisticadas mas nas coisas de qualidade mais intermédia, com um diferencial de preço que continua a ser a nosso favor.

 

Isto nos mercados europeus de onde estão excluídos os concorrentes mais agressivos em termos de preço, mas que estão em origens mais distintas e que têm uma maior dificuldade de acesso na Europa.

Uma vez, tive esta conversa no Brasil com um homem que vos é muito próximo, o Prof. Braga de Macedo. Não apenas muito próximo mas muito interessante. Tenho com ele uma relação que não é de amor/ódio mas às vezes ele fascina-me. Lembro-me de uma entrevista que ele deu uma vez fantástica, memorável, em que um jornalista o chateava por causa da inflação e dizia-lhe que estavam a sofrer na carne e ele acrescentou "e no peixe, na hortaliça”. Uma pessoa que diz isto tem de ser muito inteligente, não posso deixar de me rir.

 

Portanto, ele ouviu-me esta conversa e disse: "Ah, isso é economia à Bessa”.

 

[RISOS]

 

Dito no Brasil é um bocado depreciativo, porque quer dizer que é muito mas não é de grande qualidade. Não sei porque era economia à Bessa. Porque ele achava que eu continuava a valorizar fatores de distância e eles estão muito desvalorizados em certas áreas de atividade e não estão noutros.

Se eu quiser comprar um autorrádio, um telemóvel, a distância não conta, porque aquilo pode ser produzido no fim do mundo e chega cá barato porque o transporte é baratíssimo.

 

Mas se eu precisar de reparar uma máquina sofisticada em Estocolmo, ou em Oslo, ou em Berlim, ou noutro sítio qualquer, por amor de deus! Economia à Bessa, não é verdade, porque a distância continua a contar e o âmbito da competição é muito mais estreito.


Acho que o Prof. Braga de Macedo é inteligentíssimo, eu tenho por ele um fascínio total, mas mesmo que seja à Bessa acho que essa economia continua a valer e a contar.

 

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares

Muito obrigado, Professor. De facto foi uma aula extraordinária, estou certo que os nossos alunos o reconhecerão e demonstrarão agora com o brilhantismo, espero eu, das habituais perguntas que costumam brindar os nossos convidados.

 

Assim, a primeira pergunta é para ser feita pela Sofia Sousa do Grupo Encarnado.

 
Sofia Sousa
Bom dia. A minha questão vai fugir um bocadinho do tema. Se a economia sustentável tem por base uma sociedade estável e mais justa, a obtenção dessa economia sustentável passará ou não por um acordo de solidariedade intergeracional?
Obrigada.
 
Daniel Bessa

Disse-vos que fui professor toda a vida e uma vez nós na FEP depois do 25 de Abril acabaram com as orais e portanto fazíamos só provas escritas. Quando se tinha de fazer uma repetição, repetia-se a prova escrita.

 

Sou muito amigo de exigir competências diversificadas. Cheguei a fazer na escola de gestão do Porto exames de 12 horas, divididos em vários bocadinhos. Tinha, por exemplo, uma pergunta de desenvolvimento de duas horas, tinha meia dúzia de perguntas de resposta curta de duas horas, tinha 50 perguntas de escolha múltipla mais não sei quantas horas, tinha perguntas com contas que obrigavam a cálculo, tinha pergunta com consulta e sem.

Portanto, gosto muito de diversificar as situações e acho que é isso que torna mais rijas e robustas as pessoas.

 

Tínhamos acabado com as provas orais e um belo dia regressou-se a ela, o que foi um fator de grande perturbação. Ainda me lembro de uma aluna minha entrar no gabinete e perguntar como era uma prova oral. É muito simples: pergunto e tu respondes. Assim se iniciaram as provas orais.

 

Portanto, perguntou e eu respondo. Repare que eu não gosto do termo solidariedade, chateia-me. Só porque acho que se tornou um lugar comum extremamente desgastado.

Mas há coisas em que acredito. Tem de haver moralidade e para isso têm de comer todos. Por isso não posso estar mais do lado de quem exige partilha, porque há para distribuir.

 

Tenho de convencer os maiores empresários portugueses a assumirem um compromisso público de afetarem a remuneração variável dos seus trabalhadores, não dos seus quadros dirigentes, uma percentagem dos lucros.

Isto é uma das coisas que estou convencido que assino por baixo, como o Carvalho da Silva. Acho que deve haver compromissos mais sérios de partilha de distribuição do que houver para distribuir.

 

Portanto, não posso estar mais de acordo com a necessidade de repartir e isso tem que se fazer na base de compromissos sérios. Acho que isso é uma condição de sustentabilidade e sem isso nada feito.

 

Há quem diga que a economia é uma ciência moral e que começou na Inglaterra nas igrejas. Por isso, antes de economista e político sou muito sensível a valores morais. Ter uma economia e uma empresa onde uns comem tudo e os outros não lhes toca a parte do mínimo que lhes é devido, não acredito nisso.

 

Acho que isso, mais do que uma condição de sustentabilidade, que é e se não for assim acaba por dar asneira e por correr mal, do meu ponto de vista acho que é uma ciência ética.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. José Andrade do Grupo Roxo.
 
José Ramos Andrade

Muito bom dia. Em meu nome e do Grupo Roxo gostaria de agradecer a excelente palestra que o Dr. Daniel Bessa acabou de dar.

 

A nossa pergunta é: a economia portuguesa tem uma forte componente fundada nas pequenas e médias empresas. Todavia continua a haver uma forte discrepância entre o consumo interno, a exportação e a importação.

 

Assim, haverá política para a indústria portuguesa num quadro internacional? Obrigado.

 
Daniel Bessa
Quer elaborar mais sobre essa discrepância entre o consumo interno, a exportação e a importação, ou prefere ficar como está? Esteja à vontade.
 
José Ramos Andrade

Fica como está.

 

[RISOS]

 
Daniel Bessa

Fica mais seguro. Não, é que eu não tenho a certeza, porque isso pode ter interpretações várias e queria ter a certeza de me aproximava mais daquela que vos levou à pergunta.

 

Sabia que tinha dar esta aula desde há umas poucas semanas, não é dias. Como sempre planeei a minha vida: Castelo de Vide, 10h, Carlos Coelho, deve ser o que pus na agenda e depois aquilo ficou lá.

Ontem, quando cheguei aqui, tinha de escrever para o Expresso. Fiquei muito contente por ter um quarto grande, fui escrever para o Expresso e depois pensar naquilo que vinha cá dizer hoje.

 

Quando nós pensamos no que vamos dizer ocorrem-nos muitas ideias, outras prevalecem, outras ficam retardadas. Uma das coisas que me ocorreu dizer, uma vez que o tema era a sustentabilidade, era remontar às raízes da economia a que já aludi um bocadinho dizendo que vem lá da Inglaterra e tem a ver com a igreja porque o verdadeiro pai da economia, julgo eu, era também ligado às práticas religiosas. Escreveu inclusive um livro que é o primeiro grande livro da economia, o livro fundador.

 

Estão aqui economistas? Estão aqui alguns. Já ouviram falar da "Riqueza das Nações”? Adam Smith, um inglês do séc. XVIII, "Riqueza das Nações” que é considerada a obra fundadora.

"Riqueza das Nações” é um livro para estudante iniciado, porque o nome do livro não é esse, é feito para malta apressada que tem de pôr alguma coisa na cabeça e portanto recorda a "Riqueza das Nações” porque não pode recordar o resto.

Mas o livro tinha um título muito complicado, muito extenso e muito bonito. Já vos disse que gosto de palavras. Depois, ainda vou tentar dizer em inglês porque acho que em inglês ainda é melhor.An inquiry, eu traduzo já. Lido com isto há muitos anos.

An inquiryé o termo original, que eu acabei por traduzir como "uma indagação”. Não é um inquérito, que isso é o que se faz na Assembleia da República.Inquirynão vou traduzir por inquérito, talvez pudesse também, mas não. Um questionário, um questionamento; o termo que gosto mais é indagação.

 

Portanto, o homem escreveu uma indagação sobre a origem e a causa da riqueza das nações. Desculpem, é sobre a natureza e a causa da riqueza das nações -the nature and causes.

