ACTAS  
 
9/2/2014
Energia e Clima: o que não podemos adiar
 
Dep.Carlos Coelho

Muito bom dia a todos. Ainda não estamos na hora, mas estamos todos, por isso não faz muito sentido ficarmos aqui calados à espera das dez em ponto e podemos começar mais cedo.

 

Queria cumprimentar-vos pela brilhante demonstração de pontualidade, e mais do que pontualidade, logo na primeira aula da Universidade de Verão.

Temos connosco o Eng.º Carlos Pimenta, que foi dirigente da JSD em Lisboa e Presidente do Congresso Nacional, Secretário de Estado do Ambiente, Secretário de Estado das Pescas, Deputado à Assembleia da República, Deputado ao Parlamento Europeu, onde fez, aliás, um desempenho fantástico a coordenar diversas negociações internacionais sobre o Ambiente e sobre o Clima. Foi diretor do Gabinete de Estudos do PSD, foi Vice-Presidente do partido e é um homem que ficará sempre ligado à ideia de como é que a política do Ambiente em Portugal deve ser feita com coragem e determinação.

 

Atualmente, está na atividade privada, mas é Presidente da Plataforma para o Crescimento Sustentável que é uma iniciativa lançada pelo Eng.º Jorge Moreira da Silva, que eu tenho gosto também de integrar. Aliás, tenho o gosto de o ter sucedido na presidência do Instituto Sá Carneiro que é o patrocinador desta universidade.

 

O Eng.º Carlos Pimenta tem comohobbya música clássica, ojazze a leitura. O livro que nos sugere é fantástico, "As memórias de Adriano” de Marguerite Yourcenar; é talvez o único livro escrito que conheço que se lê sem nenhum enfado sendo praticamente um monólogo, porque é a carta do Imperador Adriano ao seu filho, seu sucessor. Tem como comida preferida a italiana; o filme que sugere é um clássico: "2001 – Odisseia no Espaço”. O animal preferido é o cão, opetmais votado pelos nossos convidados.

A qualidade que mais aprecia é a verdade na generosidade face ao outro.

 

Portanto, na primeira aula da Universidade de Verão 2014, para nos falar de Energia e de Clima, o Eng.º Carlos Pimenta

 
Carlos Pimenta

Bom dia a todos. É um gosto estar aqui. As palavras são muito amigas e generosas, pois a minha amizade com o Carlos é de 30 anos e justificam algum exagero. Mas é um grande gosto estar aqui convosco como nas outras edições passadas, nesta iniciativa ótima que o Carlos Coelho tem feito ao longo dos anos.

 

O tema desta aula, quando o comecei a preparar estava a pensar sobretudo em falar de Energia e porque é que a Energia, que é um dos setores mais importantes, está a passar uma revolução enorme.

Mas queria dar um enquadramento mais genérico. Osslidesvão estar meio em português, meio em inglês, o que também é um sinal dos tempos. Se quisesse pôr um tema genérico, diria aquela frase de uma canção dos meus tempos da juventude, "times are changing”.

 

O grande desafio que se coloca a pessoas como vocês que têm uma vocação de generosidade de intervenção na vida pública e portanto estão preocupados com o vosso futuro familiar, profissional, de realização humana, mas também são agentes de transformação, de solidariedade, que querem o melhor para o outro também e não apenas para vocês.

Nas vossas comunidades locais, autarquias, profissionalmente, nas escolas, no vosso país, na Humanidade, portanto, são pessoas que têm uma responsabilidade porque quiseram ter, é um voluntariado. Quiseram ter mais este sinal de generosidade. Isso é uma coisa muito positiva. É algo de fantástico e que distingue as pessoas, a capacidade de dar esse passo.

 

O desafio que têm pela frente é completamente diferente do desafio que eu, ou o Carlos, tivemos pela frente quando estávamos com a vossa idade. O Mundo sobre o qual vocês vão viver, trabalhar e atuar enquanto pessoas e agentes de mudança, está a passar por uma revolução como não há exemplo na História desde que o Homo Sapiens Sapiens existe na terra há mais de 100 mil anos.

 

Neste primeiroslide, este nome que aqui veem, "Game Changers”, vai ser o projeto de investigação da Plataforma do Crescimento Sustentável da PCS para este ano de 2014. Estamos a selecionar neste momento um investigador. Já temos vários candidatos e porquê? Diria que para lá dos problemas que temos, muito graves, que enchem os órgãos de Comunicação Social, como o que está a acontecer na Ucrânia, em África, no Médio Oriente, o fundamentalismo, o terrorismo, o que se passa com a Rússia, o Ébola, entre outros assuntos de grande atualidade e gravidade, há coisas que passam além destes conflitos do quotidiano e do presente, que são estruturantes.

Eles vão marcar os próximos 25 anos, esta geração toda, e tanto marcam aqui em Portugal, como na China, ou na América Latina.

 

Falaria de três fatores: a demografia, a revolução científica e tecnológica e a disrupção ambiental. Vamos falar nesta conversa, sobretudo do terceiro e das consequências na Energia, mas não gostaria de deixar de falar dos dois primeiros.

Sobre a demografia em Portugal, esteslideé doe-bookque podem ter acesso no sítio da PORDATA que o Prof. António Barreto criou e dirige com a Fundação Manuel dos Santos. A página é muito interessante. A primeira coisa que eu queria dizer é que diz lá que a população residente são de 10 milhões e 500 mil em Portugal, isto noe-bookeditado em 2014 pela PORDATA. Se forem agora à página da PORDATA, em www.pordata.pt, veem que a população já está em 10 milhões e 400 mil.

 

Estamos a perder todos os dias mais de cem pessoas; dois terços pela emigração no balanço entre as pessoas que entram e que saem e um terço por balanço de natalidade, ou seja, entre os que morrem e os que nascem.

Portanto, Portugal está todos os dias mais pequeno e mais velho. Vejam no gráfico de baixo, a população com menos de 15 anos que cai a pique, passa de 28%, quando foi da altura do 25 de Abril, para hoje menos de 15%, tratando-se portanto da população jovem. Ao mesmo tempo a população idosa tem o movimento inverso. É claro que estão mesmo a ver o que isto quer dizer e não é só a questão do financiamento das reformas, ou da Segurança Social, ou da Saúde.

As pessoas, à medida que se aproximam da minha idade, começam a ter mais maleitas e uma necessidade de cuidados de saúde maior, mas não é só isso. É a criatividade, entre outros aspectos, e é toda uma outra sociedade, não é?

 

Outro item é a revolução científica e tecnológica. Esta é uma capa de quando há dois anos aparecem as impressoras de três dimensões quando imprimiu um Stradivarius e este tocou mesmo e muito bem, sendo o som muito semelhante a um verdadeiro Stradivarius. A revolução é inimaginável, porque são novos materiais, substâncias que não existiam - as pessoas ouvem falar no grafeno e no siliceno -, sensores por todo o lado, impressoras em três dimensões, entre outros.

A impressora a três dimensões muda completamente o conceito do fabrico, porque se posso mandar ao Carlos ume-mailcom o meu par de sapatos e digo que no anexo juntei os sapatos, ele faz imprimir e saem os sapatos. Qual é a diferença? É que o valor da mão-de-obra na elaboração do sapato quase desapareceu, o valor está na criatividade dodesign, no material, etc., e depois ele faz o sapato em Castelo de Vide como faz em Estrasburgo.

 

Isso para Portugal que tem uma população pequena e que não queremos aspirar a ter um objetivo de especialização baseado no que é hoje os baixos salários, porque estes são baixíssimos mesmo ao nível das pessoas licenciadas, isto é uma oportunidade. Porque é pôr o valor na criatividade, na tecnologia, noknow-howe nodesign. A revolução é total. Eu recomendo este livro que está aqui noslide, "The Second Machine Age”, é um livro deste ano de 2014, escrito pelo diretor do centro de negócios digitais do MIT. É um livro extraordinário porque coloca as questões do impacto no mercado do trabalho por parte da revolução tecnológica.

 

Depois está umlinkem baixo, (vocês já têm acesso neste momento aosslidesem tempo real, já está na Intranet da Universidade de Verão).

Se carregarem nesteslidenão fiquem desesperados, porque o tema desteslideé "humans do not need to apply for a job offer”. Ou seja, praticamente em tudo, desde o lugar de médico ao de tradutor, ou condutor, é feito melhor, mais rápido e obviamente mais barato porrobotsou por programas. Vale a pena ver este filme, são cinco minutos. Obviamente que é um exagero, ou melhor, não é um exagero, é uma antecipação extremada de uma realidade.

 

Porque carros sem condutor já hoje são uma realidade e já andaram milhões de quilómetros. Aliás, nos carros da Google sem condutores os únicos dois acidentes foi quando dois humanos pegaram no carro: um para uma reparação e o outro para uma manobra. Como é legal andarem já carros sem condução para efeitos experimentais na Califórnia e outros Estados dos Estados Unidos da América, são já muitos milhões de quilómetros que foram andados por carros sem condutor, só para dar um exemplo.

 

Mas vale a pena verem e refletirem sobre isso a dois níveis: um, para vocês individualmente numa sociedade em que os conceitos de trabalho, de produção e tudo o resto são completamente diferentes; depois, como pessoas interessadas na sociedade e na coletividade, como é que se gere uma força de trabalho, uma política de emprego, naquilo que nós tomávamos como garantido, que era uma pessoa que tinha uma formação específica. Por exemplo, como um advogado a quem mostrem este filme. Ou então o caso do computador da IBM, o Watson, que é o sucessor daquele que ganhou o jogo de Xadrez contra o Kasparov, em que faz diagnósticos sobre tratamentos de cancro com mais precisão que os médicos em termos médios. Ele diz que tem de ser perfeito e melhor do que os humanos.

 

Estou a falar dosrobotsque são mais imagináveis, que estão lá no armazém da Amazon que já funciona praticamente sem pessoas a irem buscar os livros às prateleiras e a levá-los ao despacho. Mas em que alimentar o computador sobre a legislação da propriedade intelectual - um tema delicado -, depois pondo uma bateria de advogados especialistas em propriedade intelectual, o computador acerta mais do que os advogados.

 

Portanto, a revolução científica e tecnológica não coloca apenas os desafios do trabalho manual não-especializado que é substituído por unsrobotsque pintam os chassis dos automóveis e que são muito caras, muito grandes e ignorantes pois só sabem fazer aquela tarefa e se alguém entrar no caminho leva uma patada e é um problema. Não é só isso, também não é só osrobotspequenos que os japoneses têm para tomar conta das pessoas da 3ª idade, ou os aspiradores inteligentes que evitam os cantos das casas, não; são tambémrobotsvirtuais com programas que fazem trabalhos a que hoje nos habituámos, como traduzir textos. Antes precisavam de um curso específico e mesmo de nível universitário.

O tratamento dobig data, da previsão de comportamentos, etc., são campos completamente novos e é um mundo extraordinário de oportunidades de libertação de trabalho repetitivo e monótono, entre outras coisas, mas é uma outra realidade.

 

Esta foi uma capa do Economist de Janeiro deste ano, que era muito engraçada porque temos aqui um escritório e depois temos um tornado, diz assim: "coming to an office near you”.

Este é um texto muito interessante que nos mostra realmente que o impacto da revolução científica e tecnológica não é apenas ao nível da fábrica que é substituída por uma impressora de três dimensões, mas ao nível também do trabalho intelectual.

 

São temas de pesquisa: demografia e a revolução científica e tecnológica, que vão ser realidades do vosso mundo e da vossa atuação profissional. Agora vamos à terceira questão que é a que o Carlos me convidou para falar.

O planeta já passou por grandes extinções globais maciças da vida na Terra. Pelo menos, todos sabemos da dos dinossauros, há 65 milhões de anos, quando caiu um meteoro na zona do Yucatán e a Terra viveu um Inverno durante vários anos com toda a cobertura de nuvens e poeiras, que fez com que 95% das espécies de muitas áreas do planeta desaparecessem. Houve outras anteriores até maiores do que esta, mas nunca tinha havido uma causada pelo Homem.

 

Aquilo que nós estamos a assistir é uma transformação global do planeta causada pela atividade humana, sobretudo desde o meio do séc. XIX quando a Revolução Industrial leva ao aproveitamento do calor através da queima do carvão e este calor ao produzir vapor faz andar máquinas, como criou James Watt. Temos os comboios, os teares mecânicos, o que provocou uma grande mudança na maneira de viver e de produzir.

Também, pelo que todos veem dos filmes, cidades como Londres carregadas de poluição e hoje em dia Pequim, que é a Londres do séc. XIX, em que se passa uma semana inteira e não se consegue ver o sol. Ao ponto de haver écrans gigantes onde reproduzem o nascer do sol para as pessoas terem a noção e em vez de verem a última falta do futebol vê-se o sol a nascer.

 

Este homem, o Richard Muller, é um matemático, professor americano dos mais consagrados, e costumava ir ao Congresso dos EUA convidado pelos republicanos do Tea Party que negam a mudança climática, ou pelo menos que ela seja de origem humana, para dar testemunho sobre os erros dos modelos matemáticos que o IPCC, o Painel Intergovernamental da Mudança Climática, que é um conjunto de mais de 800 cientistas de mais de 70 países que coordenados pelas Nações Unidas vão estudando a evolução do Clima, utilizando todas as ferramentas que hoje o Homem tem: satélites, sensores no mar, no gelo, etc.

 

Mas como este homem é matemático, apontava erros porque o Clima é algo muito complicado. Houve um dia que este homem, como tinha dúvidas sobre o rigor matemático desses modelos, resolveu fazer o trabalho de raiz. Fez um trabalho com a sua equipa em Berkeley, na Universidade da Califórnia, que foi recolher todas as observações meteorológicas disponíveis em todas estações de medida. Desde o Aeroporto de Lisboa à Organização Mundial da Meteorologia, tudo, não excluiu nenhuma, calibradas ou não calibradas, o que deu um total de 1.600 milhões de medidas.

Depois construiu este gráfico. Portanto, este gráfico que estão a ver não são modelos, é apenas pôr no gráfico os resultados das medidas factuais que existem no planeta e depois deu isto.

 

Sobre a mudança da temperatura, diz que mudou 1,5 graus Celsius nos últimos 250 anos. Se fizerem este gráfico em comparação com as concentrações de CO2 e dos outros gases resultantes da queima dos combustíveis fósseis, veem que os dois gráficos são completamente paralelos. Em termos matemáticos diz-se que têm uma taxa de correlação acima de cerca de 98%, portanto são paralelos.

O problema não é só que a atmosfera está a aquecer. Vocês sabem como é que funciona a mudança climática? É muito simples de explicar: a radiação vem do sol, uma parte significativa atravessa a atmosfera, outra é refletida para o espaço, ao bater na terra e no mar, nas árvores e em nós próprios. Ao aquecermos emitimos radiação só que o sol está muito quente e a radiação corresponde à temperatura do sol e, portanto, tem um comprimento de onda que a faz atravessar a atmosfera e como nós reemitimos porque estamos a 36ºC, obviamente o comprimento de onda que sai da minha pele não é o mesmo da radiação que veio do sol.

