ACTAS  
 
9/6/2014
Simulação de Assembleia: Autorização da contratação de funionários para substituição de grevistas
 
Nuno Matias
Muito boa tarde. Vamos dar seguimento ao exercício com a quarta sessão da assembleia da Universidade de Verão. No Governo está o Grupo Castanho, o Grupo Cinzento é a Oposição 1 e o Grupo Roxo a Oposição 2. Temos na agenda a discussão de uma proposta do Governo para a autorização da contratação de funcionários para substituir grevistas. Vou dar a palavra por cinco minutos à senhora Ministra Sara Lopes Madureira. Tem a palavra por cinco minutos.
 
Sara Lopes Madureira

Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República

Senhores membros do Governo

Senhoras e Senhores Deputados

 

A greve, enquanto abstenção concentrada de trabalho, implica a paragem da atividade empresarial. Esta leva à perda de milhões na receita, seguida de impacto na economia nacional.

 

Devemos ter ainda em atenção à perspetiva do consumidor. O mesmo tem expetativas e padrões que não podemos esquecer.

 

Se me permitem, queria deixar uma reflexão. Diariamente lutamos para um melhor bem-estar dos portugueses. Lutamos para que ninguém, ninguém, passe sede, frio ou fome. Assim, não queremos que as empresas parem completamente.

 

Imaginemos o impacto que uma greve prolongada terá nos consumidores. Por exemplo, numa indústria de laticínios. A matéria-prima e o produto final têm, por norma, um curto prazo de validade. Ou seja, uma paragem da produção terá duas consequências. A primeira é ao nível da matéria prima. Neste caso, o leite. Ao não ser usado dentro do prazo, perde as suas características para consumo. O segundo caso é ao nível do produto final. Temos, por exemplo, o iogurte, que não chegará às prateleiras do supermercado nem a casa dos portugueses. Podendo levar a uma rutura do stock.

 

Por outro lado, não ignoramos os propósitos dos grevistas. Tornar este direito meramente moral ou esvaziado de conteúdo não é, de todo, o caminho a seguir.

 

Assim, propomos uma alteração ao código do trabalho. A mesma consiste da autorização de contratação de trabalhadores para substituir grevistas. No entanto, só será admitida a substituição de um terços dos trabalhadores grevistas, visto que este governo se encontra empenhado em proteger o direito à greve, direito constitucionalmente protegido.

 

Por último, gostaríamos de salientar o quão motivadora pode esta medida ser para os desempregados. Para além de ser uma oportunidade para mostrarem o seu valor, promove ainda um processo de pré-seleção para contratações futuras.

 

Este governo acredita que esta é a melhor decisão para o país.

Obrigada.

 

 

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias
Muito obrigado. A palavra agora para a senhora deputada do Grupo Cinzento, Ana Carolina Sousa, para uma interpelação ao Governo. Dispõe de três minutos.
 
Ana Carolina Sousa

Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República

Senhores membros do Governo

Senhoras e Senhores Deputados

 

Muito se alegraria o Partido Cinza em ver V. Exa. empenhada em resolver os problemas que conduzem à existência deste absurdo número de greves a que temos assistido ultimamente, ao invés de andar a tentar minar – diria mesmo, destruir – um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa, que tanto custou a conquistar.

 

Vozes

Muito bem

 

A Oradora

Não pude deixar de achar curiosa a salvaguarda deste direito que apregoa, em que sugere a contratação que substitua um terço dos grevistas. A mim, sinceramente, espanta-me descobrir que a senhora Ministra é vidente, para conseguir prever o número de funcionários que farão greve em determinado dia só mesmo com uma bola de cristal.

 

Vozes

Muito bem

 

[APLAUSOS]

 

A Oradora

Diz pretender, com esta proposta de lei, passo a citar, "regular os efeitos causados pela greve, através de uma ponderação de interesses mais justa para as partes envolvidas”. Pois bem, perdoe-me se é de mim, mas não consigo o menor vestígio de justiça neste diploma ofensivo para os trabalhadores que desejam manifestar livremente o seu descontentamento perante as precárias condições que as pseudopolíticas deste governo proporcionam.