A riqueza das nações são os bens e serviços que a nação anualmente consome. Uma nação é rica pelos bens e serviços que anualmente consome, certamente por cabeça, senão tínhamos aqui questões de dimensão territorial e não é isso que faz a diferença.

 

Uma nação que é capaz de consumir anualmente bens e serviços criar mais bem-estar é mais rica. A Suíça, a Noruega, o Japão, a Alemanha, os Estados Unidos, são ricos por quê? Porque podem consumir mais bens e serviços e portanto ter um maior nível de vida. Esta é uma questão decisiva. Como sabem, com isto, o Homem afastou-se nomeadamente do mercantilismo, onde se dizia que uma nação rica era aquela que tinha muito ouro e muitos piratas.

Portanto, resolveu e pôs o problema nesse terreno quase doméstico dos bens e serviços que consumíamos.

Esta é a natureza da riqueza das nações. A causa é o trabalho. Por isso, há bocado vos dizia que, por mais que queira valorizar outros fatores, é o trabalho.

 

Agora vou responder à pergunta. O trabalho leva-nos tanto mais longe no conjunto de bens e serviços que consegue gerar e portanto nos tornar mais ricos, quanto mais dividido e especializado for. Porque é a divisão do trabalho e a especialização do mesmo que o permite tornar-se mais eficaz e portanto produzir mais bens e serviços.

Dir-me-ão: "Então como é que vai produzir mais bens e serviços se está especializado? Passa a vida a fazer uma só coisa qualquer.”

O exemplo que o Adam Smith deu - vejam bem - foi o da produção de alfinetes.

Como é que um país especializado na produção de alfinetes pode conseguir criar muitos bens e serviços que as pessoas depois consumam. Os outros têm eletrodomésticos, carros e tudo e mais alguma coisa e nós só temos alfinetes. Pois é, mas se eu fizer os alfinetes muito bem, consigo vendê-los e trocar por tudo o resto e vivo melhor.

 

Porque, reparem, vocês agora podem discutir banca,offshores, o que quiserem, mas a minha ciência nasceu aqui, naturalmente evoluiu e incorporou muitas outras coisas, mas esta é a origem da minha ciência. Por isso, uma das razões pelas quais tenho muito pouco jeito para a política é que sou muito flexível, mas há coisas em relação às quais eu me mantenho muito fiel.

Pode ser burrice, não interessa, cada um é como é e eu não consigo sair daqui. O que nos faz ricos é o que conseguimos consumir, isso vem do trabalho e este é tão ou mais eficaz quanto mais especializado for, porque se torna mais dividido, mais especializado e mais produtivo.

 

Isto coloca-me nos antípodas da ideia de que Portugal deve consumir o que produz. Peço imensa desculpa, porque me põe nos antípodas dessa ideia, mas é porque se eu recuasse nesse princípio, uma fábrica de sapatos como é que pagava aos trabalhadores? Com sapatos. Uma empresa que produzisse produtos agrícolas pagava com o quê? Pagava com alfaces.

Não é nisso que eu acredito. O que a empresa produz tem de ser vendido a terceiros e com isso é que vou buscar rendimentos que me permitem comprar as outras coisas.

 

Quando ponho isto à escala de um país dos terceiros ao exterior, um país como Portugal exporta hoje 40% do que produz, isto é muito pouco. Os países mais bem sucedidos do mundo têm a sua produção muito mais bem orientada para a exportação.

Ainda era esta a conversa que tínhamos tido ontem: temos de reduzir importações? Talvez, aqui e ali; não digo que não. Se eu encontrar resposta interna que seja melhor do que estou a importar por que não hei de reduzir importações? Mas isso é acessório, pois o essencial é produzir para exportar. Com isso ganhar o necessário para consumir produtos em grande partes importados.

 

Portanto, foi por isso que coloquei a questão sobre qual é o entendimento que estavam a dar a consumo, a exportações e importações, porque queria afastar-me o mais radicalmente possível da ideia de que o sucesso está em consumir aquilo que produzimos importando menos.

Há alguma coisa a fazer? Claro. Mas não estou a falar do secundário e do acessório, estou a falar do essencial que é produzir para exportar, que é com o que vamos importar aquilo que consumimos.

É nisso que eu acredito.

 

Quanto ao contrário, também pode ter lugar mas não é importante. Isto tem que ver com a política pública. Apoiarei uma empresa para exportar. Estou menos disponível para apoiar uma empresa para substituir importações, sobretudo se isso envolver alguma violação de princípios de concorrência. É nisto que eu acredito.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Tem a palavra agora o Pedro Cardoso do Grupo Rosa.
 
Pedro Cardoso

Em primeiro lugar, muito bom dia a todos os presentes.

Temos assistido ao longo dos anos a um "faz e desfaz” de medidas em cada transição governativa, muitas delas derivadas de caprichos políticos, que já custaram ao nosso país largos euros e nos colocaram num ciclo vicioso de crise sucessiva do qual ainda não conseguimos sair. Ainda há pouco tempo nos custou uma terceira chamada do FMI a Portugal em menos de 40 anos e um conjunto de enormes sacrifícios aos portugueses.

 

Portanto, a nossa pergunta vai neste sentido: qual considera ser o melhor caminho a seguir de forma a evitar que este tipo de acontecimentos de grande instabilidade continue a prejudicar gravemente o nosso país e de que forma poderíamos regular a execução de medidas consideradas estruturantes para a sustentabilidade económica do país, evitando que tais situações possam continuar a suceder-se?

Quando poderá a nossa economia ganhar com isso? Obrigado.

 
Daniel Bessa

Não sabia que eram admitidas perguntas destas.

 

[RISOS]

 

É o "fim da picada”. É mais do que o tema da palestra. Por exemplo, é até uma conversa com o Dr. Pedro Passos Coelho há uns três anos. Agora não vou dizer com quem daqui a um ano e tal. Tenho um palpite muito forte, mas não vou dizer.

Mas posso dizer que tenho apostas de cem contra um sobre quem será o vencedor das próximas eleições. Portanto, significa que tenho uma convicção muito forte.

 

Tenho duas apostas, não vou dizer com quem para não ficarem mal pois são pessoas mais conhecidas do que eu. Num caso apostei cem contra um e noutro dez contra mil.


Se me enganar, tenho de dar mil euros e noutro caso cem. Se ganhar, ganho dez e ganho um. Como sou um otimista inveterado já lhes disse que gastei por conta dos onze euros dos dois.

 

[RISOS]

 

Temos de esperar um ano e tal mas eu pedi à minha mulher onze euros por conta dessas duas apostas que eu vou ganhar. Acho eu.

Agora, não vou apostar com muita gente, porque apesar de tudo posso perder e tudo tem limites.

 

Mas isso é uma pergunta "do arco da velha”. No começo a pergunta parecia mais simples, porque remetia para uma questão que acho que é horrível nos nossos dias que é nós temos muitas coisas boas e más e esta é uma coisa horrível. É a impossibilidade de se chegar a acordos que ultrapassem, já não digo a legislatura porque nalguns casos é o período de governação.

Não tinha dito, não está no meu currículo, mas sabem que fui Ministro da Economia, durante cinco meses. Por isso é que falei numa coisa muito mal sucedida. Fui o primeiro Ministro da Economia do Eng.º Guterres, depois teve salvo erro mais cinco.

 

Estas seis pessoas nunca tinham falado sobre o que quer que fosse. Eu não era para ser Ministro da Economia. Se tinha admitido ser ministro de alguma coisa, não era da economia. Depois aceitei ser Ministro da Economia e vi-me confrontado com uma área sobre a qual eu não tinha falado com ninguém do PS, tinha falado sobre outra coisa que eu achava ser significante.

Digo isto com toda a responsabilidade e medindo bem, o PS não tem uma política de economia. Se tivesse uma política de economia, as seis pessoas que no período de seis anos foram ministros de economia naquele governo alguma vez se teriam encontrado para falar sobre o assunto.