 

Uma parte atravessa a atmosfera e vai para o espaço, outra fica retida nas nuvens e na atmosfera e é devolvida à terra. Se não houver este efeito de estufa, da radiação que eu, a terra, o mar, reemitimos e se for toda escapada para o espaço é como Marte. Marte já terá tido atmosfera e hoje não a tem portanto toda a radiação que vem do sol aquece o planeta vermelho e é reemitida para o espaço. Assim, não fica lá nada e não há condições para haver vida hoje em Marte.

Se ficar tudo retido, é uma sauna, é Vénus. Tem uma camada e é uma sauna; chega a energia do sol e a grande parte é retida lá dentro. Se não houvesse efeito de estufa não havia vida e a concentração do cobertor, da quantidade de gases entre os quais o vapor de água que faz esta espécie de estufa à volta da terra que retém uma parte da energia que nos vem do sol, ela vai variando ao longo dos milhões de anos da Terra.

 

Nos períodos em que o cobertor é muito fino e a concentração dos gases é muito fina, há muita radiação que escapa para o espaço. A Terra já esteve coberta de gelo até no Equador. Nos momentos em que o cobertor se torna mais espesso, a concentração de CO2 se torna maior, obviamente fica retido mais calor à volta da Terra. A Terra também já esteve sem gelo e nessa altura o mar tinha mais de 100 metros de altura do que tinha hoje, porque obviamente não havia gelo retido nas calotes e além disso o mar dilatava porque era mais quente, as moléculas estão mais separadas.

Portanto, o conjunto da dilatação da água e do derretimento do gelo faz com que grande parte estivesse coberta de água. Só para terem uma ideia, há 20 mil anos a Indonésia não eram ilhas, era uma placa continental e a Austrália tinha mais um terço de terreno do que tem hoje e a Papua Nova Guiné fazia parte. A Inglaterra estava pegada com a França. Isto há 20 mil anos, com o Homo Sapiens Sapiens.

 

Portanto, a mudança climática tem um efeito real sobre a geografia, o que está debaixo e acima da água, sobre a energia que há na atmosfera e sobre a força das tempestades, dos ventos, a variação, e sobre uma coisa muito importante que é a acidez do mar. Quando há mais CO2 e outros ácidos no ar, a ligação entre o ar e a água, as substâncias químicas, os componentes, passam da água para o ar e vice-versa.

À medida que tenho mais óxidos - CO2, NOX, etc. -, mais o resultado da queima na atmosfera, obviamente que eles são dissolvidos na água. Há uma capacidade de absorção de uma parte deles pela água. À medida que os óxidos são absorvidos pela água ela torna-se mais ácida e muda completamente a maneira como os seres vivos podem processar, por exemplo, o cálcio.

 

Hoje, estamos a verificar que as conchas dos vários bivalves, em várias zonas do planeta, começam a ser mais finas e chega a um momento em que já não têm espessura suficiente para garantir a sua reprodução e a sua vida. O mesmo nos ossos dos peixes. Portanto, a acidificação do mar, de que se fala menos, é um problema colateral do aquecimento global e do aumento da concentração do CO2.

 

Vejam, por exemplo, aqui que a célebre passagem do Ártico, que durante o séc. XIX foi um grande objetivo: a passagem do Noroeste, morreu tanta gente a tentar passar da Europa para a Ásia através do Ártico. Hoje em dia, já no Verão, passam cargueiros, metaneiros, portanto navios de carga porque já há passagem aberta, o que era inimaginável há 10 anos. Assim é o problema da mudança climática que está a ser cada vez mais exponencial, porque se vê pela comparação da concentração de gases de estufa de quando eu tinha a vossa idade.

Só vos vou dar os números para terem uma noção: se eu tiver um cubo com um milhão de pontos de ar, quando começou a revolução industrial na atmosfera, 190 desse milhão de pontos eram moléculas de CO2. Ou seja, tinha um cubo com um milhão de moléculas dos diferentes gases constituintes da atmosfera e desse milhão, 190 partes eram de CO2.

 

Quando começou a queima dos combustíveis fósseis, foi subindo: 290 é o clima temperado que nós conhecemos. Hoje tem 400. Passou de 290 para 400 em 150 anos, nos quais a maioria do crescimento foi nos últimos 50 anos.

Portanto, é a diferença entre o período mais frio, com 190 partes por milhão de CO2, e o período mais quente que estamos a viver agora com 400 partes por milhão. Claro que a Terra já esteve com 500 partes por milhão, não havia era humanos.

 

O problema que têm, enquanto cidadãos e agentes públicos, é que quando a Terra esteve muito mais quente do que está hoje, não havendo gelo nos polos e o mar tinha 160 metros de altura a mais, não havia sete mil milhões humanos na Terra, dos quais metade vivia com os pés dentro de água. Porque a maior parte das cidades: Hong Kong, Lisboa, Shangai, Miami, Nova Iorque, estão à beira de água. Estão numa quota inferior daquela que o mar já esteve e a este ritmo de aquecimento e de concentração é óbvio que aquilo que tem de acontecer acontecerá, que é a subida do nível das águas.

 

A segunda coisa que acontecerá mais depressa que isso, é que o aumento da energia que é retida na atmosfera, obviamente se traduz nos fenómenos do clima, da meteorologia. Portanto, se tenho mais energia, é óbvio que os furacões e tornados, como todos os fenómenos extremos, são mais violentos.

Por isso, a frequência e a intensidade fazem com que desde o princípio da história das oscilações do clima, o único grupo económico que sempre lutou a favor de obter acordos vinculativos que pusessem a Humanidade num caminho de descarbonizar, de reduzir a poluição e as emissões para a atmosfera, foi a confederação internacional das empresas de seguros e seguradoras. Porque eles já não sabem calcular o prémio. A série de acidentes do passado, como fazer um seguro contra inundações e fenómenos atmosféricos para uma casa e o prémio é calculado na base estatística de casas semelhantes na área onde está a casa que tiveram acidentes ou problemas.

 

Ora, estou num momento em que o clima está a mudar e se as tempestades que estão a ocorrer são cada vez mais fortes e os danos cada vez maiores, como tivemos há dois anos em Portugal ventos de 250 km por hora. O furacão Sandy em Nova Iorque, que num fim-de-semana causou 80 mil milhões de dólares de prejuízo, teve ventos muito menos fortes do que os ventos que tivemos em Portugal na mesma altura. Para não falar de fenómenos mais fortes, como o Katrina em Nova Orleães, que ainda se lembram.

Portanto, isto é um problema que não é para dizer apenas que é dos filhos dos nossos filhos, que terão de mudar de casa de praia porque a Quarteira vai ficar debaixo de água. É, vocês podem estar a 100 metros de altitude e vem o vento naval e vai a "casa dos porquinhos” embora, mesmo a de tijolo. Sem ofensa para os porquinhos.

 

[RISOS]

 

Logo, este problema é um problema maior e tem de estar presente que não podemos continuar a utilizar os recursos fósseis do planeta com o à-vontade como se a atmosfera e o oceano fossem um caixote do lixo com uma capacidade ilimitada de absorver a totalidade das disfunções, poluições, que eu para lá envio.

Depois, com outro problema: é que ao mesmo tempo que estou a aumentar exponencialmente, através por exemplo dos transportes urbanos, a quantidade de gases e efluentes que atiro para o mar e para o ar, ao mesmo tempo estou a cortar as florestas.

Nunca a destruição da biodiversidade, a destruição das florestas, foi como é hoje e isso era a capacidade de absorção e de reciclagem. Portanto, a necessidade é absoluta.

 

Quero falar-vos sobre Energia, sendo o ponto número um a necessidade da descarbonização. Isto é algo que é absolutamente essencial.

Agora, é muito engraçado, porque vocês olham para as bolsas e a GALP, a EDP e a REN que constituem mais de metade do valor da Bolsa de Lisboa, mas vejam a EXXON, a BP e essas empresas todas. Qual é o valor dessas empresas? É muito grande, muitas vezes o PIB português. Agora, atenção, o valor bolsista dessas empresas baseia-se no facto de que a GALP e a BP têm reservas e direito de exploração de poços de petróleo que estão traduzidos no valor económico das empresas.

 

Pois, eu digo-vos o seguinte: se um quarto das reservas que contam para o valor bolsista das empresas petrolíferas fossem queimadas, ficávamos aqui todos inundados e se calhar a água chegava até Castelo de Vide. Não chegava com certeza, mas o Litoral português recuava e muito.

Portanto, há aqui já uma equação impossível. O valor económico hoje da economia baseada no petróleo e nos seus derivados, é incompatível matemática e economicamente com a sobrevivência do planeta como nós o conhecemos e com a permanência das pessoas a viverem nas cidades e com as atividades económicas que têm hoje.

Estamos a falar de deslocações de centenas de milhares de pessoas, de alterações dramáticas na pluviosidade, nas temperaturas máximas e mínimas.

 

Por exemplo, ao pé de Chicago a diferença entre o mínimo no Inverno e o máximo no Verão já está em 80ºC, porque já faz -40ºC no Inverno e acima de mais de 40ºC no Verão.

Portanto, temos locais habitados, economicamente viáveis, explorados, onde a amplitude térmica entre o mínimo do Inverno e o máximo do Verão já ultrapassa os 80ºC. Isto é outro mundo, como eu disse há bocado.

Não é só osrobots, a demografia, mas também as questões ambientais provocam outro mundo.

 

Depois, há fenómenos de curto prazo como a descoberta doshale gasque tem um impacto maior nos mercados da Energia. No caso concreto do conflito que estamos a viver com a Rússia, tem a vantagem de ter aliviado a possibilidade de chantagem da Rússia sobre o Ocidente através do gás, porque isto é uma mudança maior, mas tem outros problemas ambientais de que podemos falar na fase das perguntas.

 

Salto para o ponto número quatro, que são as tecnologias de informação e comunicação. Esta sala, por exemplo, há dez anos não passaria na cabeça de ninguém que esta sala fosse controlada de uma forma ativa. Hoje em dia, o facto de eu poder ter sensores que possam controlar a luz, a temperatura, a humidade, de um sala, faz com que olhe para um edifício não apenas como um edifício-abrigo que nos protege do clima. Em Portugal, infelizmente como em muitos países, até hoje se fazem edifícios que se comportam pior que o clima.

 

Não sei se vocês têm essa noção. Agora ia falar das tecnologias de informação e comunicação, mas quero fazer um parêntesis. Quando olham para a energia, grande parte dela é usada em duas coisas: para vos mexer de um sítio para o outro e para vos proteger dentro de um edifício. Estas coisas juntas levam mais de 75% da energia que todos consumimos.

Os edifícios foram feitos historicamente, desde os iglos dos esquimós até às casas de terra batida do Alentejo, para as pessoas dentro de casa estarem melhor do que cá fora. Ou seja, de Inverno fazer menos frio e de Verão fazer menos calor do que cá fora e não haver humidades.

 

Conseguimos fazer com vidros simples, portas e frinchas que entra o ar por todo o lado, telhados não isolados que fazem uma caixa de calor no Verão e que no Inverno o aquecimento foge todo pelo telhado, etc., o milagre, durante o séc. XX, é ter edifícios que se comportam pior que o clima.

Ou seja, dentro de casa está mais húmido e mais quente ou mais frio do que cá fora. Cá fora há o sol que aquece no Inverno e dentro de casa estamos frios e húmidos porque as humidades se concentram; no Verão está feito como estufa e o calor dentro de casa, o abafado dentro de casa, é pior do que cá fora onde sempre há uma aragem.

 

Portanto, obviamente que isto não há tecnologia que dê volta a isto; é preciso olhar para os edifícios de uma outra forma. Assim como também a mobilidade tem de ser pensada de outra forma, mas a isso já lá vamos.

Temos outra revolução que nos permite atuar não apenas de uma forma passiva, através de planear e construir melhor as cidades, mas interagir melhor também com as tecnologias de comunicação.

 

Temos de ter alterações profundas na forma como olhamos para a energia. A primeira é que temos que nos preocupar com a não repetição das catástrofes que a utilização da energia em todo o seu ciclo provocou nos últimos anos.

Dou-vos aqui algunsslidescom situações que toda a gente se lembra: Fukushima; o poço de petróleo no Golfo, da BP, que entrou em fogo e derramou imenso petróleo no Golfo do México; foram os navios petroleiros como os da EXXON Valdez que deram cabo; foi Chernobyl, entre outros. Este tipo de fenómenos não se podem voltar a repetir.

 

Quando desenhamos políticas energéticas temos de pensar na resiliência, uma palavra muito importante, sobretudo quando vou ter mais tempestades, o clima a mudar mais, tenho de pensar num sistema que quando acontece qualquer coisa não fique tudo às escuras, tudo parado.

Portanto, a resiliência do sistema, o facto do sistema ser descentralizado, mais reativo e mais amigo do consumidor e do ambiente, é algo que anteriormente não era considerado mas hoje é uma mais-valia.

 

Este é um cartoon que saiu na altura quando se justifica e ainda se justifica a exploração do Ártico em zonas muito sensíveis, em que um diz: "Não esperamos encontrar espécies protegidas na área onde vamos fazer os poços de petróleo”. E o outro pergunta: "Antes ou depois que você começa a explorar os poços de petróleo?”. É claro que depois já não vai encontrar as espécies protegidas.

Isto é uma fotografia de Pequim, desde ano, em que esteve uma semana inteira assim. É óbvio que não é possível, não é possível continuar assim.

 

Não sei quantos de vós é que têm noção de que há energia e há energia. Não podem beber petróleo, respirar gás, nem tocar num fio elétrico. O que vocês querem é calor, frio, transporte e no entanto quando se fala de energia estamos a falar da Rússia com o gás, do Médio Oriente com o petróleo, das centrais nucleares, ou a carvão, ou das fotovoltaicas, ou das eólicas, para a energia.

Não é essa energia que me interessa, é a energia útil e essa posso obtê-la de muitas maneiras. O meu duche de hoje tomei com o sol que brilhou ontem e aqueceu a água, com o meu painel solar que aqueceu o depósito. Podia tomá-lo com o esquentador a queimar o gás da botija, ou podia tomá-lo com o termoacumulador que tinha aquecido a água a partir de uma resistência elétrica. Essa eletricidade podia ter sido produzida em Sines com carvão.

São formas diferentes para obter a mesma coisa: a água a 36ºC. O caminho que eu escolho para obter a água a 36ºC leva a consequências completamente diferentes para o ambiente e para a economia.

 

Porque se eu tomar o duche como eu tomei, com água a 36ºC proveniente do sol, com um painel solar feito em Portugal, maximizei o emprego e a criação de valor em Portugal, porque é um investimento que foi feito no equipamento, sendo o instalador de uma empresa familiar da zona onde eu moro e o combustível é de graça.

Portanto, minimizei quer nos impactos no ambiente, como não poluí, quer na saída de dinheiro para o exterior na balança de pagamentos e no emprego.

Se tivesse optado pela solução pior que era tomar o duche com termoacumulador com um resistência eléctrica, tinha a seguinte equação: tinha importado três toneladas de carvão na energia primária em Sines. Das três toneladas, duas ficavam no fundo da chaminé em Sines, cinzas no parque de resíduos e calor para os surfistas que vão lá à praia em frente porque a água é mais quente. Ou seja, saía uma tonelada equivalente em eletricidade, duas perdiam-se logo em Sines. Dessa tonelada, 10% perdia-se nas linhas elétricas, portanto em dissipação, e o que chegava à minha casa era 30%. Os outros 70% já estão em perda. Agora, entre a resistência e as perdas no depósito, no total o que eu ia utilizar era cerca de 13% do carvão queimado em Sines.