 

É que, sabe, embora os portugueses sejam tendencialmente pacíficos e tolerantes perante as injustiças, se elas não forem resolvidas haverá um momento para gritar "basta”.

Basta, senhor Ministra.

 

Afinal, o que procura? Mais problemas com o Tribunal Constitucional? Mais humilhações?

 

Não pense que por haver portugueses que recorrem à greve isso faz deles preguiçosos. Antes pelo contrário. Perante a realidade atual do país, faz deles, isso sim, portugueses empenhados na construção de um mercado de trabalho em que a dignidade seja um imperativo.

 

Contudo, há algo de positivo nesta proposta, assistindo a um ataque contínuo ao direito dos portugueses, posso concluir que V. Exa. está altamente descontente com o país que está a governar. Com tanto descontentamento com o seu trabalho, tenho uma sugestão: não só para si mas para todo o governo que integra, senhora Ministra.

 

Faça greve!

 

Vozes

Muito bem

 

[RISOS E APLAUSOS]

 

A Oradora

Só assim poderemos contratar alguém para substituir este governo.

 

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias
Tem a palavra, por três minutos, o deputado José Miguel Anjos, do Grupo Roxo.
 
José Miguel Anjos

Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República

Senhoras e Senhores Deputados

Senhora Ministra,

 

Eu espero que a relutância no discurso com que a senhora apresentou a sua propsta não seja proporcional à expetativa que o governo tem nesta proposta de lei.

 

Devo felicitá-la pela sua arte dialética, pois em cinco minutos falou apenas em redundâncias. Cinco minutos de discurso inócuo, abstrato e vazio. Vazio como o estádio municipal de Leiria.

 

[RISOS E APLAUSOS]

 

O Governo prova mais uma vez nesta casa que gere o país como se de uma mercearia se tratasse. O Governo apenas continua interessado em atacar os operários.

 

Deixe-me que lhe diga: o direito à greve é um direito fundamental, consagrado constitucionalmente. Na vossa proposta os senhores traçam uma dicotomia entre o direito à greve e a economia. Submetem um direito fundamental à lógica do mercado.

 

Mas digam: quem cria o direito à greve? É a Assembleia Constituinte ou o Banco de Portugal?

Quem defende o direito à greve? É a Assembleia da República ou o FMI?

Quem criou a Constituição Portuguesa? Foram os portugueses através dos seus deputados ou foi Angela Merkel?

 

O Direito à Greve é absoluto, indisponível e indiscutível. É um direito dos trabalhadores. De todos os trabalhadores e apenas dos trabalhadores.

 

Olhando para a vossa proposta, é importante salientar, nos termos do Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, que o Direito à Greve envolve dois pressupostos. O primeiro é que se trata de uma ação concertada e unida de trabalhadores. O segundo é a paralisação do trabalho. Esta é parte integrante, genética, do direito à greve.

 

Qualquer normativa que ponha em causa essa paralisação é inconstitucional.

 

Olhando para o artigo 57º, n.º 1. Da CPR, diz-me que é garantido o direito à greve. A Constituição não se preocupa apenas em conferir este direito. Preocupa-se também em garantir a efetivação deste direito.

 

Quanto à redação atual do artigo 535º do Código do Trabalho. O número 1 diz que o empregador não pode, durante o direito à greve, substituir os grevistas por pessoas que, à data do aviso prévio, no respetivo estabelecimento ou serviço, nem pode – desde essa data – admitir trabalhadores para esse fim.

 

O número 3, aquele de que mais gosto, diz que "constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos números anteriores.

 

Este é um governo corporativista. Quer favorecer os lobbies económicos em detrimento de cada um individualmente considerado e de toda uma nação.

 

Termino dizendo que é inqualificável a forma como este governo trata todos aqueles que lutam por melhores condições de trabalho.