 

Portanto, cada um tinha a sua política na sua cabeça e no seu coração e o que está aqui em causa não é o Partido Socialista. Não sei se o PSD tem uma política de economia, que não se fiquem a rir. Porque acho que estes problemas existem e desse ponto de vista o nosso sistema político tem uma fragilidade inacreditável. Se eu for ao sistema político inglês isto não existe.

Desde logo, no sistema político inglês eu não seria ministro nem coisas nenhuma porque os ministros saem do parlamento e o sair do parlamento significa que há um trabalho bem estruturado. Antes do parlamento ainda há o partido e o partido vive de reflexão e da produção de opinião e políticas.

 

Portanto, fui-me embora, veio o Dr. Augusto Mateus e eu nem falei com ele. Sucedi ao Eng.º Mira Amaral e esta noite escrevi ali em cima que tive com o Eng.º Mira Amaral uma transmissão de pasta que eu considero exemplar. Pelo menos, o Eng.º Mira Amaral gastou umas horas comigo, a dizer o que se passava, onde estavam os papéis e o que estava em curso. Foi assim que se fez a transmissão.

Da outra vez eu estava a sair e o novo ministro a chegar, durou umas horas, mas o senhor sucedeu-me e eu nunca cheguei a falar com ele sobre economia nem antes nem depois.

 

Depois, vieram mais pessoas: o Eng.º Luís Braga da Cruz, o Dr. Pina Moura, o Dr. Mário de Sousa, foram vários ministros de economia naqueles dois governos, um conjunto de pessoas, que nunca na vida se tinham encontrado na vida para falar sobre esse assunto, quanto mais para traçar um plano de ação.

Isto dá à nossa política uma fragilidade imensa e, pior do que isso, as pessoas são muito críticas sobre os governos de coligação. Porque um governo de coligação é um problema como é evidente: tem muitas potencialidades, virtualidades, resolve muitos problemas e cria outros.

 

Um governo de coligação traz problemas porque são culturas diferentes, grupos e opiniões diferentes, e num governo de coligação há um risco de ocorrer aquilo que se costuma chamar em política de balcanização. Distribuo as pastas, os pelouros, cada um vai para casa, trata da sua vida e nunca mais a coisa ganha a unidade necessária.

Nunca conheci nada mais balcanizado do que o meu ministério no tempo em que fui ministro, porque eu tinha quatro Secretários de Estado. A partir do dia em que se distribuíram as competências nunca mais foi possível vê-los juntos, porque cada um foi tratar da sua vida.

 

Sei a experiência que tive e estou a retratá-la com a crueza que gosto de dar às coisas, porque eu não gosto de me iludir nem de contar fábulas, gosto de ir à raiz dos problemas. Ter uma equipa que a partir do dia em que se constituiu deixou de se funcionar como equipa, é um problema, eu senti-o como um problema e uma fragilidade. Por mais que se diga que o problema é meu e a culpa é minha e há-de ser e terá sido, acho que a resposta não pode acabar aí, porque essa questão excede em muito, digamos assim, o artista e a fragilidade do mesmo, sem prejuízo de haver quem o resolva e faça melhor ou pior.

 

Mas acho que é vital que os nossos partido tenham reflexão, doutrina, programa e que as pessoas executem-nas e que se ganhe o mínimo de qualidade. Com gabinetes de estudo, grupos de trabalho, trabalhos no parlamento, no partido e nas fundações; isso tudo é decisivo, porque senão dá o resultado que deu.

Quanto ao resto, Deputado Carlos Coelho, peço desculpa mas não vou conseguir responder.

 

[RISOS]

Não, é porque é estar a enganar-me. Vou dizer umas coisinhas. Claro que chamar o FMI três vezes é o que é. Antes de chegar à política fui só professor e aquilo que mais gostei de ensinar e foi por muito tempo foi política monetária. Com uma dimensão internacional muito pesada.

Portanto, ensinar política monetária no final dos anos 70 e nos anos 80, sobretudo, à cabeça estava o Fundo Monetário Internacional, o sistema de Bretton Woods.

 

Conhecia o sistema de Bretton Woods e o Fundo, não como profissional disso, mas pouca gente terá lido mais sobre Bretton Woods e a atuação do Fundo do que eu tive oportunidade de ler.

Na altura, dava-me muito bem com o PC que me convidou para escrever um artigo no Avante sobre o Fundo e eu escrevi. Por que não havia de escrever? Lá está, eu quero que me oiçam. Alguém foi suficientemente condescendente para me dar o espaço e lá fui eu escrever sobre o Fundo. O que disse eu sobre o Fundo? É uma sociedade por quotas de que são sócios os países todos, contribuem uma percentagem, preenche as funções e atua quando é chamado.

 

Contei a história do Fundo na perspetiva mais técnica que era possível, claro que não saiu no Avante. Mas está tudo certo. Enganaram-se no fornecedor.

 

[RISOS]


Não, não, qual é o problema? Eu fiz o que era capaz de fazer. Eu podia dizer que o imperialismo é um instrumento e isso se calhar já saía, mas não sei o que é que ia acrescentar. Eu incidi muito e o Fundo só vai onde é chamado. Isso, peço imenso desculpa, faz a diferença toda. Ele só vai onde é chamado, porque onde não é chamado tanto quanto sei não está. Dizem que esteve no Chile no tempo de Allende, o que precipitou o golpe de estado, mas não sei se é verdade ou não. Aqui, acho que não precipitou coisa nenhuma e das três vezes que veio foi chamado.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Grupo Amarelo, Rosina Pereira.
 
Rosina Pereira
Bom dia. Gostaria de saber quais é que considera serem as medidas ou mecanismos internos que o Estado deve implementar como forma de prevenção. intervenção e reação face a choques externos, quer seja na procura ou qualquer outro choque. Obrigada.
 
Daniel Bessa

Acho que a isso chama-se planeamento, que é uma coisa que é necessária. Às vezes é um termo desvalorizado, mas é uma coisa que é necessária nas empresas, na política e na vida pessoal.

 

Estas ocasiões permitem que façamos exposições mais do ponto de vista pessoal e portanto vou contar-vos isto: tenho no meu computador uma previsão da minha tesouraria familiar mensal com dois ou três anos de prazo. A cada mês, durante três anos para a frente, o que é que eu espero receber e aquilo que espero gastar e saber se tenho dinheiro ou não para isso.

Considero isto um instrumento decisivo. Vou lá todos os dias.

 

Por exemplo, uma coisa que acontece a muita gente e a mim é impossível acontecer é vir um imposto para pagar e eu não ter dinheiro; isso não pode ser. Se não tenho dinheiro, não descubro isso quando o imposto vem para pagar, eu já sei há muito.

Por exemplo, como no fim está o saldo de tesouraria daqui a três anos, quando eu pago o imposto não custa nada pois já estava lá. Posso pagar pipas de massa de imposto e quando ganhava bem pagava, agora pago menos, e o saldo de tesouraria daqui a três anos é o mesmo, não muda em nada porque já lá estava.

 

Portanto, os choques externos são uma coisa, como nós vimos, de enormes consequências, que tem provavelmente umas mais imediatas outras mais tardias e para as quais há diferentes exigências de resposta.

A minha implicação mais óbvia e mais imediata é que eu tenho de ter uma resposta de adaptação ao rendimento. Tenho de ser capaz de adaptar em alta ou em baixa, em crescimento mais rápido ou mais lento, o consumo e o nível de vida ao rendimento.

Porque se eu não for capaz de fazer isso a questão agrava-se exponencialmente.

 

Lembrem-se - desculpem a presunção ou atrevimento - do que eu vos disse: Portugal passou por um choque externo que deteriorou completamente as nossas condições a partir de 2000 e o que agravou tudo foi o facto de não nos termos adaptado. O facto de à medida que a economia privada gerava menos, menos emprego e menos salários, o Estado foi empregando mais, pagando mais salários, mais pensões e de cada vez que a economia privada se via minada pelo choque o Estado respondeu gastando mais.

Isto, com todo o respeito, é um erro, porque significa uma incapacidade de responder ao choque naquilo que é a sua implicação mais imediata.