 

Assim, para eu tomar um duche hoje de manhã, se tivesse utilizado um termoacumulador com resistência elétrica tinha em seis quilos de carvão utilizado a energia de um quilo e os outros cinco quilos, que obviamente tinha pago na conta de eletricidade e que o país pagou na saída de divisas, eram CO2, cinzas e calor para a atmosfera. É um duche caro.

Quando fazem um chá com uma cafeteira elétrica, digo-vos que esse chá tem mais CO2 do que se beberem uma água das pedras. Porque o CO2 é pior ainda que esta equação. Quando tomarem o chá, ou o duche, pensem qual é a consequência para a economia, para o emprego e para a poluição do chá ou duche que estão a tomar.

 

A mesma solução para o transporte. Para vir aqui hoje foram duas a serem transportadas, 140 quilos. O carro pesa uma tonelada. O rendimento do motor mesmo a respeitar o código da estrada e com a velocidade máxima permitida não é mais do que 30% na melhor das estradas, no ciclo urbano vai para pouco mais de 20%, o que significa que por cada quatro litros de gasóleo que ponho no carro, o que se transmite em movimento para as rodas é um litro. Os outros três litros são logo perda.

Se considerar as perdas desde o poço do petróleo, do transporte, da refinaria, eu pago para ter um litro equivalente de movimento na estrada seis litros de perda, de poluição pura. Depois não me digam que a gasolina está cara. Nós é que utilizamos tecnologias de mobilidade que são incomportáveis com o planeta e com a economia.

 

É esta a equação que têm de ter. Porque é que, por exemplo, um carro elétrico com eletricidade vinda a partir de renováveis tem uma equação diferente? Porque num carro elétrico podem ter o motor diretamente acoplado às rodas, como um Tesla ou outros, portanto não há caixa de velocidades, nem binário, é transmissão diretamente à roda. Portanto, tem uma eficiência no carro de 85% em vez de menos de 30%. Se a eletricidade for produzida por renováveis - e a nossa eletricidade em Portugal já é 60% de renováveis -, as perdas e a poluição são muito menores, o impacto é muito menor do que eu puder gerar, porque é com recursos endógenos, com tecnologia portuguesa.

 

Estas são as verdadeiras equações que nunca são faladas. Não digam que a gasolina está cara. Tenho um carro que pesa uma tonelada para transportar 66 quilos. Quero dizer que em cima dos seis litros que já deitei fora no poço, na refinaria, no petroleiro e no motor do carro, ainda transporto uma tonelada e 66 quilos, dos quais só os 66 quilos é que queriam andar, a outra tonelada não queria.

Portanto, se forem ver, em dez litros de petróleo, para me deslocar com estes 66 quilos num quilómetro usei um terço de um litro e o resto é tudo poluição, mas eu paguei pelos dez litros.

 

Porque no preço da gasolina, obviamente, está a totalidade do que foi tirado na Arábia Saudita, do que foi transformado, refinado, metido na bomba, queimado no motor e depois era só 66 quilos que queriam andar um quilómetro. É óbvio que isto não dá, não há planeta que resista.

Depois, não se esqueçam de uma coisa que eu tinha nesteslidee me esqueci de vos dizer, que é aquilo lá em cima a encarnado. É que ainda há 1.500 milhões de pessoas - é a última estimativa das Nações Unidas - que não têm acesso à energia comercial. Ou seja, não têm luz em casa, não têm computador, não têm sequer um veículo de duas rodas motorizado, logo não têm nenhuma relação comercial com nenhum fornecedor de gasóleo ou de gasolina.

 

Também não têm gás, não têm nenhuma relação com um contador ou sequer com uma botija. Satisfazem as suas necessidades energéticas diretamente com a energia primária, por exemplo com lenha, entre outros, para cozinharem e se iluminarem e aquecerem.

Esteslideé muito importante, mostra-vos números reais da cidade do Porto e dos nove municípios à sua volta. No primeiroslideveem a energia primária e no último a energia útil, aquilo de que estávamos exatamente a falar. A energia primária tem tudo o que é preciso para satisfazer as necessidades de energia do Grande Porto. Todas as necessidades das fábricas, dos autocarros, dos carros privados, dos aquecimentos, da iluminação pública, da circulação da água, dos esgotos, e tudo o que precisa de energia para que o Grande Porto viva. Esse é o primeiroslide.

 

Depois, essa energia primária é transformada em eletricidade, em gasolina, em gasóleo, em gás natural na energia final que é aquilo que eu compro. Finalmente, têm a energia útil que é aquilo que usamos: transporte, aquecimentos e iluminação das casas, entre outros. Vejam que uso 40%, globalmente falando, da energia primária.

 

Portanto, estão a ver que já descontando todas as perdas desde as minas de carvão, dos petrolíferos, etc., tenho uma política de quando falo de energia estou a falar de ordenamento de território e estou a falar da gestão dos transportes da cidade. Por exemplo, a medida mais eficaz no Porto para poupar energia foi a distribuição de água. Dantes tinha os depósitos de água cá em baixo junto ao Douro e depois era tudo bombeado para a casa das pessoas. Como as fontes de origem são na serra, estão numa quota superior, a alteração de pôr os depósitos a uma quota superior faz com que todo o circuito agora seja pela gravidade. Estamos a poupar centenas de milhares de euros por ano e milhões de CO2 por ano só por ter redesenhado o circuito de distribuição de água.

 

O país está cheio de casas e municípios em que a estação de tratamento de esgoto está no telhado e a de água potável está na cave. Ou seja, se leva uma quota inferior a água primária que vem da serra, ou do rio, trata-se lá em baixo, bombeia-se para cima e depois para cima outra vez porque a ETAR do esgoto está a uma quota superior. Isto é pura e simplesmente queimar luz, que por sua vez é queimar os combustíveis fósseis que em parte foram utilizados para a luz.

Portanto, queria dar-vos esta noção: quando falamos de energia não estamos a falar da EDP nem da GALP, nem da REN, estamos a falar para que é que necessitamos da energia e de como é que fazemos. As políticas são para desenhar para que os mercados sejam competitivos, concorrenciais, que não haja abusos da posição dominante, mas fundamentalmente para que o país seja eficiente.

 

Porque assim ganha o ambiente e sendo eficiente também ganha a economia, pois todo o dinheiro que não vai para a Arábia Saudita para comprar petróleo é dinheiro que fica aqui para fazer tecnologia, criar emprego e criar novas soluções.

Portanto, a luta pelo ambiente, pela tecnologia e das soluções é uma luta por um país mais inteligente, que consegue fazer a mudança.

 

Quando pensamos que estamos numa altura em que há tecnologias de informação que são capazes de desligar a luz desta sala ou mudar a temperatura se a sala estiver vazia, e quando sair a última pessoa desta sala apaga-se tudo. Sensores que fazem com que se for dono de um supermercado e tiver lá três arcas frigoríficas, uma com o peixe, outra com os gelados, outra com os legumes, faz um pedido de conta para a rede elétrica, o que obriga a que esta tenha uns fios e umas centrais de produção. Isto porque precisa das três arcas todas ligadas.

 

O que é que acontece se desligar uma durante uma hora e depois liga-a outra vez e desliga a segunda? Depois, ao fim da segunda hora liga a segunda e desliga a terceira?

Significa que em simultâneo cortou um terço do pedido à rede e feito isto continua com os congelados, mas a rede já não tem de ter a mesma dimensão de fios elétricos, de estações de transformação e centrais de produção, se a conta diminuiu um terço.

É uma coisa tão simples como ir gerindo as cargas térmicas. Por exemplo, se pusermos que a temperatura desta sala pode subir mais um grau, poupo imenso no ar condicionado. Se pensar que tenho um prédio com dez andares e se eu for gerindo as temperaturas nas salas, de maneira a não ter todas as salas a 21ºC, mas ir umas a 24ºC, outras a 20ºC e outras a 25ºC, eu posso fazê-lo.

 

Quero dar-vos esta noção porque faz-me raiva cada vez que oiço debates de energia nunca se fala do verdadeiro problema: preciso de energia para quê? Para beber petróleo? Para respirar gás? Para pôr a mão no fio elétrico? Ou é para me aquecer? Então como é que eu me posso aquecer melhor? Como é que me posso transportar melhor? Como é que posso construir melhor a casa?

 

Lá em minha casa, que é um laboratório de experiências que vou fazendo, a medida mais inteligente foi a coisa mais simples, que foi meter um toldo em cima das janelas virado para Sul. Não custa nada e deixa o sol de bater na janela. Antes era um forno nas janelas viradas a Sul e deixou de ser. Podia ter resolvido o problema com um ar condicionado.

Estão a perceber o que é que é, não?

 

Já vos contei. Portugal fez um caminho notável nos últimos doze anos e neste momento já temos 58% da energia elétrica, que é só 25% da energia que nós usamos. Também não caiam nisso, atenção, pois quando se fala de energia e eletricidade é só um quarto, pois os outros três quartos é combustível sobretudo para a mobilidade, para o aquecimento e alguma coisa para a indústria. Na eletricidade estamos a melhorar e estamos com 58%.

Neste momento, a grande revolução na eletricidade é uma revolução que está a dar enormefrissonno mundo inteiro. Não sei se têm a noção de que a baixa do preço dos equipamentos das energias renováveis foi tão grande na última década, nomeadamente no solar.

 

Se cada um de vocês, daqueles que vivem em casas individuais como vivendas, instalar no telhado virado a Sul ou Sueste, 1kW, estando a falar de um investimento entre três e quatro mil euros, a eletricidade produzida desde o primeiro dia para autoconsumo é mais barata do que aquela que compram à rede. Isto é uma revolução tão grande quanto o aparecimento da rede dos telemóveis em relação à rede fixa, ou da Internet em relação à maneira de comunicar dados e informação.

Por quê? Porque dá um poder ao consumidor que este antes não tinha e isto já começa, nalguns sítios, a colocar em pânico o mecanismo do mercado normal de organização do funcionamento de energia. Porque a partir do momento em que eu em autossuficiência posso fornecer-me a um preço inferior àquele que compro à rede, tenho uma margem de força no diálogo com a rede que eu não tinha antes.

 

Meus amigos, o aumento da frequência da mobilidade elétrica vai inevitavelmente levar ao passo seguinte da tecnologia que é as baterias. O momento em que as baterias tiverem capacidade de armazenar eletricidade de forma descentralizada. Quando der o salto que está à beira de dar, que faça com que o armazenamento descentralizado seja barato e eficaz, faz com que vocês em vez de instalarem 1kW ou 2kW podem instalar 5kW ou mais.

Transformam-se de consumidores passivos que hoje são, em produtores. Não apenas para cumprir uma base em autoconsumo e comprar da rede o que falta, durante a noite por exemplo, mas transforma-vos em produtores, consumidores, comercializadores porque podem vender ao vizinho ou à rede.

Podem abastecer o automóvel e sair, por exemplo, e isto é uma mudança radical.

 

Esteslidemostra as fábricas construídas em Portugal entre 2007 e 2010, foram dois mil postos de trabalho novos industriais desde 2007 nos últimos menos de dez anos. Deram 400 milhões de euros em exportações no ano passado.

Vou-vos mostrar a Google que está também a transformar-se numa empresa de Energia, gastando alguns milhares de milhões a comprar uma empresa de termóstatos e de sensores inteligentes para gerir edifícios.

Este é um dos muitos modelos de carros elétricos que já estão à venda e esta é uma nova lâmpada da Phillips que muda de cor e vocês controlam a partir do telemóvel, é um LED, muito mais eficiente e além disso já com outras capacidades decorativas.

 

Temos aqui o patrão de uma empresa alemã. Como sabem, os alemães decidiram desligar o nuclear depois de Fukushima, vão desligar todas as centrais nos próximos oito anos. Então, o patrão de uma das principais empresas de energia elétrica alemã diz que esta empresa ponha painéis solares no telhado, uma bateria no armazém ou num barracão ao lado, uma bomba de calor na cave e que ainda possa fornecer todos os serviços de energia para os seus clientes.

Ou seja, já não tem nada a ver com o modelo da rede antiga. A rede do futuro é esta. São redes inteligentes em que há produção centralizada, em barragens e centrais térmicas, também, pelo menos por enquanto na fase de transição; há produção descentralizada, sensores por todo o lado e há um mercado em que vocês deixam de ser apenas consumidores mas passam também a ser produtores.

 

Termino com o últimoslideque é sobre ovade mecumdas políticas energéticas. A primeira questão é a do Clima como vos disse, é a descarbonização. Qualquer que seja a solução, o desenho, é imperioso parar o aumento de emissões para a atmosfera, é preciso estabilizar e começar a diminuir, porque senão não há planeta que resista.

Em segundo lugar, é necessário promover a investigação e a inovação, porque para um país pequeno como Portugal que tem universidades e laboratórios de excelência, que tem algumas das empresas de excelência como por exemplo até as nossas empresas energéticas como a EDP, REN e GALP que têm equipas de excelência a nível mundial.

 

Por exemplo, Évora é umasmart city. É uma cidade que já hoje tem capacidade com alguns milhares de consumidores com contadores e sistemas inteligentes instalados. Num ano fizeram baixar o consumo de eletricidade em 16% nos escritórios da cidade de Évora sem investimento, apenas com comportamento dos utilizadores, porque passaram a ter informação e sensores. As tecnologias de informação permitem através de telemóveis ou de computadores portáteis gerir as cargas térmicas, o ar condicionado. Por exemplo, a mulher da limpeza não entrar à noite e não ligar todas as luzes do prédio e só ir ligando à medida que vai entrando. São exemplos pequenos.

 

Termino com isto: nós vivemos num mundo globalizado. Habituámo-nos a um mundo globalizado na energia, que significava gastar dez mil milhões de euros por ano a comprar petróleo, gás e carvão com uma dependência de energia do exterior de 85% como era há dez anos. Hoje estamos a 76% e ainda temos um enorme caminho para continuar. Portugal não é um país pobre em recursos energéticos. Não temos petróleo, carvão, gás natural como outros países têm em grandes quantidades, mas temos sol, vento, água, geotermia e temos um enorme potencial de desperdício que deve deixar de ser.

A maior mina energética que Portugal tem neste momento é combater o desperdício, organizando melhor as cidades, os transportes públicos, construindo melhor os prédios, isolando os telhados e, já agora, utilizando soluções modernas, inteligentes, de sensores, de capacidade de atuação e vender essa tecnologia e esseknow-howno estrangeiro.

 

Posso dar-vos testemunho pessoal de ter criado há 12 anos com algumas das principais instituições portuguesas, como a Gulbenkian e outras fundações, fundos de pensões de energias renováveis que dez anos depois é 20 vezes maior e está a produzir energia em seis países da Europa e a apresentar propostas na América Latina e na África. Tudo comknow-howe engenharia portuguesa.

Muito obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares

Acabo de receber uma mensagem no telemóvel a dizer que amanhã os alunos não vão tomar banho que é para combater o desperdício.

 

[RISOS]

 
Carlos Pimenta
Desde que haja painéis solares, pode ser.
 
Hugo Soares

Como não há, portanto, amanhã ninguém toma banho.