 

Meus caros, desenganem-se: a greve existe para defender interesses laborais. As férias, sim, existem para descanso.

 

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias
Para responder, passo a palavra ao senhor Primeiro-Ministro Frederico Barreiros Mota. Dispõe de 3 minutos.
 
Frederico Barreiros Mota

Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República

Senhoras e Senhores Deputados

 

Ao longo dos discursos dos senhores deputados Ana Carolina e José Miguel Anjos, havia uma palavra que não disseram mas que era recorrente: "camaradas”! "Camaradas” era o que os senhores diziam.

 

[APLAUSOS]

 

Mas quero responder a tudo o que os senhores disseram.

 

Em primeiro lugar, consideramos o emprego essencial à dignidade do ser humano. E para que este se possa realizar em pleno, é necessário que se garanta a viabilidade económica da empresa.

 

Repare, em tempos de crise não podemos permitir que haja mais desemprego fundamentado apenas na irresponsabilidade de sindicatos.

 

Note, contudo, que não pomos em causa o direito inalienável à greve. É um ponto que os senhores não perceberam: o direito à greve está na CRP e ficará assim. Apenas nos propomos acautelar um mínimo de razoabilidade para os empregadores.

 

Respondendo à bola de cristal: imagine uma empresa com 100 trabalhadores: nós propomos que até 33 possam ser substituídos. Compete ao gestor da empresa definir qual o número de substitutos mais adequado. Mas não se esqueça que antes da greve há concertação social, a reunião entre os sindicatos, os grevistas e a entidade patronal.

 

Note bem outra coisa: nós consideramos que este ponto entra nos serviços mínimos. O Código do Trabalho elenca, enumera mas não exclui atividades consideradas de serviços mínimos.

 

Ora bem, o governo considera que as empresas, que são essenciais ao nosso modelo de mercado, são também elas necessárias à satisfação das necessidades sociais impreteríveis. Sem elas nós não podemos dar trabalho nem executar as medidas de aumento das atividades económicas.

 

No caso dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, caso o senhor não saiba, é o legislador que formula a sua regulamentação.

Portanto, achamos que ao incidir sobre um terço e apenas um terço dos trabalhadores, não estamos a interferir no espaço deixado em branco pelo legislador. O direito à greve continua a existir, na sua forma e no seu espírito.

 

Oracio legisdesta proibição é que este direito tem eficácia, mas pode causar efetivo prejuízo à entidade patronal. Eu pergunto: 66% não são efetivos prejuízos, minha senhora e meu senhor.

 

Há um antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa fez a mesma coisa com a greve dos homem do lixo. Eu só peço uma coisa: que haja uma ponderação de interesses mais equilibrada.

 

Obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias

Muito Obrigado.

 

Terminámos o debate. Vamos agora à votação.

Quem considera que o Governo ganhou o debate levante o braço.

Quem considera que a Oposição 1 ganhou o debate levante o braço.

Quem considera que a Oposição 2 ganhou o debate levante o braço.

 

Manifestamente não há dúvidas, venceu a oposição 1.

 

[APLAUSOS]

 

Vamos à segunda votação. Quem entende que devem poder ser contratados trabalhadores para substituir grevista?

Quem é contra?

 

Parece-me evidente.

 

Passo agora a palavra ao nosso painel de comentadores.

 
Duarte Marques

Quero dar-vos os parabéns: este debate tem muito nível. Eu concordo que a Carolina e o Grupo Cinzento tenham ganho. Eu à Carolina já lhe disse o que pensava: ela é brutal a comunicar.

Tem presença, tem voz, tem simpatia, tem tudo. Ela devia fazer televisão. Ela e outra pessoa que anda por aí são bons produtos de comunicação. Têm tudo para comunicar bem.

 

A Carolina foi mortífera nas questões que colocou, na ironia que teve. Não engana.

 

O José teve óptima postura. Os argumentos foram mais fortes do que os da Carolina. O conteúdo foi melhor. As comparações do Banco de Portugal e da Constituintes foram geniais. As três que fizeste foram fantásticas.