 

Não quero pôr ninguém a morrer à porta de um hospital e não quero tirar o rendimento mínimo a ninguém. Aliás, vocês sabem, andou aí pelos jornais que as reformas em Portugal reduziram pesadamente, mas 85% dos reformados não perderam nada. O que também diz bem do preço que estão a pagar os que perderam alguma coisa. Mas eu pago o meu preço. Agora, o que não posso imaginar é que não há um preço a pagar.

 

As empresas ensinam-nos sobre isto: quando o dinheiro começa a escassear a primeira resposta é sobre a tesouraria, preciso de crédito para manter o nível de consumo, de vida e de despesa. Mas o melhor é adaptar-me depressa, porque senão levo o crédito longe demais e estou a agravar o problema.

Portanto, a primeira resposta é buscar mais algum, se tiver reservas ainda melhor, adaptar o consumo e depois com mais tempo tenho de encontrar uma resposta de produção.

 

O que tentei hoje gizar-vos são as linhas por onde, do meu ponto de vista, passaria a resposta de produção. Tem muito que ver com o setor privado, mas também com a política. Por exemplo, aquilo que mais defendi aqui como área que acho que tem maior potencial em Portugal, é a área que interseta a saúde e a terceira idade para efeitos de prestação de cuidados de saúde e de terceira idade. Enfim, é o que basicamente se poderia chamar a medicina hospitalar. O Estado excluía expressamente de benefícios fiscais o setor da saúde.

 

Excluía expressamente de benefícios fiscais toda a saúde. Crio uma empresa para qualquer coisa e vou pedir um incentivo fiscal; saúde, proibido, isto não faz sentido nenhum.

Se o setor da saúde privado tem potencial para exportar, a política tem de mudar senão não faz sentido nenhum. Mesmo que eu achasse um ano ou dois antes, que isso não devia ser apoiado, se hoje a solução passa em alguma medida por aí, então devo apoiar.

 

Portanto, a curto prazo tenho que ter disponibilidade para acertar os padrões de consumo e de nível de vida. Estou perfeitamente de acordo que se protejam os mais frágeis e que portanto o esforço maior incida sobre os níveis de rendimento mais elevados. Estou perfeitamente de acordo. E a longo prazo acho - e é a única resposta que interessa, promete e tem alguma coisa para dar - que tenho de adaptar as estratégias de produção.

 
Hugo Soares
José Pedro Reis do Grupo Cinzento.
 
José Pedro Reis

Bom dia. Quero desde já agradecer à organização da Universidade de Verão, em nome do meu Grupo esta oportunidade de inquirir uma das grandes figuras da economia em Portugal.

 

Dr. Daniel Bessa, no decorrer do seu discurso houve uma frase que nos despertou a atenção entre tantas outras: "o mar é um recurso se o souber utilizar”. Portugal tinha a maior zona exclusiva económica da Europa e segundo o senhor disse apenas produziu peixe. Portanto, parece-me que tem havido um subaproveitamento dos recursos endógenos do nosso país. A seu entender, de que forma é que podemos inverter esta realidade?

Obrigado.

 
Daniel Bessa

Nós na COTEC produzimos um relatório sobre a economia do mar. Chamámos um senhor que penso que vocês conhecem também, Tiago Pinto da Cunha, que tem mundo, nomeadamente na frente europeia e entregámos-lhe esse relatório.

 

Há duas associações em Portugal ligadas ao mar, uma com sede em Coimbra e outra em Lisboa. Na que está aqui em Lisboa são associadas todas as grandes empresas portuguesas dessa associação que se põe a valorizar o mar como recurso; imagino que a GALP, a EDP, todas as grandes empresas estão nessa associação. Todas essas entidades podem atribuir ao mar a maior importância.

 

Estão como eu e como vocês. O mar como recurso está completamente desaproveitado, ao ponto de eu dizer que não existe e é como um inerte.

A COTEC ocupou-se disso e elaborou um conjunto de propostas relacionadas com o mar. A ideia do Dr. Tiago Pinto da Cunha era criar um fundo de investimento, dinheiro para investir em mar.

Tenho uma resposta: tenho as maiores dúvidas sobre a abordagem através de uma coisa dessas. Fundos de investimento, vocês são muito novos mas já leram muito sobre isto. Os fundos são uma coisa muito boa que também estão associados a muitos sinistros.

 

Vi-me confrontado com um fundo para o têxtil no Vale do Ave. Se o fundo para o mar é uma coisa perigosíssima, um fundo para o têxtil no Vale do Ave é de morrer, é de fugir. O que eu disse às almas que queriam o fundo para o têxtil é que um fundo vive num mundo de diversificação e se não pode ser assim, se não pode ser de diversificação nos setores, ou nas empresas que apoia, e então é um fundo que não tem especialização nenhuma, é uma coisa para acabar mal.

Um fundo para o mar em Portugal tem todas as condições para acabar mal, porque é demasiado focado no recurso no setor de atividade, na geografia e ainda por cima num clima económico em que não há ainda atores que operem no mar.

 

Acho que se em Portugal tiver que haver investimentos no mar que prometam alguma coisa não faltam fundos por esse mundo adiante que possam ser mobilizados para esses investimentos em Portugal. Já o fundo, não fui sensível a esse fator, porque acho que era a pior maneira de começar.

Fui sensível a uma coisa que acho muito importante, a começar na frente regulamentar.

O Dr. Tiago Pinto da Cunha sabe muito melhor do que eu o que está a dizer nessa frente. Por exemplo, em Portugal, não são claras as condições de acesso ao mar. Se quiserem desenvolver uma atividade relacionada com o mar têm muita dificuldade em negociar com o Estado, o que é que podem fazer ou não, o que é permitido e o que é excluído, quais as penalizações ligadas, entre outros.

 

Não sei se alguém fez um contrato destes. Receio se alguém fez. Sei que há umas plataformas para explorar a aquacultura. Nessas plataformas lembro-me de falar com um instituto da engenharia da Universidade do Porto, que queria experimentar uns robots para trabalhar no mar e pensei que essas plataformas podiam ajudar.

Portanto, estamos a falar de coisas muito incipientes, onde apesar de tudo acho que era fundamental esclarecer as condições de acesso e aí sim abordar soluções de investimento direto estrangeiro.

 

Estamos a falar quase do regresso a uma economia de recursos naturais, porque tenho muito pouco mais para oferecer do que isso, para alguém que eu reconheça e que seja capaz de os usar já que eu não sou capaz de usar. Não tenho experiência, não tenho empresa, não tenho tecnologia, tenho muito pouco, mas tenho disperso pelas universidades, pequenas unidades que podem ser mobilizadas.

Para que não seja inteiramente pessimista, porque sou muito dado as grandes números, já falei dos 170 milhões e à nossa escala é uma enormidade, porque temos as nossas empresas a fazer cinco milhões, dez milhões, dez vezes menos.

 

Sou um homem de grandes números e com muita facilidade desvalorizo coisas pequenas, o que não é justo. Mas para não cair e levar até ao fim esse erro, queria dizer-vos que aqui há dois ou três anos a COTEC, que é a minha associação empresarial e que eu sirvo, criou um concurso entre universidades para ver quais eram as que estavam a fazer melhor em matéria de criação de novas empresas.

Empresas que explorem conhecimento explorado pelas universidades, que estejam nos parques de ciência e tecnologia que as universidades criaram, criámos um concurso entre as universidades portuguesas do grupo para ver quem fazia melhor nessa frente.

 

Não vos vou dizer quem ganhou o concurso, apesar de o resultado ser público e não ser segredo nenhum, mas sim vou-vos dizer qual foi a maior surpresa desse concurso. A maior surpresa desse concurso foi a Universidade do Algarve, que apareceu com um conjunto muito razoável de novas empresas na área da biologia e da biologia marinha, quase todas ligadas à Ria e àquelas frentes de mar ali pelo Algarve.

Posso dizer-vos e não é muito agradável que eu vou comparar outra universidade com esta do Algarve que com uma atividade muito discreta, muito pouco conhecida, aproximou-se em resultados da Universidade de Aveiro que está há muito mais anos nesta frente com coisas muito interessantes.