Vamos dar início às nossas perguntas e a primeira pergunta é do Grupo Cinzento, o Luís Girão.

 
Luís Girão

Cabe-me iniciar este conjunto de questões. Antes de mais, gostaria de dar os parabéns ao Eng.º Carlos Pimenta porque a sua apresentação foi bastante clara e abrangente.

A minha questão é a seguinte: relativamente às tecnologias de mobilidade baseadas em energias renováveis, tal como abordou na sua apresentação, como é que podemos desbloquear um mercado que ainda está amarrado pelolobbydas grandes petrolíferas?

 
Carlos Pimenta

Excelente pergunta! Dava para outra conferência, porque a mobilidade é tema para uma conferência inteira.

A primeira coisa é o desenho urbano. Um amigo meu, que é professor no Técnico, dizia assim: "Na mobilidade, tenho um problema com a minha sogra e com o meu filho. A minha sogra já é velhota e tem o tempo todo da vida pois é reformada e o meu filho é novo, é atleta, mas tem pouco tempo porque faz muita coisa entre o estudo e o desporto. Os dois vão para a paragem do autocarro da Carris e têm um problema: a minha sogra não se importa de esperar meia hora porque não tem nada para fazer; o meu filho obviamente não quer esperar meia hora.”

 

Os autocarros da Carris aos dias de semana, praticamente a velocidade média muda muito pouco, ao contrário do que podemos pensar por causa do trânsito.

No dia de semana andará entre os 13 ou 14 kms por hora e ao domingo não chega aos 18 kms por hora.

Agora, o que não dá é o mesmo autocarro com 50 pessoas e que tem de parar de poucos em poucos metros por causa das sogras. Há as pessoas que querem muitas paragens pois não se importam de chegar mais lentamente, ou as pessoas que não se importam de andar mais 500 metros para a próxima paragem, ou seja menos paragens. Porque o que faz diminuir a velocidade do transporte é ele estar sempre a parar e também piora imenso a eficiência do motor com o pára-arranca.

 

O pára-arranca são 15% de eficiência do motor em vez dos 30% que eu disse há bocado. Portanto, a solução atual de desenho urbano começa logo aí na mobilidade pública.

Têm acompanhado esta história do Uber? A história do Uber é uma coisa fantástica. São uns tipos jovens que fizeram um mapa social em que eu quero um carro e tenho um telemóvel. Eu tenho o Uber instalado aqui, mas em Portugal só chegou agora e apenas para o topo de gama como Mercedes e BMW grandes. Então, estou num sítio qualquer faço sinal e aparece-me o carro, pronto.

 

Há uma relação direta: quando entro no carro, carrego na aplicação e começa a contar uma espécie de taxímetro no meu telemóvel e quando ele me deixa no outro sítio pago-lhe e vou-me embora.

É claro que os taxistas não gostam. No outro dia houve a primeira greve transeuropeia, em Londres, Paris e Berlim, tudo ao mesmo tempo, dos taxistas contra o Uber. Mas o Uber não é uma empresa para concorrer aos táxis, é muito mais do que isso, é uma empresa de logística. Por exemplo, amanhã querem mandar uma encomenda para um sítio e carregam na aplicação e veem isso.

 

Respondo que da mesma maneira um autocarro deste tamanho que tem de parar muitas vezes porque há muitas sogras, ou o sistema tradicional em que vai um camião TIR levar a produção de uma fábrica até à Alemanha e volta vazio, isso tudo acabou. Estou a responder-vos que a primeira coisa é o desenho urbano e desenho de soluções, a segunda é a eficiência dos motores e o tipo de combustível que eu meto no motor, mas a primeira resposta é sistémica.

Não caiam nunca, mesmo para a vossa vida e outras coisas, na armadilha de a primeira resposta ser ogadget. Por exemplo, dizer que a melhor maneira é tirar os autocarros da Carris a gasóleo, pôr a gás natural que já há muitos e é melhor porque polui menos e é mais eficiente, ou então, melhor ainda, a eletricidade. Até pode ser eletricidade carregada por indução, etc. e isto são tudo boas respostas, mas a solução tem de ser muito mais profunda do que essa.

Tem de se ter maior flexibilidade. Se calhar para ter maior frequência posso diminuir autocarros, ou até ter táxis partilhados. Porque é que não temos soluções de táxis partilhados hoje em dia com uma aplicação informática?

 

Desculpem lá ser lisboeta e dar exemplos de Lisboa, mas se estou no Aeroporto e quero ir para o Marquês do Pombal e está uma pessoa no Areeiro que quer ir para o Saldanha, porque é que ela não há-de apanhar boleia no meu táxi? Do Aeroporto até ao Marquês do Pombal vou passar pelo Areeiro e pelo Saldanha.

Com uma aplicação estou a fazer de Uber, portanto as soluções têm de ser muito mais flexíveis.

 

Depois, o próprio desenho da cidade. Quando eu nasci, Lisboa tinha 800 mil pessoas e hoje só tem 550 mil, mas a Grande Lisboa manteve os dois milhões e meio de pessoas. Isto significa que a Lisboa em que nasci já tinha ruas, águas, canos de esgotos e de eletricidade, fios de telefone, esquadras da polícia, escolas e hospitais. Quando as pessoas foram para Amadora, Queluz, Almada, Alcochete, entre outros, foi preciso fazer estradas, luz, água, esgotos e depois o movimento pendular, porque as pessoas vão trabalhar e levar as crianças para a escola.

 

Depois, é preciso manter essas infraestruturas todas. Portanto, para os mesmos dois milhões e meio de pessoas a matriz urbana dispersou-se e investiu em capital fixo. É como chegar aqui a Castelo de Vide, várias autoestradas para chegar cá. Quero dizer, isto não dá, não consigo responder ao problema dos transportes se continuo a pensar que multiplico infraestruturas e tenho soluções rígidas.

Dizendo às pessoas que ao domingo como há menos pessoas têm de esperar uma hora na paragem, não dá, com o mundo de hoje, interconectado com as soluções de flexibilidade que existem, de partilha de soluções e com uma atitude inteligente no desenho da cidade.

 

Digo-vos umas coisa: graças a Deus já estou velho e à medida que envelheço vou ficando mais radical, por isso é que já estou reformado da política, mas eu não deixava hoje construir mais nenhum condomínio fora de áreas urbanas consolidadas. Nenhum! Quando tivesse responsabilidade no ordenamento do território em Portugal gastava 7% do cimento para restaurar casas ou bairros construídos, ou seja, Lisboa, ou o Porto.

 

A Dinamarca gastava 87% do cimento. Quer dizer, nós gastávamos 93% do betão, há 25 anos, para construção em casas novas, deixando cair as casas velhas. Vocês têm todos os centros das cidades, das vilas e até das aldeias com habitações em degradação, prédios subocupados, prédios que precisam de restauro, de reabilitação e andámos a construir condomínios, zonas suburbanas, novas urbanizações, na periferia. Não é apenas na zona de Lisboa e do Porto, mas na periferia de todas as cidades, porque há obviamente o negócio da especulação imobiliária. Compravam uma quinta, dividiam em lotes, faziam um condomínio e isso obviamente dava-lhes uma mais-valia que pegar num bairro velho, num bairro no centro da cidade, restaurar a casa mantendo a traça, significando deitar o interior fora, manter a parede, ou alterar arquitetonicamente, não dá.

 

A política urbana da gestão do território é a primeira resposta à pergunta que o Grupo Cinzento me fez, quanto a como mudar a mobilidade.

Cidades mais conviviais, onde as pessoas possam ir mais a pé, mais de bicicleta e onde as soluções de mobilidade com motor sejam muito mais flexíveis, utilizando as novas tecnologias e conceitos de partilha.

 
Hugo Soares
Obrigado pela resposta. Grupo Verde, Marisa Rito.
 
Marisa Rito

Bom dia a todos. Quero cumprimentar a organização na pessoa do deputado Carlos Coelho e cumprimentar também o Eng.º Carlos Pimenta pela excelente peça que nos trouxe aqui hoje.

 

Em nome do Grupo Verde, quero perguntar: com o potencial que tem Portugal ao nível das energias renováveis, de que forma podemos contribuir para diminuir a dependência energética face a terceiros?

 
Carlos Pimenta

Muito obrigado. É uma excelente pergunta. Na eletricidade já vimos isso. Em 2001, por exemplo, a energia eólica era 0% da eletricidade portuguesa e em 2013 foi 24%. É notável, pois em 10 anos um quatro da eletricidade de Portugal passou do térmico com o carvão e o gás para o eólico.

 

Mostrei há bocado umslideque era uma fotografia de que gosto muito, tirada no Vale do Minho. Esta fotografia é muito bonita, é o concelho de Melgaço e Monção, na fronteira entre os dois. Porque é que é uma fotografia muito bonita além da parte estética com os cavalos e o gado a pastar? Isto é um programa que responde à sua pergunta. É um investimento de 400 milhões de euros. Estamos a falar de energia a sério e de dinheiro a sério.

 

As máquinas são feitas em Viana do Castelo e as torres em Sever do Vouga, é 95% de incorporação portuguesa. Os terrenos são todos baldios, são 80 contratos de baldios. Estamos a falar de vários milhões de euros por ano de rendas de baldios e de contribuição para as câmaras municipais da associação do Vale do Minho, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença, Cerveira e Caminha que também tem lá o parque.

 

Ou seja, uma ocupação do território não destrutiva, são milhares de hectares que estão alugados, o espaço ocupado pela fundação das máquinas, pelos caminhos e pelo sítio onde está a subestação é 2,5% da área. Os outros 97,5% estão a receber aluguer num contrato de concessão dos baldios e são utilizados pelas populações como eram antes da eólica. Portanto, é não destrutivo e não conflitua com os usos tradicionais deste espaço que era sobretudo a pastorícia, a caça e o turismo.

 

Aliás, por exemplo, numa aldeia do concelho de Viana do Castelo na Serra d’Arga há hoje em dia uma atividade económica florescente, de passeios pela serra, um dia com o pastor, em que há inclusivamente uma pastora que é bióloga, é uma professora que leva as pessoas a passear um dia com ela, a tomar conta dos rebanhos, e há caminhos de observação da natureza, desde aos lobos até aos pássaros. Há uma enorme quantidade de turismo da natureza.

Houve agora no mês de Julho um festival gastronómico a que veio gente de vários países, até da Universidade de Oxford cá estiveram.

 

Portanto, este espaço que estava em desertificação, (porque quem tinha força para trabalhar emigrou para a Alemanha, ou para o Luxemburgo, ou para Lisboa, ou para o Porto), voltou a ter vida, não se destruindo o património e as máquinas foram feitas naquelas fábricas que eu mostrei, aqui em Viana do Castelo onde se criaram dois mil postos de trabalho.

 

Sabem uma coisa? Algumas destas fábricas, 40% da população fabril, são mulheres. Ao ponto que elas foram feitas no início com uma matriz de desenho alemã, onde na Alemanha os trabalhadores industriais que operam as máquinas e osrobots- estamos a falar de engenharia pesada -, as mulheres são menos de 10% do total dos trabalhadores. Em Portugal há fábricas onde 40% são mulheres. Pessoas que estavam na indústria têxtil e que ficaram desempregadas foram recicladas com um nível de formação intensiva em que hoje operamrobotse fazem pás com 50 metros de tamanho. As pás são feitas lá, o material das mesmas, os moldes, a parte geração elétrica e da mecatrónica, torres de betão e de metal, é tudo feito nessas fábricas.

 

Como eu disse, passámos de 0% para 24%. O custo, hoje em dia, da geração, como por exemplo com o último parque eólico fabricado em Portugal que já foi por este ano, com este governo em termos de construção, é uma tarifa de 68 euros por mW/h. É competitiva a sério com a mesma eletricidade produzida na central mais moderna de Portugal de ciclo combinado a gás natural.

Portanto, a evolução do custo entre os 110 euros por mW/h de há dez anos e os 68 euros agora, há dez anos eram com máquinas importadas e hoje compram mais de 200 euros da rede. Para terem noção dos preços: há dez anos, na produção de eletricidade de origem eólica, uma geradora nova colocada vendia à rede 110 euros por mW/h; uma eólica agora, autorizada por este governo, vende a 68 euros cada mW/h.

 

Um bicho destes custa dois milhões de euros e há dez anos era importado, mas hoje em dia é feito em Portugal a 95% e a energia que produz é competitiva com o gás natural que é importado. A central de gás natural é toda ela importada, menos as fundações e o betão.

Portanto, o potencial existe.

 

Para responder ao Grupo Verde: a próxima grande revolução é o solar. Portugal tem um recurso solar que, na Europa, só em Creta e em Chipre é melhor. Somos campeões em termos de disponibilidade. Não é apenas o número de horas de sol, mas o ar ser limpo de poeiras e de outras coisas como nevoeiros, que podem perturbar obviamente a radiação incidente.

Portanto, temos uma enorme capacidade e eu tenho um sonho de que Portugal pode fazer no solar o que fez na eólica. Mas pode fazer mais, que é ao mesmo tempo que faz o equipamento, a investigação, a eletrónica de controlo, também permitir que grande parte desse solar seja vossa propriedade, não propriedade das empresas de produção de eletricidade, mas dos consumidores.

 

Ou seja, uma parte do solar será obviamente em algo como quintas solares industriais feitas pelas empresas elétricas, mas a grande maioria deve ser feita pelos consumidores. Seja individual, supermercados, associações desportivas, restaurantes, apoios de parque, coberturas de parques de estacionamentos, ou mesmo o telhado deste hotel.

 
Hugo Soares
Diretamente de Melgaço para o Grupo Bege, João Francisco Gonçalves.
 
João Francisco Gonçalves

Bom dia a todos. Vou fazer uma pergunta em nome do Grupo Bege, mas antes de mais queria só deixar uma nota, já que o senhor Eng. falou do meu concelho de Melgaço, quero comprovar que tudo o que disse é verdade. É um exemplo de sustentabilidade, temos muitas eólicas e nos proporcionam algo muito importante para as freguesias, pois é uma grande fonte de rendimentos e isso permite modernizar as freguesias tendo ainda um impacto ambiental muito reduzido.

 

Em termos estéticos também não afeta nada, ocupa uma área muito pequena e permitiu modernizar as vias de comunicação, com vários caminhos a ligar todas as freguesias. Muito importante foram também os postos de trabalho que criou, nomeadamente ao nível da manutenção. Também as receitas que pagam às próprias freguesias foi o que permitiu modernizá-las.

 
Carlos Pimenta
Obrigado. É que eu comecei em 1999 a pôr de pé a primeira máquina; e feita já em Viana do Castelo, porque não quisemos importar as máquinas e perdemos dois ou três anos à espera que as fábricas as construíssem.
 
João Francisco Gonçalves

Muito parabéns, porque conseguiu. Em nome de Melgaço, obrigado.

 

[APLAUSOS]

 

Não menos importante, a minha questão agora é a seguinte: em relação aos dados irrefutáveis apresentados aqui hoje pelo senhor Eng., como é possível ainda haver tanto ceticismo em relação a esta questão e tanto desinteresse? Será olobbydo petróleo e os interesses adjacentes responsáveis pelo não-consenso nesta área?

Obrigado.