 

Isso num debate na Assembleia da República era brutal, mas depois começaste a cair. Ou seja, não guardaste para o fim outrabombadessas. E o teu soundbite final não era nada de especial.

 

As pessoas não o perceberam. Mas estás de parabéns, os teus argumentos deram muito nível a este debate.

 

A Sara tem uma boa voz mas claudicou várias vezes. E usou pouco o tempo. A proposta faz sentido mas vozes não foram ao cerne da proposta porque já existem serviços mínimos. Aquilo que o governo vinha aqui propôs era que houvesse também serviços mínimos para bens perecíveis. Era só isto. Acho que não o explicaram bem.

 

O Frederico no final tentar passar um pouco esta ideia mas não foi argumento forte porque foi muito desmontado por eles.

 

Também no final, o Frederico entra à leão, aquela do "camarada” é à leão, mas depois – e eu sei que o Frederico tem capacidade de improvisar – ali pelo meio perdeu-se.

Ele tinha bons argumentos preparados mas perdeu-se no meio.

 

E era muito complicado dar a volta ao que eles disseram.

 

Foi uma boa resposta, clara, que tentou apelar ao interesse comum das empresas. A Sara foi muito inteligente no início ao dizer "não estamos a pôr em causa do direito à greve”. Mas vocês não conseguiram convencer as pessoas de que a não subsistência das empresas podia levar ao despedimento dos trabalhadores todos.

 

Eu teria dito assim: o que preferem? Que tenhamos direito à greve sem acautelar substituições ou que no dia em que voltarem da greve a empresa esteja fechada?

Este argumento era muito mais forte e vocês não o usaram.

 

Dou-vos a todos os parabéns, foi um óptimo debate, com muito nível, com muito bons argumentos.

 

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Concordo com o Duarte, acho que foi um debate fantástico.

 

Relativamente ao Governo, três observações ao "Fred”.

Aquilo que passou melhor foi a postura, uma postura de seriedade. Fê-lo com muita convicção.

Teve também uma boa capacidade de concretizar o debate. O debate político por vezes parece artificial e teórico. Quando o Fred fala na bola de cristal e na empresa com 100 trabalhadores e que só querem acautelar 33, ou quando recorda a relação entre António Costa e os homens do lixo, vem trazer dados concretos ao debate.

 

E teve umpunchfinal em representação do governo.

 

Indiscutivelmente as oposições ganharam, não oferece dúvidas.

O José Miguel teve argumentos fantásticos, o Grupo Roxo preparou isto muito bem, muito bem. É, até agora, a melhor argumentação do dia. Claramente.

 

[APLAUSOS]

 

Nós depois vamos passar isto a papel, vocês depois poderão ver o jogo de comparações é brutal, como disse o Duarte. Está muito bem feito e vocês estão de parabéns.

 

Gostei mais disso do que a parte mais populista sobre o Estádio de Leiria ou sobre a mercearia.

 

A Ana Carolina teve uma postura fantástica. Teve também bons argumentos, não tão fortes quanto os do José Miguel mas ganhou o debate por mérito próprio.

 

A expressão da face da Ana Carolina, a forma como ela representou o discurso, é notável. Ela fez não sei quantas expressões, nenhuma delas exagerada. Isso é fantástico.

 

Adorei opunchfinal "faça greve”.

 

Mas aquilo que você tem, que é um dom, é a capacidade de cortar com o estereótipo. Nós, homens, temos o estereótipo "os homens não choram”. Não podem ter emoções, "um homem é bruto”. E as mulheres têm o estereótipo de terem de ser elegantes e burras. Você transmitiu inteligência e agressividade. A forma elegante como você exerceu agressividade é um dom. Nem todas as mulheres na política o conseguem fazer.

 

Por exemplo, a Leonor Beleza é uma mulher muito elegante mas quando está em formato de combate é muito agressiva mas não abdica da sua feminilidade para o fazer. Como você. Está de parabéns.

 

[APLAUSOS]