 

É evidente que nem tudo é PT Inovação, a PT Inovação é um ícone. Não quero com isto desmerecer a Universidade de Aveiro, quero mostrar com isto o que uma pequena atividade quase subterrânea foi capaz de gerar números, que excluindo a PT Inovação, não são muito diferentes dos da Universidade de Aveiro.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. António José Diogo do Grupo Verde.
 
António José Diogo

Muito bom dia a todos. Em primeiro lugar, quero saudar o Prof. Daniel Bessa em nome do Grupo Verde e agradecer por ter falado aqui de forma brilhante sobre um tema que muito me apaixona que é a economia.

 

Vou dividir a minha pergunta em duas partes. A primeira parte é a seguinte: atualmente, o foco económico-financeiro do nosso país está no equilíbrio do défice. Eu acho que faltam medidas estruturais, isto é, de longo prazo, que potenciem o nosso crescimento e refresquem a nossa economia.

 

Portanto, gostaria de saber, para si, no raio da ação económica e fiscal qual será a estratégia para o futuro no sentido de encarar um crescimento sustentável e consolidado?

 

A segunda parte da minha pergunta: peço desculpa, mas é um bocado pessoal, gostaria de saber, se me pudesse dizer, qual é para si o segredo para ser um bom economista?

 
Daniel Bessa

A segunda parte da pergunta é mais fácil.

 

[RISOS]

 

A primeira tem duas partes, uma fácil e outra difícil. Não sei se há segredo para ser um bom economista. Tenho, perante a vida, uma atitude de que na vida o sucesso é ser bom, como o Carlos Lopes, a Rosa Mota e outros com sucesso, para não falar de empresas, governos ou países, tem sempre duas componentes: uma chama-se mérito, outra chama-se sorte.

 

Acho que não há sucesso sem mérito e sem sorte. Se uma das duas é dispensável, a única que eu me atreveria a dispensar é o mérito. Peço desculpa por dizer isto, mas sei bem o que estou a dizer. Receio que sem um mínimo de sorte, por mais mérito que se tenha, não seja possível ter sucesso.

Antes dizia-se em Portugal uma frase que hoje já não se pode dizer assim: sabem qual é o gestor mais bem sucedido em Portugal? O melhor gestor português? É o que gerir a CGD, se gerir bem. Sabem qual é o segundo melhor gestor português? É o que gerir a CGD, se gerir mal.

 

[RISOS]

 

Isto dizia-se em Portugal. Portanto, gerir mal a CGD era melhor do que qualquer outra coisa mesmo gerida bem.

Mas isto diz bem sobre a sorte. Portanto, peço desculpa pela frontalidade com que digo isto, estou a fazê-lo com toda a autenticidade: acho que não há sucesso sem mérito e sem sorte e se alguma destas duas coisas pode ser dispensada, no limite, será o mérito.

 

Muito bem, onde é que está o mérito? Posso trazer-vos dois ou três ingredientes do mérito. O primeiro ingrediente do mérito é, acho eu, não se enganar intencionalmente e não querer enganar ninguém. Não desmerecer os outros.

Na grande maioria dos casos daqui vocês são estudantes, os estudantes têm muito medo dos exames e avaliações formais. O que eu tenho medo não é do exame, não é da avaliação formal, mas sim da avaliação informal.

 

O que é que cada um de vocês me está a avaliar? "Aquele artista está ali como um papagaio, acha-se muito esperto”, vocês estão a medir-me de alto a baixo.

Nalguns exames estarei a passar melhor e noutros pior; nunca desmereço isso, porque nunca sei com quem estou a falar. Posso estar a falar com alguém que é muito melhor do que me quer parecer e é muito mais exigente e me está a avaliar de uma forma mais rigorosa do que eu estou a pensar.

 

A isto se chama, digamos, autenticidade, humildade, exigência e trabalho. Depois, também, confiar nos outros. Porque eu liderei algumas coisas. Eu dizia que na política fui um desastre e, por exemplo, o Rei da Suécia uma vez perguntou-me do que é que me orgulhava de ter sido Ministro da Economia. É uma boa pergunta e já devia ter sido feita a muita gente que já foi ministro: do que é que se orgulha?

 

Antes de dizer do que me orgulho digo do que é que me envergonho. Envergonho-me de ter fechado a barragem de Foz Côa porque as gravuras não sabem nadar. Fui eu. Envergonho-me, mas paciência. É o destino. Orgulho-me de ter encerrado a Serra Lopes Figueiredo, que é uma coisa de que vocês nunca ouviram falar e que é mais uma empresa que eu encerrei e nunca mais se falou do assunto.

 

Disse ao Rei da Suécia que a coisa que mais me orgulhava como Ministro da Economia foi ter encerrado a Serra Lopes Figueiredo. Expliquei-lhe com mais detalhes que estou a explicar-vos aqui. Acho que, em Portugal, a coragem de acabar com algumas coisas é um mérito porque há coisas que devem ser protegidas até muito e onde se puder, mas há coisas que atingem níveis de indignidade, a partir das quais não devem ser mais apoiadas.

 

Vou-vos contar um história sobre isto. Costumo dizer que nunca aprendi tanto e tão depressa quanto na política. Uma vez, apareceu-me uma empresa que tinha um problema, não podia pagar a ninguém, tinha falta de tesouraria e precisava de apoio. Disseram que tinham de vender um ativo não-afeto à exploração. O ativo era um terreno que uma vez vendido já teriam dinheiro para resolver o problema.

 

Dissemos que estava bem e depois quando perguntámos se tinham vendido o terreno responderam que não, porque o terreno já não era deles, tinha sido dado à Segurança Social como penhora porque não tinham pago à mesma.

Mas eles ainda estavam a dizer que se a Segurança Social lhes devolvesse o terreno eles já conseguiam salvar a empresa. Lá vou eu, Ministro da Economia, ligar à Segurança Social para dizer dessa questão e a Segurança Social aceitou e disseram que iam contribuir para salvar a empresa. Foi-se para vender o terreno, ninguém estava a comprar o terreno. Quem é que avaliou o terreno? Foi a CGD. Então a CGD que a comprasse, mas não, ela avaliou mas não comprava. Ficou assim o problema.

 

Sabem que hoje penso que aquele terreno já deve ter circulado entre a Segurança Social e a empresa umas vezes. Não pagam à Segurança Social vai como penhora para a Segurança Social, depois para salvar a empresa volta da Segurança Social para a empresa. A CGD daquela vez não comprou. Depois não sei se comprou ou não.

Eu acho que há limites e penso que isto seja fundamental para se ser um bom economista e também para ser um bom político.

 

Depois, havia a outra parte da pergunta. Queria dizer só o seguinte: olho para o problema das finanças como um problema cancerígeno. É uma doença que eu tenho e que me pode matar e preciso de resolver aquilo. Portanto, o primeiro ponto é de que não pode continuar como está e que tem de ser resolvido, senão eu morro. O segundo ponto e qualquer médico sabe, é que se pode morrer da cura. Não há médico nenhum que quando ataca um problema de cancro a um doente não saiba que finalmente pode acabar mal e pode morrer. Já aconteceu e há-de acontecer mais vezes, esperemos que não nos aconteça a nós.

 

Portanto, ponto um: não posso estar mais de acordo que é indispensável seguir uma política de resolução do problema das finanças públicas e só tenho pena que se tenha chegado lá tão tarde, por imposição do exterior e tudo mais.

Acho que isso é indispensável. Resolver o problema do nosso futuro não tem nada que ver com isso, é muito mais.


É uma condiçãosine qua non, absolutamente necessária, diria que indispensável e nem vale a pena falar de "suficiência” a propósito dessa conversa.

Portanto, não é a "suficiência”, é o que tem de ser feito para que a saúde regresse; porque a saúde não é tirar o cancro, a saúde é depois recuperar tudo.

 

Ontem estive com um senhor que passou por uma situação muito grave. Não vou dizer o nome dele, por respeito, mas passou uma situação gravíssima de cancro, que parece resolvida. Mas o que hoje vejo nele não é só o cancro vencido, é a saúde toda recuperada; é muito mais que isso. E isso tem que ver com política fiscal, financeira, e tem que ver com muitas coisas para além das finanças.