 
Carlos Pimenta

Há de tudo, mas essa é a resposta. Nos EUA é chamada declimate coalition, é feita com o dinheiro dos irmãos Cock que cada um deles vale mais de 35 mil milhões e são os homens que financiam o Tea Party além de várias empresas petrolíferas.

É gente que eu combati desde a década de 90 quando estava com o Carlos no Parlamento Europeu e nessa altura eu estava como representante na negociação de Quioto.

 

Essa é realmente a potência, porque - reparem no que eu disse há bocado - não é só o negócio corrente, é a própria valorização das empresas. Imaginem o que é. Depois, também, a geoestratégia: pensem em países que vivem hoje com a fonte de receita principal baseada na exploração de hidrocarbonetos e combustíveis fósseis, pensem o que é fazer uma nova economia. É outra economia. A energia são dez mil milhões de importação por ano, é o maior peso da balança portuguesa. As três empresas maiores de energia valem 52% da bolsa de Portugal.

 

Estou a dizer-vos que vai haver uma revolução por causa do ambiente e do clima, mas também por causa das evoluções científicas e tecnológicas. As duas conjugam-se para dar uma nova organização do mercado. Pensem o que foi nos operadores de telefone fixo quando lhes disseram que iam aparecer os telemóveis. No princípio não acreditavam, porque um telemóvel à semelhança do que eu tive quando estava a trabalhar no Estado pelo Ambiente pesava cinco quilos, custava 700 contos que são 3500 euros de hoje fora a inflação. A única coisa que fazia era as chamadas e pesava cinco quilos, era um peso no ombro, agora pensem nos vossos que têm nos bolsos.

Já passaram 20 anos, o mercado mudou. A Vodafone, a Google, a Ebay e a Amazon não existiam. As maiores empresas hoje por capitalização bolsista há 20 anos ou não existiam ou tinham acabado de aparecer. Na energia estamos a falar disso.

Portanto, quem está e ocupa o espaço está num sistema de organização de poder.

 

Francamente, digo-vos uma coisa: eu não consigo perceber como é que é possível nos dias de hoje planear edifícios como fazem. No outro dia, fui dar uma conferência a um novo edifício, numa universidade portuguesa, acabadinho de inaugurar. Um edifício de um centro de investigação com oito andares. Vocês acreditam que não havia uma janela que abrisse e que tudo aquilo era ar condicionado 24h por dia, acabado de inaugurar.

Como o parque escolar. Acreditam que fizeram escolas nos últimos dez e mesmo cinco anos em que se gastaram 500 milhões de euros e em que os sistemas hoje fazem com que as escolas funcionem pior que o clima e agora como não há dinheiro para pagar o ar condicionado as pessoas estão lá dentro a assar, sem condições nenhumas. Nem para dar aulas nem para as receber.

 

Isto em vez de se ter feito as escolas com sombreamento, isolamento, sistemas passivos que fizessem com que naturalmente o edifício respondesse melhor que o clima e desse boas condições de acolhimento. Gastam-se 500 milhões de euros e enchem as escolas de ar condicionado e equipamentos mecânicos que gastam energia para repor condições ambientais, que uma boa construção e um bom desenho podiam ter melhorado?

 

As escolas antigas tinham paredes deste tamanho por alguma razão. É obviamente para manter o isolamento, para ter inércia térmica. Se faço paredes assim e telhados de uma coisinha assim é óbvio que aquilo só funciona com energia, sistemas ativos.

Portanto, a resposta são duas coisas: efetivamente há toda uma economia montada de milhares de milhões de euros. Reparem que não estou a olhar para as pessoas que estão nesta economia como inimigos. O homem que tem a bomba de gasolina, coitadinho, eu até sou amigo dele, porque vou lá, converso, tomo café, são relações de proximidade e de vizinhança. Já lhe disse que o negócio dele há-de acabar. Ele olha para mim e ri-se. Como somos amigos damo-nos bem, mas eu já lhe vou dizendo isso, que o negócio dele vai acabar como dizia à senhora onde compro os jornais. Eu ainda compro jornais em papel, mas o meu filho já só lê Internet no computador. Ela agora reformou-se e disse-me que eu tinha razão.

 

Agora, isto já é outra economia. O grande desafio que eu vos pus no princípio é que temos de pensar - e vocês como agentes políticos - que o mundo vai mudar. Vai mudar pela demografia, pela tecnologia e pelos constrangimentos ambientais.

Portanto, temos de inventar para a nossa comunidade internacional de dez milhões e 400 mil pessoas qual é o caminho que podemos ter para ter mais qualidade de vida, mais valor profissional, algum dinheiro no bolso, uma presença mundial e valorizar o património que temos.

 

Não acredito que Portugal seja um país pobre, porque temos ativos, desde a língua até à presença no mundo, até o nível de formação, etc., que fez com que quando fomos para o projeto das renováveis e fomos fazer as fábricas e investigação tinha cá em Portugal as pessoas que mediam o vento em termos matemáticos, sofisticadíssimos. Vão ao sítio da REN e com uma semana de antecedência têm a produção de cada eólica, com 20% de erro e a 24h com menos de 5% de erro.

Engenharia portuguesa com técnicos portugueses! Temos de encontrar saídas para o mundo novo, que deem emprego, valor acrescentado e que nos projetem no mundo um pouco como a indústria do calçado fez.

 

É um caso extraordinário em que em vez de despedir pessoas contrataram-nas e em vez de venderem sapatos cada vez mais baratos pagando cada vez menos, têm vendido os sapatos cada vez mais caros e em maior quantidade porque estão cada vez melhores. Eles não estão a competir com o sapato chinês que custa três dólares o par, mas sim com o sapato italiano porque já estão em segundo lugar a 29 dólares o par. O que é que queremos? Fazer muitos sapatos a três dólares feitos em máquinas automáticas robotizadas ou fazer poucos sapatos à escala mundial mas a 29 dólares ou mais?
O que eu quero é isso. Tenho é de encontrar caminhos para Portugal que passem por esta solução.

 
Hugo Soares
Obrigado, Eng.º Carlos Pimenta. Nuno Reis do Grupo Laranja.
 
Nuno Reis

Bom dia.

Para enquadrar um pouco as perguntas temos duas considerações. As exportações, hoje, são um motor fundamental da economia. Há um agudizar de conflitos na Europa, nomeadamente com a Rússia e países com cariz de produção e exportação de energia elétrica.

Tendo em conta estas duas considerações, como é que Portugal se pode aproveitar e tornar agente exportador de energia na Europa e no mundo?

 
Carlos Pimenta

Sim, a resposta é que Portugal tem aqui uma oportunidade. O que se passa na Rússia é dramático. No Parlamento Europeu tive oportunidade de ir muitas vezes à Rússia para fazer esse tipo de trabalho e temos de facto um problema muito grave para esta geração.

 

Não vou agora entrar por aí. Acho que a Europa tem de ter uma resposta muito forte em relação ao que está a acontecer. Já vi isto no Cáucaso há 15 anos e o que está a acontecer agora é apenas a continuação do que aconteceu na Moldávia, na Geórgia e agora na Ucrânia é preciso pôr uma linha vermelha e dizer que não.

 

Em termos energéticos, como a Rússia é a maior fornecedora de gás da Europa, é óbvio que é preciso apertar as sanções a sério. Isso vai perturbar e eventualmente cortar parcialmente ou totalmente o fluxo de gás. Portugal e Espanha temos postos de gás ligados à rede europeia que deve ser ligado e aumentado, pode ser um ponto de abastecimento da Europa. Isto não é teoria. Aliás, o nosso governo apresentou a posição sobre o pacote do clima para 2030, que está neste momento em cima da mesa em Bruxelas. O Jorge Moreira da Silva apresentou uma proposta mais ambiciosa do que a da Comissão em relação à redução dos gases com efeito de estufa, coisa que cumprimento e me revejo completamente na posição que ele tomou.

 

Pôs também uma posição muito ambiciosa sobre a eficiência energética, 30% e 40% no total vinda de energias renováveis, o que também é mais ambicioso. Depois, tem um ponto novo que é posto por Portugal. Esta é de autoria do Jorge Moreira da Silva. Pelo menos 25% das conexões elétricas e no texto dele também fala do gás, de interligação. Ou seja, a Pensínsula Ibérica tem um gargalo nos Pirinéus e esse gargalo tem de ser partido. Se for partido, as energias de origem renovável como a eletricidade e descarregado o gás em Sines ou nos outros portos espanhóis, podem fluir para a Europa. Em vez de vir o gás da Rússia para o centro da Europa pode vir parcialmente do gás da Península Ibérica.

 

A Pensínsula Ibérica tem cinco dos melhores portos de gás da Europa, incluindo Sines que é um porto extraordinário. Quando se falam em parvoíces de fazer um terminal de contentores na Trafaria, realmente ultrapassa a minha imaginação pensar que o valor turístico de Lisboa que agora está na moda, o que vai ter em frente é uma muralha de contentores e navios de contentores e gruas gigantes quando tem um porto como Sines.

Sines é um porto extraordinário. O projeto Sines ébenchmarkmundial de eficiência no que diz respeito ao terminal de gás. Portanto, cabem lá navios de todo o tamanho que podem atracar o ano todo, que tem uma estação de receção de gás do mais moderno que há no mundo e que está ligado aopipelineque está ligado com as redes europeias.

Portanto, a sua pergunta é muito pertinente e a resposta é que sim.

 

Pegando agora na brasa à minha sardinha, nas renováveis o mesmo é válido. Temos imenso território, basta ver aqui em Castelo de Vide, que tem enorme exposição solar.

Para terem noção: quando instalei os primeiros painéis fotovoltaicos em minha casa, há dez anos, 1kW custava seis mil euros e neste momento o painel custa menos de mil euros. Menos de uma década e dividimos por sete o preço; foi tal e qual como com os telefones e computadores. E isto não foi ainda por mudança tecnológica, ainda estamos a falar do velho painel de silício. Brevemente, estamos a falar de filmes transparentes que se colam em cima do vidro ou da telha e esse é o painel. Ainda estou a falar do velho painel que vocês vêem na autoestrada junto dos telefones de emergência de silício cristalino.

 

Mas pelo simples efeito da procura, como houve muita, as fábricas tornaram-se mais eficientes, o processo de fabrico do velho painel de silício tornou-se muito mais eficiente, nomeadamente consumindo menos energia, e o preço do painel que estava a seis mil euros o kW, hoje está a umas centenas de euros o kW. Isto numa década.

O primeiro kW/h que a empresa, onde eu era engenheiro, vendeu à rede há dez anos a mais de 400 euros, hoje está abaixo de 100 e vocês compram a 200. Podem ver a eficiência, portanto.

 

Portugal e Espanha têm um enorme potencial de produção que pode também ser escoado para a Europa, nomeadamente no sol, mas não só, há outras renováveis mas não dá para falar agora.

 
Hugo Soares

Sugeria aos alunos que se levantassem para colocarem as perguntas porque se vê melhor e a voz também fica mais bem projetada como se irão aperceber.

David Gonçalves Pereira do Grupo Azul.

 
David Gonçalves Pereira
Bom dia, Eng.º Carlos Pimenta. A pergunta do Grupo Azul é a seguinte: perante o incumprimento sucessivo do protocolo de Quioto por parte de países como os EUA e a China, qual deverá ser o posicionamento da UE tendo em conta as alterações climáticas? Obrigado.
 
Carlos Pimenta

Boas perguntas, todas elas, até agora e cumprimento-os por isso.

O mundo tem um ponto de encontro para o ano que é em Paris. Paris vai ser o novo Quioto. Era para ser Copenhaga, mas falhou, agora esperemos que Paris não falhe.

 

Meus amigos, nós não temos solução. Vou dar-vos um exemplo muito concreto: quando fui para a Rua do Século em 1983, para o Ministério do Ambiente - já lá vão 30 anos -, não havia nenhuma lei sobre a poluição das águas. Havia só uma lei de 1910 que dizia que era proibido poluir. Havia pouca legislação.

Então, lá em cima no Norte, no Vale do Ave, Vila Conde, nessa zona, o têxtil despejava para os rios todos. Alguns de vocês ainda se devem lembrar disso: o esgoto a ferver e a cor conforme se tingiam os tecidos.

 

Havia duas fábricas, uma ao lado da outra e ainda por cima eram inimigas, tinham-se zangado e nem se podiam ver. Então, um tipo da fábrica decide a montante despejar o esgoto todo e assim o outro já não podia captar a água porque a água vinha toda suja, toda tingida e já não podia produzir. Foi ao Ministério do Ambiente queixar-se. Enviei para lá o fiscal e ele era mal recebido, como não havia leis, eu tentava pela saúde, pelo governo civil e os meses iam passando.

As visitas do homem da fábrica foram sucedendo e eu cada vez mais desesperado. De repente, o homem deixa de lá ir. Eu questionei-me se o senhor teria fechado a fábrica e desistido. Passando um mês, aparece-me lá o outro homem da outra fábrica de cima. Então, o que é que o da de baixo tinha feito? Tinha comprado a quinta acima da fábrica do outro e tinha feito dois canos: um para apanhar água e outro para levar o esgoto.

 

[RISOS]

 

Podia ter posto só um cano para ir buscar a água, mas pôs dois canos. O efeito de proximidade é o mesmo que têm se resolverem despejar o lixo da vossa casa à porta do vizinho. O vizinho vai-se queixar à câmara e o vizinho vai ter de deixar de fazê-lo.

 

Quando temos o efeito regional, como por exemplo quando a Inglaterra produzia eletricidade com carvão, que eu ainda sou desse tempo, além do CO2 punham-se muitos ácidos, nomeadamente SO2, enxofre que queimava e caía sobre a Suécia e a Noruega. O solo da Escandinávia é um solo que já é ácido. O solo da Europa é básico. Ácido em cima de ácido, os lagos e rios suecos começaram a ter muito ácido sulfúrico, os peixes começaram a morrer, a vida começou a morrer e a agricultura não usava de água.

Por isso, houve uma convenção europeia e a Inglaterra mudou, dessulfurizou e introduziu o gás natural em vez do carvão.

É um problema regional. Já não é o vizinho com a fábrica têxtil, ou eu com o meu lixo e o meu vizinho, mas sim um conjunto de nações civilizadas que têm ummodus vivendie que chegaram a um acordo.

 

O problema do CO2 é que tanto faz que eu o emita aqui em Castelo de Vide com o meu carro ou em Pequim. Se for para o Burkina Faso, ou para o meio do Mali, dizer que em Paris todos temos de chegar a um acordo de reduzir 20% agora e depois 25%, 40% e 50%, é a mesma coisa que eu agora estar gordo por causa de andar com a bengala dizer ao meu amigo que está magro que eu como um frango por dia e ele tem de comer só a ponta da asa. A austeridade temos todos de reduzir 20%. Como frango e ainda meto mais, o meu amigo que só come a ponta da asa, 20% a menos, nem se vê.

 

A dificuldade de Paris é a que foi em Quioto: como ter países que estão em posições completamente diferentes que querem emissões hoje por habitante, ou por unidade de PIB e dizer a todos que vamos diminuir 20%.

Tenho de ter um esforço diferenciado. Como ainda tenho pior, que é o acumulado desde o início da Revolução Industrial. Porque tenho o tipo pobre de África ou da América Latina a dizer-me que nós queimamos petróleo, gás e carvão e agora passamos para carros elétricos, painéis fotovoltaicos e edifícios inteligentes, estando já nocrème de la crème, na sofisticação enquanto eles ainda andam a pé.