Voltámos ao tema do programa do governo que eu há bocado dizia que nos excedia nesta altura.

 

Aqui o nosso reitor também me disciplina. Com pouco sucesso. Está a esforçar-se.

 

[RISOS]

 
Hugo Soares
António Coutinho do Grupo Bege.
 
António Coutinho

Bom dia. Tendo em conta que o Prof. dedicou, como disse, muito tempo ao estudo da inflação em Portugal, gostaria que a minha pergunta fosse precisamente sobre o problema inverso na Europa.

 

Tivemos em Julho uma inflação de apenas 0,3% e a economia estagnada. Qual a sua opinião sobre o risco eminente de deflação na União Europeia e sobre qual seria a intenção de Mario Draghi quando, há poucos dias, disse que usaria todos os instrumentos disponíveis para assegurar estabilidade de preços na zona euro?

Estaria ele a abrir a mão do programa de compra de obrigações, ou qual seria uma alternativa já que provavelmente não irá ter o poder de seguir com este programa?

 
Daniel Bessa

Entre a inflação e a deflação, portanto, entre a subida de preços e descida de preços, não sei capaz de dizer o que é melhor. Porque uma inflação de nível muito elevado é uma coisa horrorosa e nos níveis que atingiu na Alemanha, por exemplo, foi absolutamente catastrófico e levou, portanto, a que a Alemanha tenha o horror à inflação que tem hoje.

Devo dizer que já vivi no Brasil com inflação de 100% ao mês. Uma inflação de 100% significava que ninguém levantava dinheiro para o dia a seguir, deixava-o no banco. Toda a manhã começava por ir ao banco levantar dinheiro porque se ficasse lá uma noite acumulava juros, isto não é vida para ninguém.

 

Os brasileiros discutiam, nessa altura, se estavam a chegar ou não à hiperinflação, como se os 100% ao mês ainda não fossem. Para eles nunca é, são uns otimistas.

Portanto, a inflação é uma coisa horrível, mas a deflação, por mais pequena que seja também é horrível. Porque a deflação leva a comportamentos que são muito depressivos. Se estou num ambiente de deflação a primeira coisa que eu faço é não gastar dinheiro porque ganhavam mais e se o dinheiro não for gasto e não circular a economia não funciona.

Por isso, acho que o perigo da deflação, na Europa, é um perigo real.

Não posso estar mais de acordo com o senhor Draghi na sua preocupação com a inflação.

 

O que acho é que o BCE já fez praticamente tudo o que podia ser feito. Os que estão aqui que passaram pela economia, em gerações posteriores à minha, não sei se costumam dizer da mesma forma, mas quando eu quero estimular uma economia posso usar a via monetária e a via orçamental.

Posso fazer notas e posso pôr os governos a gastar. Em relação às notas, à política monetária, há uma grande tese que eu ensinei centenas de vezes dentro das salas de aulas. A política monetária é pouco eficaz para fazer expandir a economia.

 

Usávamos uma frase que acho que era muito bonita e esclarecedora: "podemos levar o burro à fonte, mas não podemos obrigá-lo a beber”. Eu até dizia ao contrário: posso levar a fonte ao burro mas não posso obrigá-lo a beber.

Portanto, o senhor Draghi pode chegar com o dinheiro às empresas, mas não pode obrigá-los a investir. Como a taxa de juro está na Europa, não sei se é possível ir mais longe em matéria de intervenção pela via monetária.

Onde o senhor Draghi quis chegar é que é preciso compatibilizar uma intervenção por via monetária com uma intervenção por via orçamental. Foi isso que ele quis dizer e uma intervenção por via orçamental é algo que deve ser feito sobretudo pelos países que estão em melhor situação na frente externa, leia-se Alemanha.

 

Isso foi o que o senhor Draghi quis dizer e eu não posso estar mais de acordo. Acho que seguir uma política de combate à recessão sozinho, como nós tentámos seguir, quando à volta está tudo parado é um suicídio, só pode acabar mal. Seguir uma política de combate à recessão à escala da União Europeia, combinando a política monetária com a política orçamental, que foi isso que o senhor Draghi sugeriu, acho que é uma maneira de contrariar a inflação, a deflação, a recessão, a depressão. Revejo-me inteiramente nessa tese: mais política orçamental à escala da União, leia-se nomeadamente nos seus grandes Estados que estão em melhor situação.

 

Isso era muito bem-vindo. Não sei se era um choque externo. Tem uma pequena componente de choque. Não é um choque equivalente à rotura a Leste, ou ao acordo na OMC, mas tem uma pequena componente de choque e seria positivo. Isso, o senhor Draghi preconizou. Não é para ser feito por nós.

João Miguel Tavares escreveu um texto muito interessante sobre isso, na última página do Público há meia dúzia de dias, a falar dos 15 anos de uma região portuguesa. Enfim, desmerecia um bocadinho, dizendo algo como: alguém menos preparado viu aquilo e já acha que deve gastar, quando na verdade o que o senhor quis dizer é que acha que é preciso gastar a nível da União, sobretudo nos Estados maiores e em melhor estruturação. Não somos nós. Se eles gastarem mais, nós vamos vender, ótimo.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Rita Oliveira do Grupo Laranja.
 
Rita Oliveira

Muito bom dia. O Dr. Daniel Bessa, há bocado, fez referência à aquacultura. Um dos exemplos que eu utilizo na minha pergunta também faz referência à aquacultura.

Por que razão Portugal é tão burocrático para quem pretende iniciar uma atividade produtiva?

Tive conhecimento de um empreendedor que pretendia produzir enguias para aquacultura. Arranjou os terrenos e tudo o que precisava para iniciar a sua atividade, investiu lá todas as suas poupanças. Passaram oito, ou nove anos, e ainda não tem licenças emitidas pelos órgãos responsáveis.

Quem é que se sente atraído para investir com uma burocracia de anos? Porque é que o sistema administrativo bloqueia o investimento em Portugal?

Obrigada.

 
Daniel Bessa

Não posso deixar de estar mais de acordo consigo. Há bocado, a propósito do Dr. Tiago Pinto da Cunha e do mar, embora a aquacultura não seja só mar e possa ser água interior, eu estava a dizer que no fundo não acredito na mudança das condições de acesso e é disso que estamos a falar.

 

Portanto, eu acredito e foi a primeira frente em que nos envolvemos sem sucesso, digamos. Não posso estar mais de acordo consigo. Não sei se consigo explicar isso.

Na terça-feira tive uma discussão muito interessante com um membro do governo em Portugal sobre um processo que está aí que acarinhámos muito e que não anda. Devia andar e não anda. Estamos a falar de uma coisa de nada, um pequeno processo que não anda, porque as dificuldades surgem de todos os lados e de onde menos se esperam.

 

Dizia à pessoa com quem estava a falar que custa-me a acreditar que isso chegue a ser política, isso são pessoas. O Eng.º Guterres tinha uma expressão com a qual eu não posso estar mais de acordo, ele dizia que na administração há quem viva de criar problemas para vender facilidades. Ele dizia isto, ouvi-o dizer vezes sem conta e não posso estar mais de acordo: vive de criar problemas, para vender facilidades.

Isto não é política, é menos do que isso. Isso são pequenos interesses metidos dentro da administração e claro que também há os grandes que são piores.

Porque esse problema da aquacultura não pode ser um grande interesse que está aí.

 

Ouvi uma vez dizer, a propósito do Ministério do Comércio, logo após o 25 de Abril, que vendia licenças. Punha-se um problema: para importar é preciso uma licença, logo, montes de corrupção ligada à importação. Um dia, um senhor descobriu mais uma fonte de corrupção: precisava de uma licença, o ministro dizia que já emitiu a licença, a licença nunca mais chegava. Precisava da licença e nunca mais chegava, meteu os pés ao caminho, dirigiu-se ao porteiro e este também queria algum dinheiro. O porteiro que ficou de levar a licença ao correio não levou, porque realmente se toda a gente tem a sua parte por que não havia ele de ter o seu pequeno quinhão?

 

Por exemplo, acho que há coisas que são bombas atómicas metidas nisso. Acho que o princípio do deferimento tácito a partir de determinados prazos é um perigo, mas pode ser uma bomba atómica que eu tenho de meter no meio desses. Se eu disser que o que não está resolvido, ou não tem despacho, dentro de determinado tempo está automaticamente decidido a favor da pretensão do requerente, estou consciente do risco do que estou a dizer, mas estou também levado a uma situação quase de desespero em que para grandes males às vezes é preciso grandes remédios.

 

Isso que me está a dizer é inaceitável. Assim não dá. Se nós condescendermos com isso e não formos capazes de romper com isso, de que forma for, correndo provavelmente alguns riscos, pois não há nada que não tenha riscos, isso não dá.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Francisco Potier Dias do Grupo Azul.
 
Francisco Potier Dias

Antes de mais, quero saudar toda a plateia e o nosso caríssimo convidado. Se me permite fugir um bocadinho sobre um tema, gostaria de o questionar sobre umas declarações que o sr. Dr. teve no Jornal de Negócios: "O Eng.º Sócrates é muito responsabilizado e não há quem o responsabilize mais do que eu, mas eu vejo-o como a cada egípcio que tomou os comandos do Boeing e se precipitou para as Torres Gémeas”.

 

Pergunto-lhe: para si, o governo do Eng.º Sócrates foi o principal arguido da crise, ou foi a gota de água do ciclo vicioso de que vinham as contas públicas já há muitos anos?

 

Outra questão mais virada para o tema da conferência e mais pessoal: em termos autárquicos podia referir algumas medidas concretas que possibilitem uma economia sustentável? Obrigado.

 
Daniel Bessa

Agradeço-lhe a questão relacionada com essa intervenção sobre o Eng.º José Sócrates e essa figura que eu usei. Uma das atividades mais complexas da vida e pela qual aprendi a ter mais respeito é o humor. O humor é uma coisa muito séria, digamos. Muito mais séria do que algumas vezes somos levados a pensar.

Quero dizer-vos que alguns dos erros maiores que cometi na minha vida estão ligados a momentos em que tentei ser engraçado. Portanto, tentei ser engraçado, gosto muito de me pôr à prova, acho que fui ministro para pôr-me à prova: "será que sou capaz?”, foi assim que uma vez o descrevi e é uma boa pergunta.

 

Acho que devemo-nos pôr à prova. A ambição passa também por aí, por sabermo-nos avaliar, mas eu gosto de me pôr à prova e fi-lo em muitos momentos da minha vida. Alguns momentos da minha vida fui pôr-me à prova como humorista e já me saiu mal várias vezes. Essa foi uma delas, com consequências muito negativas, porque se meteu aí uma questão que eu não controlei, deveria ter advertido para ela e não o fiz.

Portanto, abri um flanco, não fui suficientemente previdente e meti-me numa situação extremamente desagradável. É que o egípcio que conduzia o avião fazia-o no âmbito de uma atividade terrorista, não é isso? Meio mundo acha isso horrível e condena-o por isso, eu sou uma das pessoas que o condena por isso mesmo que a outra parte o entroniza e o valoriza por isso. Mas eu faço parte do mundo que não aceita o terrorismo e esse portanto Mohamed Atta era um terrorista e conduziu o avião numa atividade terrorista.

 

Mas antes disso e devia ter prevenido isso, não preveni e por isso é que saiu asneira, para mim o Mohamed Atta era um senhor que conduziu um avião numa belíssima manhã de sol, porque eu vi o avião bater nas Torres Gémeas ainda antes de saber que era um ato terrorista. Eu vi o avião bater nas Torres Gémeas e é essa a impressão que eu guardo, a primeira impressão.

A primeira impressão, que se diz que é a maior, a melhor e a que mais permanece.

 

Antes de ver as torres a cair e ver aquilo tudo, o que vi foi numa belíssima manhã de sol, em Nova Iorque, um avião voar da forma mais sossegada e mais tranquila do mundo a caminho do muro. Como as pessoas que estavam lá dentro, completamente incapazes de condicionar o seu destino a caminho de uma morte certa.

Isto é poderosíssimo. Não apenas do ponto de vista do humor, mas do simbolismo.

O problema financeiro com que Portugal se defrontou foi muitas vezes descrito como um muro. Não como uma torre, mas como um muro; uma torre é um muro e um avião a caminho de uma torre é um avião a caminho de um muro, mesmo que no limite quem o conduz não saiba que ele lá está. Ou que não queira acreditar que ele lá está, mas ele está lá e parece-se que não se passa nada, porque a manhã é belíssima, o avião vai tranquilíssimo e nós vamos lá dentro.

 

Dito isto, ninguém ou quase muito pouco gente recorda hoje o operacional desse processo. A responsabilidade maior é atribuída a quem gizou o plano. A responsabilidade maior são as gentes que estão antes e foi isso que me levou a dizer que por mais séria que seja a situação de um dia ter que se apresentar aos credores a dizer que precisa de ajuda porque não pode pagar, é o que se passou antes de quem, durante muito tempo, criou condições para que isso viesse a acontecer. Estou a falar de uma entidade que do meu ponto de vista tinha uma obrigação de supervisão que não foi adequadamente cumprida. Isso foi dito na frente do governador do Banco de Portugal, numa discussão sobre o Banco de Portugal e as suas funções.

 

Portanto, isso foi dito em aplicação de uma tese que eu defendo, que do Banco de Portugal deveria ter saído muito mais cedo uma palavra de moderação em matéria de endividamento, que não saiu. Assim, achei eu que isso é uma responsabilidade maior do que a pessoa que está ao leme e se vê confrontada com a fase final do processo. Há mais coisas que se passaram entretanto, que escrevi. Portanto, quando fui muito reverberado por essa situação tive de dizer que nada disso está escrito por mim, tudo isto está escrito por mim e mais do que aquilo que estou aqui a dizer.

 

Evidentemente, cometi um erro que não devia ter cometido ao abrir o flanco para criar uma interpretação que estava longe daquela que eu gostaria e que não é justa. Mas não é o essencial da questão, sendo que é o essencial do meu erro e da minha responsabilidade.

 

Quanto à outra questão, sou conhecido por ser presidente de uma assembleia municipal uns cem dias, com um sucesso reduzidíssimo, mas antes disso fui presidente de uma assembleia municipal durante sete ou oito anos.

É uma assembleia municipal muito interessante, porque é em Vila Nova de Cerveira. Quando cheguei a Vila Nova de Cerveira, Cerveira tinha pedido ajuda ao governo, portanto, o governo tinha cortado as transferências e havia uma guerra enorme por causa dessa redução. Havia panos pretos e mais não sei o quê, mas depois nunca mais ouvi falar do assunto e a câmara não deixou de fazer o que tinha de fazer.

 

Portanto, as coisas parecem muito violentas naquele momento e depois as pessoas têm de adaptar. É como eu disse: fui presidente da assembleia municipal já com a transferência reduzida e nunca me dei conta de problema nenhum, tudo correu normalmente lá em Vila Nova de Cerveira.

 

Acho que o erro maior que as câmaras cometeram, é um erro de muitos de nós. O João Pereira Coutinho deu uma entrevista à Anabela Ribeiro no outro dia e eu não posso estar mais de acordo com ele quando diz que os portugueses não têm o direito de se queixar dos políticos e que devem queixar-se de si mesmos porque são eles que elegem os políticos.

Isto é um princípio de responsabilidade. Acho que isto é verdade, portanto quando digo que as autarquias fizeram mal, pior que as autarquias fizeram os eleitores que deram suporte a isso.

 

Mas acho que, por exemplo, as autarquias investiram muito no simbólico, privilegiaram muito o betão e isso provavelmente está associado a interesses de construção ligados a essas atividades. Acho que a falta de dinheiro terá levado as autarquias portuguesas a uma atividade mais autêntica, levando-as a focarem-se naquilo que é mais importante. Estou perfeitamente de acordo e deste ponto de vista, acho que são importantes.