 

Ainda há o tal mil e quinhentos milhões de pessoas que não estão ligadas à luz. Portanto, tenho de ter espaço para crescer alguma coisa. Por isso é que a negociação do clima é tão complicada.

Há uma coisa que é inegável: é preciso diminuir as emissões porque estas estão a aumentar as concentrações. O que muda o clima é a concentração. Se eu tivesse muitas florestas e se o mar ainda tivesse a capacidade de ser a esponja, podia emitir à vontade, porque era reciclado. O problema é que o mar está a começar a ficar saturado, a acidez do mar está a aumentar e eu estou a cortar as florestas ao mesmo tempo.

 

Por isso, aquilo que atiro para cima fica lá concentrado e daí as concentrações estarem já em 400 partes por milhão. Quando foi em Copenhaga dizer que a política do clima a nível mundial não pode permitir mais do que um aumento de temperatura de 2ºC a partir do qual já não sabemos se a corrente do Golfo vai lá ficar, se as monções ficam lá, se os alísios vão lá estar. 2ºC? Ao ritmo atual nem 3ºC.

Qual é o problema? O problema é alguém que vai conduzir um carro e diz que conduz à fórmula 1 e vai aumentando a velocidade, ainda chega a fazer a curva, mas depois há um momento em que já não dá para fazer a curva e o carro bate contra a árvore. No momento em que o carro embate na árvore ele está em equilíbrio, está destroçado mas está parado em equilíbrio. O carro que está no limite mas ainda a dar a curva também está em equilíbrio, é um equilíbrio dinâmico. O problema é o momento do embate em que as pessoas morrem. Esse é o momento de regime transitório.

 

Na engenharia o regime transitório é o pior, que é como os soldados que quando estão a marchar numa ponte não podem marchar a passo porque entram em ressonância e a ponte vai abaixo. Quando a ponte cai num monte de pedra estão em equilíbrio, tal como quando estava lá em cima, mas o momento em que a ponte vem abaixo é que não.

Ou seja, o momento em que o sistema climático da Terra vai mudar. Atenção, a Terra vai continuar e vai continuar a haver vida na Terra. O que nós temos é sete mil milhões de pessoas dos quais metade estão à beira da água. O que tenho é toda uma matriz das atividades económicas baseada no clima atual de quatro estações, ou duas, entre outros.

 

Há um momento em que não é só o facto de estar a fazer mais calor ou se o mar está mais ácido, mas sim o momento em que a corrente do Golfo vai passar por outro sítio. Estão a ver? É esse momento de mudança que é o principal e que eu não sei quando lá chego, é o chamado "tipping point”.

Andamos a brincar com fogo, porque não há ninguém nesta Terra capaz de dizer quando é o tal "tipping point” nem quando estiver a vir.

 
Hugo Soares
Obrigado, senhor Eng.º e agora temos o André Caldeira Martins do Grupo Castanho.
 
André Caldeira Martins

Bom dia a todos. Quero cumprimentar em especial o Eng. Carlos Pimenta, o qual já tive a oportunidade de ouvir na nossa casa, onde nos deu formação como engenheiro eletrotécnico. Foi sobre o mesmo tema mas é sempre um gosto ouvir as opiniões sempre radicais que é isso que faz falta ao país, mas também faz parte do Técnico, porque nas aulas não aprendemos só sobre engenharia e também há muitas conversas sobre estas palestras que muitos só têm oportunidade de ouvir aqui.

 

A questão é a seguinte: é verdade que nós neste momento pagamos a eletricidade que é produzida nas barragens e a que é produzida nos parques eólicos, apesar de só gastarmos uma eletricidade. Ou seja, estamos a pagar o dobro do que devíamos pelo facto de estar a ser produzido nas barragens e estar a ser produzido nos parques eólicos e não haver forma de parar com umas e avançar com outras.

Os contratos que já tinham sido feitos, como são contratos de longa duração, como não podem ser cancelados a partir do momento em que decidiu avançar com os parques eólicos.

 

Portanto, apesar de ser um investimento para o país e de ser uma tentativa de mudança é um preço que estamos a pagar nesse momento, se isto for verdade. Qual é o preço a pagar relativamente a todos estes contratos que já estão feitos e toda a indústria que, como é claro, há-de querer retirar o máximo que puder para ter os seus lucros? Era essa a minha questão.

 
Carlos Pimenta

É uma questão que em si mesma dá para uma conferência como já se fez no Técnico sobre este assunto.

Há três ou quatro aspectos fortes que enquadram o problema que é deveras complexo. A primeira questão prende-se com o nosso sistema elétrico ter muitas vantagens em relação a muitos sistemas europeus. Melhor que nós, são a Áustria e a Noruega. É o facto de termos uma orografia, montanhas, que permitem ter barragens que podem funcionar ao contrário.

 

Ou seja, tal como a Noruega, a Áustria, a França, a Espanha, países com montanhas, temos a capacidade de nas horas de baixo consumo, por exemplo durante a noite em que está uma ponta de 2000mW, se eu tiver um dia muito ventoso, tenho o vento a produzir 4000mW e tenho as barragens do Douro com 1000mW. No total uma produção de 5000mW e estou com um consumo de 2000mW. Como é que lido com uma situação dessas? No fundo, é logo a primeira pergunta.

 

É o caso do Douro e da Aguieira, em que podemos atirar a água para cima e armazenar a energia. Isto é muito importante, porque tenho um clima mediterrânico em que 90% da chuva me vem em quatro meses.

Dois números que não sei se as pessoas têm noção quanto à água: o primeiro é que metade da água doce que chega a Portugal vem de Espanha. Metade da água vem da chuva e metade vem de Espanha. Segundo, é que a Espanha tem a capacidade técnica de fechar a torneira de qualquer dos rios internacionais portugueses: o Douro, o Tejo ou o Guadiana, sendo que o Minho não totalmente.

 

A Espanha tem embalses com capacidade e já o fez, já tivemos situações em que aqui no Tejo internacional praticamente era um fio de água e a mesma coisa no Guadiana. Portanto, a outra metade é da chuva e vem entre Novembro e Março 90% e entre Março e Novembro os restantes 10%. É um clima marcado por grandes assimetrias e com grandes variações de ano para o ano.

Chego a ter diferenças de um para três, de um ano seco, dois anos secos; lembro-me que quando estávamos no Ministério de Ambiente tivemos uma seca enorme com dois anos de seca e fogos florestais.

 

Tivemos o abastecimento a Lisboa meio cortado. Na altura não havia o abastecimento de água a partir de Castelo de Bode.

Portanto, temos de ter capacidade, até por uma razão de estratégia, de fazer o armazenamento não apenas da noite para o dia como o exemplo que dei da eletricidade, mas de um dia para outro da semana, de um dia de Inverno para um de Verão e de um ano para outro.

A gestão da reserva estratégica da água e de energia associada à água é absolutamente vital para o funcionamento da vida em Portugal.

 

A segunda questão, o preço. O preço que um consumidor português industrial paga é mais barato que a média da UE. Portanto, Portugal consome cerca de 8tW por ano, dos quais metade são consumidos por 19 mil consumidores e a outra metade por mais de cinco milhões. Os 19 mil consumidores que consomem metade da energia elétrica são atividades produtivas de cariz industrial ou comercial mas de grande dimensão.

Essa metade não paga um tostão para os chamados "custos das renováveis”. Foi uma política que Portugal tem ao contrário de outros países e que já levantou problemas em Bruxelas por causa da política de concorrência. Porque na prática, todos nós, consumidores individuais, estamos a subsidiar as indústrias em Portugal, estando a pagar a par do sobrecusto do investimento das renováveis o sistema da rede que eles não estão a pagar.

 

Há uma subsidiação cruzada do consumidor doméstico português, mesmo desde sempre, antes das eólicas. Antes das renováveis estávamos a falar da hídrica sobretudo.

O consumidor doméstico português, antes da subida do IVA de 6% para 23%, estava a pagar abaixo da média europeia. Porque a média dos países não tem o IVA máximo e nós agora estamos com o IVA máximo, portanto, como o consumidor não pode descontar o IVA - ao contrário das indústrias - o consumidor doméstico português está a pagar ligeiramente acima da média europeia. Não é a eletricidade mais cara da Europa, mas mesmo assim está a pagar acima da média pelo efeito sobretudo do aumento do IVA. Antes disso, apesar de estar a subsidiar a indústria estava abaixo da média europeia.

 

Os contratos de longo prazo foram feitos primeiro para viabilizar o carvão de Sines, depois para viabilizar o de Abrantes. Não fui eu que os fiz, não tenho nada a ver com isso, mas estão feitos. O mesmo para as barragens. Os CAE e os CMEC são uma história muito complicada, tecnicamente posso entrar nela depois se quiserem, mas é o que existe e dá os preços finais que dá.

Com as renováveis e os preços, passa-se o que eu disse há bocado. As renováveis têm vindo a cair de preço e o investimento de forma abrupta, sobretudo devido à baixa de preço da tecnologia e à maior concorrência de operadores no mercado.

 

Há 30 anos havia um único operador de eletricidade e um único operador de petróleos. A EDP tinha o monopólio da produção, transporte, comercialização da energia elétrica. Hoje em dia, há vários produtores portugueses e espanhóis como a ENDESA, a IBERDROLA, entre outros e já há vários comercializadores.

Portanto, já há uma concorrência, mas ainda é defeituosa.

 

Se se lembrarem do últimoslide, disse-vos que na política energética a primeira coisa a fazer é garantir que estes mercados da eletricidade, gás natural e combustíveis tem um bom funcionamento, assegurando uma liberalização efetiva, regulação independente e internalização dos custos ambientais.

Aqui está um mundo nesta frase em resposta às suas perguntas.

 

Qual é o cenário de evolução para Portugal? O cenário é bom a todos os níveis. Em primeiro lugar porque temos já uma bateria embutida nos sistemas, que é a bateria das barragens, enquanto todos os países vão ter de esperar pelo progresso das baterias propriamente ditas para instalar em casa de cada pessoa, ou nas fábricas, ou nos parques industriais, ou de pilha de combustível. Portanto, isto para fazerem armazenamento da energia produzida por fontes intermitentes.

Nós já temos no sistema grande, o das barragens, e isso tem um custo, mas é bom porque a eficiência é acima de 50% entre pôr um rio a funcionar e depois a turbiná-lo de volta.

Por isso é umassete não umaliability.

 

Qual a fotografia que faço para o futuro? Sou francamente otimista, porque acho que temos uma rede elétrica, a REN, apesar de ser um grande capital chinês hoje em dia, é uma empresa tecnologicamente muito evoluída. Teve uma enorme capacidade de passar de uma situação em que tinha uma única empresa a injetar na rede para uma situação em que tem onze mil famílias a injetar kWs, mais umas centenas de empresas a injetar mW/h, depois grandes fornecedores como a EDP a injetar de grandes barragens e tudo isto funciona sem perturbação.

 

Eu não tenho absolutamente nada que ver com a REN, nunca lá trabalhei, nem tive uma única ação da REN, mas tenho muita admiração pela REN. Por exemplo, esta tecnologia que a REN desenvolveu, veem no site da REN que num dia particularmente ventoso, a cinzento está a previsão com cinco dias de antecedência e a azul foi a produção real dos parques eólicos.

Vejam como o gestor da rede soube com cinco dias de antecedência exatamente qual era a produção que vinha da fonte mais variável e mais intermitente.

Ou seja, para a REN, a fonte intermitente que é a eólica não é intermitente porque ela sabe prevê-la e assim sabe o que tem de bombear para guardar durante a noite, sabe como precisa de mandar lançar a central de Sines ou de Abrantes a carvão, ou a central de gás da Tapada do Outeiro, porque ela sabe prever.

É isto que é uma coisa que nunca é dita nos debates: hoje em dia, com o avanço da meteorologia e da matemática, este modelo matemático que deu isto deu direito a dois resultados. Um é que foi um projeto pago integralmente por empresas portuguesas e o Estado não meteu aqui dinheiro, custou 700 mil euros.

 

Eu estive metido nisto. Deu resultado, além da ferramenta que permite à REN com cinco dias de antecedência saber gerir o que vai armazenar, deu dois doutoramentos, três mestrados e umastartupde um conjunto de jovens que tem astartupnocampusda Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e que está a exportar serviços para o mundo inteiro.

Estão a ver o que é o exemplo da nova economia. Substituiu-se uma empresa monopolista do transporte, produção e comercialização de eletricidade, por um regime muito mais liberalizado, que vai aproveitar os recursos naturais. Sendo os recursos naturais intermitentes, foi-se buscar ferramentas para previsão dos mesmos e com essa ferramenta é-se capaz de gerir o sistema, nomeadamente colocando o rio a funcionar para trás e guardar a energia enquanto não houver baterias em casa do cidadão ou um carro elétrico.

 

Porque um carro elétrico é uma bateria sobre rodas. No outro dia encontrei o Presidente da EDP e disse-lhe assim: "Sabe uma coisa, qualquer dia tem de vender eletricidade em cartões pré-carregados no multibanco.” No dia em que eu mudar para um carro elétrico - o que vai ser antes do fim do ano -, preciso é de carregar o carro num sítio qualquer e o preço da eletricidade pode ser diferente, conforme eu carrego de dia ou de noite, ou ao fim-de-semana, ou em cinco minutos ou cinco horas. Também conforme eu tenha prioridade absoluta e tenha um cartãopremium, ou vá aos descontos, e carregue no momento em que seja conveniente para a rede porque há pouco consumo e quero que haja mais gente a consumir, em vez de ter de pôr o rio a andar para trás.

 

Este governo publicou agora uma lei com a qual concordo totalmente, que liberalizou o carregamento dos veículos elétricos. Por exemplo, uma pessoa que tem um cinema, um supermercado, um estacionamento público, pode passar a ter em vez daqueles aparelhos brancos que eram de um sistema nacional da Mobi.E, agora qualquer privado pode oferecer serviços de carregamento. Carregar um carro custa 12 euros, não é caro, é mais barato que ir à bomba.

Portanto, temos muitas soluções, em vez de um sistema baseado em meia dúzia de mega-centrais como a de Abrantes pela qual se passa para chegar aqui a Castelo de Vide, vê-se no caminho. Deste sistema que tem pouca gente e que tem soluções baseadas no recurso a combustíveis fósseis importados, passámos para uma multidão de soluções: barragens que acumulam pondo o rio a andar para trás, carros elétricos, sistemas de previsão com modelos matemáticos, tudo isto são soluções técnicas feitas por pessoas diferentes em empresas diferentes num mercado muito mais dinâmico e que vão originar muito mais competitividade.

 

Posso mostrar um outroslidefeito com as contas do Ministério da Economia num gráfico de preços e, na próxima década, Portugal - estou convencido - vai ter dos sistemas energéticos mais competitivos da Europa e com maior incorporação deknow-howportuguês, porque a eletricidade vai entrar nos transportes.

Aquilo que se fez nas eólicas pode-se fazer não apenas para o solar, mas para as redes inteligentes e para a mobilidade elétrica, que é criar soluções que utilizem os recursos e que respondam em tempo real utilizando as ferramentas atuais.

Ou seja, há emprego para engenheiros.