 

O Salazar tinha isso, aquilo que ele chamava de "lei travão”. Não sei se sabem mas nos velhos tempos, no tempo da Assembleia Nacional, um Deputado não podia propor um aumento de despesa se não fosse capaz de propor um corte de despesa equivalente. É uma "lei travão”. Acho que isto faz sentido. O homem criou a Segurança Social, na crise dos anos 1929-1933 e quando o rendimento da Segurança Social caiu ele cortou as pensões. Porque ele não podia gastar mais do que aquilo que recebia.

 

Claro que numa coisa mais longa devo ter um sistema de gestão em que nos tempos bons guardo para os tempos maus, mas aquilo tinha sido acabado de ser criado. Deu asneira, começou a render menos, ele cortou as pensões.

Portanto, estou de acordo com limitações de ordem financeira que em determinados momentos acho que se tornam indispensáveis e nos proíbem erros como aqueles. Por exemplo, no Alto Minho há uma piscina, não sei se de 50 metros em cada concelho. A maioria delas está fechada. Isto é um erro.

 
Hugo Soares
Miguel Mendes do Grupo Castanho.
 
Miguel Mendes

Bom dia, Dr. Daniel Bessa. Espero não me estar a repetir das perguntas que os meus colegas fizeram, dado que vou ser o último.

A minha questão é a seguinte: ao longo das últimas décadas, a economia portuguesa tem-se especializado no setor terciário. São exemplos disso, os diversos centros de competências que se instalaram no nosso país. Por oposição, assistimos a um desinvestimento na indústria e na agricultura. Deve ser este o caminho a seguir pela nossa economia, inclusive vê no milagre das exportações o antídoto para atingirmos um crescimento económico estável no longo prazo?

 
Daniel Bessa

Portanto, também digo agora ou calo para sempre, também é a minha última oportunidade. Integro-me num grupo de trabalho que está criado no Ministério da Economia ligado à reindustrialização, portanto, vão já ver onde eu quero chegar.

É um grupo de trabalho que foi criado pelo Prof. Álvaro Santos Pereira, depois pelo Dr. Pires de Lima que manteve a política e o grupo. Portanto, lá continuo. Enfim, o Dr. Pires de Lima tem a atenção de me ouvir a mim e a outras pessoas sobre esse tema da indústria.

 

Há uns dias atrás, estive também num conselho para a indústria que está a ser criado pela CIP. A conversa - sem desmerecer - é sempre a mesma: "investimos demasiado nos serviços, sem valorizar a indústria e a agricultura” e portanto temos de regressar à indústria, temos de reindustrializar.

Agora a minha resposta: não deito fora um cêntimo de valor acrescentado. Está certo? Portanto, o valor acrescentado que possa ser criado, tenho obrigação de o tentar criar e preservar.

 

Assim, não deito fora um cêntimo de valor acrescentado que tenha sido criado nos serviços, como não posso deitar fora um cêntimo de valor acrescentado que possa ser criado na indústria onde tem mesmo de ser criado porque nos últimos tempos houve retrocesso e o mesmo vale para a agricultura.

Mas, em primeiro lugar, não queria desvalorizar em nada os serviços. Acho que Portugal não ganha nada em dizer que os serviços não ajudam, não importam; não, pois o que posso criar nos serviços acrescenta e é bem-vindo. Portanto, zero de desmerecimento de serviços.

Coisa diferente é saber se não devo fazer alguma coisa para apoiar a indústria e para criar mais indústria. Talvez até alguma coisa para criar mais serviços. Há bocado dizia-vos que entre os benefícios fiscais não os há para a saúde, por exemplo, que acho que é uma área com maior potencialidade e estou de acordo que se incentive e proteja esta área.

 

Porém, não é a indústria antiga da qual alguns industriais portugueses têm saudades, não é a indústria manufatureira. Vou já dar um exemplo. Indústria para mim em Portugal - e foi aquilo que tentei há bocado dizer - é aquilo que chamavam de atividades de engenharia. Isso para mim é indústria. Indústria de moldes é o exemplo que eu ia dar.

Antes, na indústria de moldes, vinha um senhor lá de fora que trazia algo na mão, chegava à Marinha Grande e dizia que precisava de um molde para aquilo. Quem estava na Marinha Grande via o objeto, fazia o molde e entregava-o. É manufatura pura e simples.

 

Queria que soubessem que hoje na Marinha Grande já ninguém faz isto. Essa atividade de produção do molde, em grande parte, está externalizada e é feita no Oriente. O que na Marinha Grande se faz é uma atividade sofisticadíssima de engenharia, porque o desenvolvimento do molde está ligado ao desenvolvimento da peça, às propriedades da mesma, em diversíssimos pontos de vista.

Não acredito numa indústria em Portugal que seja de manufatura pura e simples. Acredito numa indústria em Portugal que têm incorporadas componentes de tecnologia, nomeadamente da engenharia relativamente intensivas.

Essa atividade da indústria acho que deve ser promovida no nosso país e que temos obrigação de fazer.

 

Quanto à agricultura é a última coisa que vos vou contar. Está aqui gente de Lisboa, deve estar. Sabem que eu sou tripeiro, sou do Porto e dragão que ainda é pior. Portanto, os tripeiros e os dragões têm umas manias sobre a malta de Lisboa, mas não estamos em Lisboa, estamos em Castelo de Vide.

Na última vez que estive em Lisboa a discutir isto, alguém me queria levar a dizer que no surgimento da agricultura portuguesa que é muito importante, o Ministério da Agricultura teria sido decisivo. Sabem que eu não tenho o direito de me rir, até seria injusto certamente, mas nunca me tinha ocorrido que por detrás das frutas, do vinho, da aguardente, ali do Oeste, o Ministério da Agricultura tivesse alguma coisa que ver com aquilo. Sinceramente não me tinha ocorrido.

 

É possível que tenha alguma coisa a ver, alguma coisa terá tido, mas a última coisa que me ocorreu foi de que o Ministério da Agricultura tinha que ver alguma coisa com aquilo. Acho que o que tem que ver com aquilo são portugueses que tiveram que fazer pela sua vida e que descobriram ali uma oportunidade e um modo de vida, criando autênticos milagres.

O Oeste, a indústria das frutas por exemplo, começou a exportar mais do que o vinho do Porto e hoje exporta mais do que o vinho todo. O Oeste, as hortaliças, as frutas e o vinho exportam mais que o vinho português todo.

 

Nós que achamos que o vinho é tão importante depois não valorizamos o Oeste e outros Oestes que há por esse país. O Ministério da Agricultura aí talvez tenha desempenhado um papel e eu esteja a ser injusto, mas o que vejo aí é sobretudo a iniciativa privada e a resposta das pessoas.

Na indústria, por mais que o ministério ajude e deve ajudar, porque se calhar a parada seja mais complexa, não sei, mas continuo a achar que o papel é sobretudo das empresas.

 

Quanto às exportações peço desculpa mas não estou de acordo consigo. Já aqui emiti a minha opinião. Acho que da mesma forma que uma empresa faz sapatos não deve pagar em sapatos aos seus trabalhadores, também acho que um país não deve pagar em produtos aos seus trabalhadores.

Ou seja, não deve entregar o salário para ser gasto nos produtos que cria. Deve produzir produtos que vende ao mundo, pagando com isso um salário que numa pequena parte é gasta cá dentro e noutra parte, provavelmente bem maior, é gasta fora. Aí, não estamos de acordo.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. É altura de agradecer, em meu nome e no vosso, ao Doutor Daniel Bessa o facto de ter estado connosco. Vou acompanhar o nosso convidado à saída juntamente com o Hugo e regresso dentro de dois minutos para dois ou três esclarecimentos que vos gostaria de dar.

 

Sr. Prof., muito obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
Daniel Bessa

Obrigado. Os brasileiros costumam dizer "tudo de bom”, não é? Eu gostava de vos desejar sinceramente tudo de bom. Este tudo de bom que costumo dizer significa, sendo a ordem indiferente: sucesso profissional e felicidade pessoal.

Não esqueçam estas duas dimensões. Se há alguma coisa de que me arrependo na vida foi se calhar de não ter valorizado suficientemente a dimensão pessoal, que acho que não devem perder. Portanto, tudo de bom, que corra tudo pelo melhor e com muito sucesso na frente profissional e sobretudo que sejam felizes.

 

[APLAUSOS]