 

[RISOS]

 
Hugo Soares
Luís Matias, do Grupo Encarnado.
 
Luis Laranjo Matias

Muito obrigado. Gostaria primeiro de saudar o Eng.º Carlos Pimenta e agradecer por ter sido um dos impulsionadores da primeira Lei de Bases do Ambiente.

A minha pergunta é: com a nova Lei de Bases do Ambiente deste ano, que nos dá as linhas diretoras da política de Ambiente e com a reforma da fiscalidade verde, considera que em matéria legislativa estão reunidos os mecanismos e instrumentos para a descarbonização e redução do desperdício?

 
Carlos Pimenta

Muito bem, obrigada. A resposta é sim.

A fiscalidade verde é muito importante e é um sonho antigo. Jacques Delors quando era presidente da Comissão Europeia e antes da Conferência do Rio em 1992, portanto há mais de 20 anos, ele dizia algo muito simples: porque é que se há-de taxar tanto o trabalho que é um recurso renovável e quando temos necessidade de aumentar o emprego? Ainda mais nesta era da robotização, computorização e diminuição de emprego por via da automação. Não é? Porque é que eu incentivo este hotel a diminuir o número de postos de trabalho porque o peso da fiscalidade e de outros custos sociais sobre o trabalho é muito grande e, portanto, as pessoas utilizam a sua criatividade e a sua imaginação para pode fornecer o mesmo serviço com menos trabalhadores, em vez de taxar o uso da energia e dos recursos e a produção dos resíduos, que esses sim preciso de poupar e usar com parcimónia?

 

Reparem que se eu desviar sem aumentar a carga fiscal como foi o mandato da comissão da fiscalidade verde, conseguir aumentar os impostos sobre o uso da água, da energia, dos materiais, produção de lixo e diminuir o equivalente à receita que vou gerar taxando essas coisa nos impostos do trabalho e no IRS, é claro que este hotel ou qualquer fábrica o que vai procurar é diminuir o uso da energia, da água e afins.

Por exemplo, quando vou vender uma caneta numa caixa, vendê-la numa embalagem e como é para oferecer vai embrulhada e com um laço, já imaginaram só nopackagingque se atira para o caixote do lixo em qualquer compra numa loja?

Já pensaram no desperdício que se faz em termos de matérias-primas e de água?

Temos um bom exemplo, no entanto, a empresa EPAL que fez um trabalho absolutamente extraordinário nos últimos 20 anos para reduzir consumos. Mas ainda temos concelhos no país em que mais de metade da água que é tratada é perdida.

A EPAL neste momento está com 8%, está melhor que Barcelona e que Londres. Tem uma aplicação que permite detetar fugas e variações de consumo.

 

Não era assim. Há 25 anos, a EPAL era tão má que eu uma vez pedi uma audiência ao Prof. Cavaco que era Primeiro-Ministro e disse-lhe que vinha de Bruxelas de propósito para lhe dar os parabéns e ele disse-me que não era preciso vir "mangá-lo” e que podia dizer o que realmente queria.

Eu disse que eu vinha dar os parabéns porque ele era Primeiro-Ministro de um país muito rico, pois só um país muito rico é que pode ir buscar água a mais de 100kms de Lisboa, a Castelo de Bode, transportá-lo com bombas elétricas a gastar eletricidade. Depois ainda tratá-la química e bacteriologicamente, ter uma armada de gente de bata branca nos laboratórios para que a água tenha qualidade. Digo que bebam a água de Lisboa pois ela é ótima. Estou farta de dizer isso até em casa que não vale a pena beber água do garrafão pois a água da torneira é ótima e responde a altos parâmetros de qualidade bacteriológica, química, em termos de transparência e tudo mais.

 

Na altura, depois regava jardins com essa mesma água, lavava carros e parques com essa água, apagava fogos com essa água e ainda perdia a água no cano a 60%. Só um país rico é que pode fazer isso. Um país remediado como a Dinamarca tem de aproveitar toda a água e ainda a recicla pois a água para regar os jardins é a água tratada dos esgotos.

A EPAL fez esse caminho, mas a maioria dos concelhos ainda não fez, ainda temos muitos com 40% e 60% de perdas.

 

Portanto, a fiscalidade obviamente não resolve só este problema, mas ajuda a resolver sobretudo se essa fiscalidade não for para carregar os impostos mas para aliviar os do trabalho. Porque eu tenho de aliviar os impostos sobre o trabalho. Não podemos pagar tanto imposto sobre os rendimentos do trabalho, ou os custos sociais das empresas. Em contrapartida, tenho de aumentar a eficiência do país no uso dos recursos, sejam eles a água, energia ou as matérias-primas.

A impressão a 3D ajuda a isso porque me ajuda a fazer sem desperdício, é o que é chamado de produção aditiva e não subtrativa. Ponho o pozinho e sai-me o aparelho sem desperdício.

 
Hugo Soares
André Saraiva do Grupo Roxo.
 
André Saraiva

Bom dia, Eng.º Carlos Pimenta e membros da mesa. Antes de mais, em nome do Grupo Roxo, gostaria de agradecer a palestra que proferiu a todos nós.

 

Em 7 de Maio deste ano o Ministro Jorge Moreira da Silva referiu que a mobilidade elétrica é uma aposta deste governo e que promover a aposta elétrica é promover a diminuição de gases poluentes e de ruído, reforçando a eficiência energética e o aproveitamento das energias renováveis produzidas em Portugal.

Face a esta posição introduziu no Ministério do Ambiente 17 veículos elétricos, promovendo a descarbonização da frota oficial do Ministério.

 

Esta posição prossegue os objetivos propostos pela Comissão Europeia para as matérias de Clima e Energia para uma economia competitiva, segura e hipocarbónica que visam nomeadamente a redução de gases com efeito de estufa em 40% até 2030.

Não restam dúvidas de que veículo elétrico será o principal catalisador da redução da emissão de gases com efeito de estufa, porém a eficiência dos veículos elétricos fica muito aquém em comparação aos veículos movidos com combustíveis fósseis.

Enquanto num carro movido a gasolina o reabastecimento dura no máximo dez minutos, um veículo elétrico durará em média quatro horas a ficar carregado e pronto a ser utilizado.

 

Referiu que a nossa busca de energia enquanto habitantes do planeta Terra passa pela procura do calor, da luz e do movimento, sendo que está nas nossas mãos escolher o meio pelo qual obtemos essa mesma energia. No que respeita à forma como nos movemos, nomeadamente ao nível automóvel, qual será no seu ponto de vista a solução mais viável para incentivar a utilização de veículos elétricos, nomeadamente na viabilidade da introdução de baterias universais standardizadas, no sentido de implementar uma boa política de baterias comunitárias?

 
Carlos Pimenta

Muito obrigado. Também uma pergunta que é um mundo. Vou alargar esse mundo. Em primeiro lugar, mobilidade elétrica não são só carros, são bicicletas elétricas. Vendem-se 20 milhões de bicicletas elétricas por ano no mundo. Nós temos uma indústria de bicicletas espalhada pelo país, nomeadamente na zona de Aveiro. Era altura de aproveitar.

 

Sabem qual é o país da Europa que vende mais bicicletas elétricas? Não sabem. É a Holanda. Sabem porquê? A Holanda é plana e por isso à partida não faz sentido.

Já experimentei subir o Chiado numa bicicleta elétrica e é um conforto, porque a pessoa está a subir, carrega no botão, dá ao pedal e todos os que me veem passar pensam que eu tenho uma grande pujança física.

 

[RISOS]

 

Agora num projeto fantástico que é o Parque de Sintra Monte da Lua já temos bicicletas elétricas para as pessoas.

Os holandeses é por causa dos velhinhos que quando chegam a uma certa idade têm artrites, reumático, mas querem continuar a ir às compras de bicicleta. Então, aquilo que em terreno plano uma pessoa jovem pedala, uma pessoa que possa carregar numa tomada normal uma bicicleta, como por exemplo as de Sintra dão uma autonomia grande, o suficiente para estar a andar a tarde toda a subir e a descer até carrega.

 

Portanto, vou expandir: mobilidade elétrica é um mundo novo, é a bicicleta,scooters, automóveis,minibuses. Mais uma vez, Portugal se apostar bem tem um mundo de oportunidades.

O que é difícil é ganhar novos empregos num mundo que está estabilizado, pois onde as oportunidades surgem é quando as coisas mudam. Quando as coisas mudam, quem tiver dois dedos de testa, uma ideia e acesso de capital de risco que muitas vezes é um problema, e uma boa ligação entre as universidades, as indústrias e as pessoas, funciona muito bem como nos Estados Unidos, por exemplo.

 

Podemos explorar portanto o mundo da mobilidade, expandindo para toda a gama de tipologia de transportes e não apenas o automóvel. Isto é muito importante. Pego em muitas cidades portuguesas e são muito acidentadas. Há outras como Aveiro que são planas e há lá muita gente a andar de bicicleta. Mas nas cidades que não têm um terreno plano as bicicletas elétricas ajudam.

Depois, isto é um mercado em expansão no mundo inteiro e no caso dasscooterse das bicicletas é maior em termos de unidades do que no caso dos automóveis.

 

Segundo: este mercado da mobilidade elétrica de uma só vez introduzida rebentava com a rede. Imaginem o que era toda a gente a chegar às 20h da noite a casa e toda a gente ligar o carro ao mesmo tempo.

Havia a pergunta do vosso colega ali da ponta, o que é que acontecia a essa hora? A luz elétrica dava um pico. Se chegasse toda a gente com o seu veículo elétrico, fosse automóvel, ou scooter, ou bicicleta, e punham a carregar enquanto iam jantar e ver o telejornal, é óbvio que a rede não aguentava.

 

Por exemplo, no meu escritório, na garagem, na cave, já nas obras que houve agora mandei instalar carregadores de carro daqueles que demoram mais de 4 ou 8h, mas já com uma ligação de Internet também. Por quê? Para permitir a tal comercialização flexível que vai vir no futuro.

Vamos supor que o trajeto médio de um português é menos de 100kms por dia vivendo nas áreas urbanas. Todos os modelos de veículos elétricos que estão à venda no país, satisfazem esse trajeto. Ou seja, para o pendular diário satisfaz.

 

Se a pessoa chegar a um sítio e ligar o carro à tomada, mas a não ser que tenha o tal cartãopremiumque no futuro há-de dizer para aqueles que querem que quando liguem à tomada venha a eletricidade, porque pode ligar mas não vir nada senão quando convier à rede e aí a pessoa pode ter um preço de desconto.

O carro amanhã, na nova geração de carros, em vez de receber só eletricidade ac-dc, ou seja corrente alterna e corrente contínua, ser ac-dc e dc-ac, tal como eu já pedi à Universidade do Porto para me trabalhar isso que eu vou pôr no meu carro. Ou seja, o carro ser uma bateria sobre rodas.

 

Por exemplo, ter um tarifário bi-horário em que carrego o carro à noite e durante o dia, à hora de ponta, se estou parado, o carro poder vender para minha casa. Ou seja, estar a consumir para o frigorífico a partir do carro em vez de estar a comprar à rede.

Portanto, isto implica telecomunicações e inteligência distribuída, novas oportunidades de emprego e de negócio.

Ou seja, nós queremos um país inteligente. É isso que se quer dizer comsmart country,smart grid,smart transportation. Quero um sistema dinâmico. A última coisa que quero é sistemas estáticos, estúpidos.

 

Sabem como é que no mundo inteiro a rede elétrica foi planeada? A eletricidade é um bem muito esquisito, porque é o único bem que a cada segundo a oferta e a procura têm que se equilibrar. Imaginem o que era a 2ª Circular à hora do jogo do Benfica contra o Sporting neste domingo.

Nós lá em casa somos todos do Sporting, o meu filho foi a pé de Alvalade até à Luz naqueles três mil que foram para a gaiola, portanto perdeu umas horas ao sol.

A 2ª Circular esteve fechada. Imaginem o que era se a rede de infraestruturas de transporte fosse planeada como é a rede de eletricidade. A rede de eletricidade não pode ir abaixo, não pode terblackouts. Se não pode terblackoutsno momento da procura máxima ela tem de responder.

 

Isto significa que tenho a rede elétrica toda, no mundo inteiro, dimensionada para ponta. Ou seja, a ponta histórica em Portugal foi à volta dos 9000mW. A ponta máxima diária normal está abaixo de 7000mW e à noite está a 2000mW. Tenho tudo dimensionado para os 9000mW com o excesso de pelo menos 25% acima.

Se a 2ª Circular fosse feita assim, à hora do Benfica-Sporting, tinha 12 faixas para cada lado.

 

Se este café que tem a maior parte do tempo muito poucos hóspedes, depois vem a Universidade de Verão por causa do Carlos Coelho e tem aqui uma centena de pessoas e eu tivesse de ter lá em cima, durante o ano inteiro, o tamanho de balcão e o número de funcionárias a servir cafés e máquinas de cafés para que vocês tenham o mesmo tempo de espera do que quando tem poucos clientes, o hotel fechava ao fim de seis meses. Obviamente, porque esteve um balcão gigantesco com um exército de funcionários e de máquinas de café atrás tudo parado "à espera de Godot”. Isto era o passado, o futuro é uma rede elétrica dinâmica.

 

Tenho que fazer o chamadopeak shaving, que é cortar a ponta. Falei há pouco dos frigoríficos que podem ser deslocados e a mobilidade elétrica é uma oportunidade de ouro para eu ter uma rede inteligente. Produção descentralizada: vou instalar mais uns kWs em minha casa para ao menos no fim-de-semana, ou a horas em que estou a trabalhar em casa e haja sol, eu possa carregar com o sol a partir da minha eletricidade pois ela é mais barata do que a que a rede me provê. Para que eu possa acumular dentro do carro e depois possa ter o carro a fornecer à noite.

O mesmo se diz para umascooter, ou uma bicicleta, ou para uma cidade ao nível dos transportes públicos.

 

Portanto, a primeira resposta é que é verdade aquilo que disse sobre as baterias elétricas, mesmo as mais modernas e o carro que está aqui é o melhor elétrico que há no mundo, é o Tesla americano.

Sabem quanto é que vale neste momento esta empresa na bolsa e não é pelo número de carros que vendeu pois só vendeu 22 mil? Vale metade da General Motors. Por quê? Porque as pessoas estão à espera do crescimento.

 

Resumindo: é verdade que as baterias hoje podem ser carregadas em 20 minutos mas com um carregamento rápido, especial, em postos de carregamento com outras características, mas carregar na ficha normal demora várias horas.

Só quero corrigir uma coisinha: eles, em termos energéticos, são sempre mais eficientes, sobretudo se a eletricidade for de fontes renováveis, aí é de caras. Porque o motor térmico tem uma eficiência de 30% por causa da energia termodinâmica, não passa daí, e o circuito urbano vai nos 15%.

 

A mobilidade elétrica é uma grande oportunidade para Portugal ter soluções nas quatro rodas, nas duas rodas, nos minibuses, nos Salvadores Caetanos de fazerem veículos. É uma grande oportunidade.

Sabem que a EFACEC exportou no ano passado vários milhões de euros de carregadores elétricos para o mundo inteiro? Porque a EFACEC conseguiu desenvolver um modelo tecnologicamente avançado de carregador elétrico e no ano passado já contou à volta de 12 milhões de euros de exportação para carros.

 

Portanto, é uma nova indústria, uma indústria virgem que ainda não está canibalizada pelos grandes grupos empresariais do mundo e onde ainda há lugar para a indústria e universidades portuguesas para projetos portugueses em todas as dimensões. Não apenas na dimensão dos veículos, mas também dos carregamentos e das telecomunicações.

 
Hugo Soares
Miguel Maia do Grupo Rosa.
 
Miguel Maia

Muito bom dia, Eng.º Carlos Pimenta, e muito obrigado pela sua intervenção aqui hoje.

Como é do conhecimento geral, Portugal possui uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo. Posto isto, não faria sentido que se investisse mais na energia hídrica, uma vez que possuímos um potencial enorme neste campo?

 
Carlos Pimenta

Acho que o que se fez até agora está bem feito, mas pessoalmente tenho algumas duvidas sobre os empreendimentos que estão nopipelinepara o futuro. A energia hídrica é a melhor e maior fonte de produção de eletricidade. Tem, além disso, a função de armazenar água e energia, o que é bom. Estão a ser feitas algumas barragens que reforçam estas duas componentes: armazenamento e produção.

 

Quando atiro mais para a frente o investimento na energia hídrica é pesado, tudo aquilo é betão. Portanto, quando passo por um determinado momento vou entrar em concorrência com modos alternativos de produção da mesma energia, se há o desenvolvimento que eu penso que vai haver, como estou a acompanhar o que se vai fazer, nomeadamente no MIT em Stanford, Chicago, e também na Coreia.

A nível de baterias, neste momento, está por exemplo em teste uma bateria que tem a capacidade do dobro da densidade energética de armazenamento do que a melhor bateria de lítio deste carro.

 

Aliás, esta gente está a fazer com a Toshiba uma mega-fábrica que vai produzir estas baterias que são as melhores que há no mercado de hoje, a menos de metade do preço, num processo parecido com o da energia fotovoltaica. Este carro tem uma autonomia de 400kms, atenção. Sabem qual é o modelo de negócio deste carro? É que ao fim de quatro anos compra a bateria de volta e vende a uma casa, porque a bateria já não tem condições de resposta para um carro mas armazena a energia que uma casa precisa durante cinco dias - três dias e meio na América, cinco dias na Europa. Por isso é que o modelo de negócio deles é recomprar a bateria.

 

Mas, atendendo à sua pergunta: a determinado momento vou ter a barragem a competir com a bateria do carro. Porque se já tiver satisfeito a necessidade das barragens por razões hídricas, ou seja, abastecimento humano, armazenamento de água, rega, produção de energia elétrica, e se estiver a fazer aquele delta a mais aí a barragem já não é multifunções mas para um fim muito específico. Depois, tenho de comparar esse fim específico com a maneira como posso resolver esse problema de outra forma.

 

Pronto, eu penso que vai haver um grande progresso nos próximos cinco anos nas baterias. Penso mesmo que uma nova bateria com capacidades de acumulação técnico-económica superior à que hoje existe, acontece antes no fim desta década.

Há várias experiências em paralelo, com vários tipos de bateria. Agora não temos tempo para eu vos explicar isso, senão teria todo o gosto.

No dia em que isso acontecer, é o telemóvel da Energia, não tenham dúvidas. Estamos a falar de um mercado que se reorganiza completamente e de soluções que se reorganizam completamente.

 

Agora, não queria que no meio de toda esta conversa tecnológica - que como sou engenheiro gosto muito de tecnologia -, se perca a noção inicial que eu dei que é mais importante: eu não bebo petróleo, não respiro gás e não posso tocar em eletricidade viva. O que me interessa é o calor, a luz, o frio, a mobilidade, os usos da energia.

Quando desenho um prédio, uma cidade, um sistema de transportes, tenho de pensar em resolver o problema de uma forma em que ela automaticamente seja mais amiga do ambiente e da economia do emprego.

 

Isso é fundamental. Uma casa mal construída, que tenha por exemplo como em Portugal a frente virada a Sul, é uma casa que vai ter um forno o resto da vida. A casa não deve estar virada a Sul e se estiver porque tem de estar pois a rua está virada a Sul, então tenho de pôr sombreamento. Desde toldos a palas, ou mesmo coisas de cimento na horizontal.

Um dia destes um padre que dirige uma misericórdia, depois de me ter ouvido na rádio telefonou-me, eu não o conhecia mas ele era simpaticíssimo. Disse-me que os velhinhos passam muito frio no Inverno e que eles não tinham dinheiro para o gás.

 

Eu perguntei-lhe como é que estava o telhado. Ele disse que o telhado estava mal e até chovia um bocado lá dentro. Ele queria instalar um sistema de aquecimento e eu disse-lhe que a primeira coisa era arranjar o telhado, porque senão é como ir tirar a água com o balde roto. Se o balde está roto, tanto me faz pôr a água de roldana ou de outra maneira, porque acabo sempre com o balde vazio no fim do dia.

Com o telhado roto posso aquecer a casa com o petróleo, com o gás, com o solar, com a lenha, com o que quiser, mas o ar quente sobe e sai. Metade do calor vai pelo telhado e a outra metade vai pelas janelas e pelas frinchas das portas, os velhinhos ficam com frio e o padre paga a conta.

 

Portanto, tem de ser fazer primeiro a obra, arranjando boas vontades lá na terra para ver se isola o telhado e depois as janelas. Após concluir-se os sistemas passivos é que vamos pegar nos sistemas ativos, porque uma vez feito o sistema passivo é de borla, é o investimento inicial mas depois de feito, a manutenção é mínima.

 
Hugo Soares
Obrigado. João Pedro Oliveira do Grupo Amarelo.
 
João Pedro Oliveira

Muito obrigado. Quero, em primeiro lugar, sendo eu quem vai terminar o rol de perguntas, cumprimentar a organização, agradecer a presença do Eng.º Carlos Pimenta, elogiar o seu dom natural de exposição que mostra que é um homem das Ciências. Também sou, portanto estou a "puxar a brasa à minha sardinha”.

 

Já agora, falando aqui dos meus colegas, quero também elogiar as perguntas que eles fizeram porque acabaram por dificultar a minha tarefa e puxar bastante à minha criatividade.

 

A minha questão prende-se com o seguinte: disse na sua apresentação, a certo momento, que a sustentabilidade energética passa por um combate do próprio desperdício.

Sou ligado à área da construção e considero que ao nível da certificação energética das construções, sejam as atuais ou as que já foram feitas, não temos os padrões adequados aqui em Portugal. Um país que supostamente é avançado, e infelizmente acho também que os técnicos responsáveis por garantir esses padrões não têm os conhecimentos adequados.

 

Queria saber qual a sua opinião sobre esta matéria e se considera que este assunto se encontra devidamente estruturado e implementado no nosso país.

Obrigado.

 
Carlos Pimenta

Fecha com chave de ouro. Aquilo que eu estava a dizer há bocadinho na resposta das barragens acabei por cair na resposta. Vou-vos dar um conselho a todos, que o Carlos já ouviu muitas vezes: vão a Fátima. Vão a Fátima. Não estou a fazer propaganda religiosa, mas vão a Fátima ver a nova igreja, a catedral, que lá está.

 

É um exemplo do melhor que se pode fazer. O caderno de encargos foi mandado fazer pela conferência episcopal à Faculdade de Engenharia do Porto em que maximizasse a luz, a climatização e a ventilação naturais. O próprio caderno de encargos nos seus termos de referência que foi a concurso obrigava os arquitetos e depois as empresas construtoras.

Uma igreja, tal como uma sala de conferências, ou um pavilhão gimnodesportivo, é muito mais difícil de planear do que uma casa. Porque uma casa tem um padrão de ocupação que é muito mais estável. Numa igreja como aquela tenho momentos em que está vazia, ou dezenas de pessoas a entrar e a sair, ou nove mil pessoas lá dentro.

 

Quando tenho lá nove mil pessoas, tenho o respirar delas, a necessidade de oxigenar o ar e são picos de utilização que tornam mais difícil programar. Entram lá dentro ao fim do dia e parece que está mais claro do que cá fora. Consegue levar a luz natural a sítios que pensamos que não é possível como por exemplo cá abaixo, por baixo do piso principal.

Estava ali um amigo na segunda fila a dizer que é mais caro. Eu digo: com certeza, mas é caro e é barato.

 

Vou-vos dar um exemplo que dou sempre nas minhas aulas. Quando metem numa casa o velho painel solar de água quente, pagam o sistema, vamos supor que são mil euros pelo painel, pelo depósito, pelos canos e isso tudo. Ou isso é bem executado com os canos bem isolados, um depósito que faz uma boca permuta de calor entre a serpentina que vem do circuito fechado do painel até ao depósito, ou vai-se ter dois problemas.

 

O primeiro é que gastou o dinheiro todo e não tem água quente e o segundo é ter um duche frio. Porque se não fizerem este investimento e fizerem um muito mais baixo, que é um velho, vulgar, esquentador, o preço do duche é o preço do gás.

Quando amanhã tomam um duche o preço do duche, se for com esquentador e gás, é basicamente o preço do gás, porque a amortização do custo da instalação do esquentador pelo número de duches que aquele esquentador vai dar faz com que seja um custo irrisório.

Portanto, se o esquentador deixar de funcionar bem, eu troco o esquentador e não é isso que me faz o duche mais caro, porque o que é caro é o preço do consumo do gás.

 

Uma central térmica a carvão ou a gás natural é a mesma coisa. A tecnologia é muito mais barata, amortizada pelo número de kW/h que vai fazer. O que é caro é o combustível. Logo, em Portugal a balança de pagamentos de produtos energéticos num ano pode ser de cinco mil milhões de euros e noutro ano pode ser o dobro. Depende só de duas coisas: a cotação do euro face ao dólar e o preço do barril do petróleo, e nós não controlamos nenhuma delas.

 

Num ano, pela mesma quantidade de gás, petróleo, carvão, pagamos cinco mil milhões de euros e no ano seguinte pagamos o dobro. Estou a falar-vos de números concretos dos últimos anos, em que de um ano para o outro passa de cinco mil milhões de euros para dez mil milhões de euros. É o preço do BES! De um ano para o outro! E nós não dizemos nada nem mudamos! Foi em 2008 para 2009, nem é preciso ir mais longe.

A mesma quantidade de produto, o mesmo gás, o mesmo petróleo, o mesmo carvão, para dar energia que vocês usam para vossas casas custou só o dobro! Só mais cinco mil milhões de euros, mais nada!

 

Quando você faz uma igreja como a de Fátima, ou por exemplo a zona da Expo em Lisboa que tem um consumo de energia por m2 construído que é de metade em relação à cidade de Lisboa. Metade! Por quê? Porque aí também houve projeto, antes de se começar a pôr os prédios em cima pensou-se em soluções passivas e ativas. As pessoas que lá vivem e trabalham, que são quase 30 mil, não têm diferença das que estão em Telheiras ou noutro sítio qualquer da cidade em que não pensam.

No entanto, estão a usar para a mesma vidinha a mesma luz, o mesmo aquecimento, o mesmo transporte, o dobro da energia no resto da cidade do que na Expo.

 

Portanto, fazer as coisas a pensar. A catedral de Fátima é um bom exemplo, porque ao contrário do parque escolar, ou deste edifício de investigação de oito andares que vi numa das faculdades mais modernas do país em que não se abria uma só janela e até o ar no rés-do-chão era forçado 24h por dia. Um edifício acabado de inaugurar e que custou uns milhões de euros.

Fui lá dar a conferência e claro que o reitor não ficou satisfeito. Não digo qual é para não envergonhar o senhor, mas é das grandes.

 

Temos em Portugal todo oknow-howe, atenção, há curvas; eu não quero buscar a técnica somente pela técnica, porque o ótimo é inimigo do bom. Posso fazer hoje um edifício com necessidades térmicas de 0% em relação ao clima, mas isso pode ser muito caro, portanto tenho de fazer um equilíbrio entre o custo de investimento e o custo de funcionamento, entre aquilo que são sistemas passivos e ativos.

Agora, por exemplo, estou a fazer uma experiência numa casa de um familiar que está a ser reconstruída e que caiu na asneira de me consultar. Estou a fazer uma experiência que acho que vai funcionar, mas só posso dizer daqui a um ano, que é geotermia de baixa temperatura mas em que a bomba de calor só funciona no Inverno.

 

Ou seja, o buraco no chão a vários metros, a partir de certa altura o chão não muda de temperatura está ali a 12ºC ou 13ºC, dependendo dos sítios. Em Portugal, Canadá, Suíça, entre outros, isso acontece e a temperatura mantém-se constante, façam-se 35ºC como aqui em Castelo de Vide, ou -2ºC como na Guarda no Inverno. Não interessa, pois o chão a partir de uns metros está sempre à mesma temperatura, por isso pode ser uma fonte quente de Inverno e uma fonte fria de Verão.

Portanto, vou passar lá a serpentina no chão, depois tenho uma bomba de calor daquelas mesmo eficientes, basicamente é um frigorífico que funciona e depois tenho por baixo do chão a serpentina para no Inverno ir buscar o calor lá abaixo e ponho-o dentro de casa por baixo do chão. Com o teto falso tenho outra serpentina mas no Inverno não vou pôr a funcionar, que é só a temperatura da água que é arrefecida lá em baixo no chão e que me põe o teto a 12ºC ou 13ºC, e portanto o ar fica mais frio e vai descer para dentro da casa sem outra coisa que não seja o motor de circulação da água.

 

Isto são soluções que não são muito complicadas, não são ciência para foguetões. Agora, o velho isolamento, o vidro duplo, a boa orientação da casa, por exemplo ter umas janelas a Norte em baixo que deixa entrar ar fresco no Verão e ter janela a Sul em cima para que haja uma circulação normal do ar, favorece imenso a casa. Respiro sem ter mecanismos forçados.

 

Termino com isto: meus amigos, os edifícios são 36% a 38% da energia toda que consumimos em Portugal, a mobilidade também é quase a mesma coisa. Portanto, quando falarem de energia não deixem que não se fale do construído e do móvel. Quando estamos a falar do construído e do móvel, estamos a falar da gestão da cidade e do ordenamento do território.

 

Quando querem fazer casas fora dos sítios urbanos consolidados em vez de recuperar os centros urbanos, estão a fazer um sumidouro de energia e de dinheiro para os próximos 50 anos. É isto. Quando se aprova um condomínio fora do centro urbano e se deixam degradar as casas do centro urbano posso ir de carro elétrico para o condomínio, posso ter casas isoladas a 0%, mas continuo a ter uma pior pior solução do que recuperar o centro urbano aqui de Castelo de Vide por exemplo e ter as pessoas a morar onde já há tudo.

 

Portanto, a gestão da cidade, a nova vocação dos autarcas, tem de ser uma vocação em que o território é um centro de oportunidades e criatividade. Oportunidades e criatividade fazem surgir novas empresas, novos empregos e novas soluções

 

Muito obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Agradecemos ao Eng.º Carlos Pimenta a primeira aula da Universidade de Verão 2014. O Hugo Soares e eu vamos acompanhar o nosso convidado à saída. Peço ao Duarte Marques e ao Pedro Esteves para conduzirem os trabalhos a partir daqui.

Ainda regresso à sala dentro de uns minutos para vos dar algumas informações.