ACTAS  
 
9/5/2014
Jantar-Conferência com o Doutor António Murta
 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Doutor António Murta

Senhores Deputados

Senhores Conselheiros

Minhas senhoras e meus senhores

 

Todos sabemos – excepto o nosso convidado – que iniciamos os jantares na UV com um momento cultural. Trata-se de uma leitura poética, protagonizada por dois grupos.

 

O Grupo Cinzento, através da voz da Ana Carolina Sousa, vai ler "Cântico Negro”, de José Régio. O Grupo Cinzento escolheu este poema "porque a poesia é também melodia. Ele canta o conformismo que a sociedade apodrece, a sufocante pressão de que a mesma padece, as imposições alheias de seguir um caminho que não nos pertence. Porque de mais ninguém é o mundo senão nosso, traçaremos nós o norte que nos guiará, venceremos o medo que se nos afigurará, alcançaremos o lugar que o nosso percurso nos deverá. Porque somos livres para escolher e, acima de tudo, livres de viver.”

 

O Grupo Azul, através do Tiago Martins, vai ler "Aqui diante de mim” de Miguel Torga. O Grupo pergunta-se "quem somos nós?”

Depois de terem visto o vídeo da vida de Francisco Sá Carneiro, fizeram uma introspeção e questionaram-se: "será que temos a mesma força de Francisco Sá Carneiro? Será conseguimos ser mais? Será que conseguimos ser convictos e assertivos o suficiente para ir à luta, sem medo, como ele foi?”

 

Vamos então ouvir as escolhas destes dois grupos.

 

[LEITURAS, APLAUSOS]

 
Luis Laranjo Matias

Caros colegas, peço a vossa atenção.

Hoje, a noite é muito especial, porque recebemos na nossa casa um visionário, um exemplo e uma inspiração.

 

Engenheiro, com um MBA pela Universidade do Porto e ainda com o Advanced Management Programme pelo INSEAD, tem vindo a lecionar vários cursos em institutos e faculdades portuguesas. É também o fundador da empresa Enabler, de integração de sistemas de informação focados no retalho e fundador da Mobicom, empresa especializada em soluções móveis.

Atualmente, émanaging partnerda Pathena, sociedade de investimentos eventures.

 

Brindemos ao Eng.º António Murta.

 

[APLAUSOS]

 

Como tinha dito, pela enorme referência de criação e inovação, em nome do Grupo Encarnado, ofereço-lhe uma mascote miniatura. É um símbolo também da nossa inovação e criação. Obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

O nosso convidado desta noite tem comohobbya literatura e música clássica com ênfase no piano, a corrida e o ténis, mas também pintura e escultura.Hobbiesnão lhe faltam.

O livro que nos sugere é "The Second Machine Age”, a comida preferida é pezinhos de coentrada e o filme que nos sugere é "A melhor juventude” de Marco Giordana. O animal preferido é o cão e já teve vários. A qualidade que mais aprecia é a seriedade e a honestidade intelectual.

 

Para lá da honestidade intelectual, o nosso convidado de hoje distingue-se também pela capacidade de inovação, como aliás já foi recordado pelo Luís.

É um empreendedor, um empresário, mas é sobretudo um homem - e foi bem dito - visionário. Apostou nas Novas Tecnologias e fê-lo com muita distinção. Trabalhou em Portugal e no estrangeiro.

Para lá da atividade económica desenvolvepro bonouma ligação à Universidade do Minho cujos órgãos de gestão pertencem ao conselho geral e preocupa-se em trazer à Universidade do Minho polos de inovação e estudantes e instituições do ensino superior do mundo inteiro.

 

Portanto, é um homem com vida, um homem do mundo e que provou a sua criatividade e a sua capacidade de fazer. Por isso, tirando partido da presença de alguém com esta experiência faz sentido reproduzir um pouco esta noite do vosso trabalho que fizeram no trabalho de grupo.

Os participantes da Universidade de Verão de 2014 tiveram como trabalho de grupo mais importante analisar os 40 anos da democracia portuguesa e ver quais foram as reformas mais importantes, identificando também três reformas que consideram importantes para o seu futuro.

De certa forma, ajudarem-nos a pensar qual deve ser a estratégia e o programa na área do PSD para corresponder às expectativas que eles tiveram aqui.

 

Tiveram esta capacidade de analisarem 40 anos para trás e alguns anos para a frente, logo parece justo fazer essa pergunta ao nosso convidado de hoje.

Dr. António Murta, como é que vê Portugal nos próximos 20 anos? O que acha que temos de fazer? Quais são as nossas vantagens e fragilidades? Como é que podemos mudar Portugal nos próximos 20 anos?

Minhas senhoras e meus senhores, para responder à minha pergunta e às vossas, no penúltimo jantar-conferência da Universidade de Verão de 2014, o Dr. António Murta.

 
António Murta

Muito obrigado, antes de mais nada, pela vossa cortesia. Tenho muito prazer em estar aqui convosco. É muito agradável estar rodeado da energia que vocês representam e deixem-me começar por dizer que gostei muito de ouvir e sobretudo sentir os dois poemas que há pouco foram apresentados pois representam excelentes escolhas. Desde logo, foram escolhas que estão bem relacionadas com o espírito daquilo que se chama social-democracia.

 

Vamos falar um bocadinho sobre o futuro. Costumo dizer que não tomo nada de particularmente forte, tomo café, mas vivo diariamente no futuro. Trabalho em ventures que são pequenas empresas que se querem projetar para serem grandes, ambicionam-no. Ou seja, por deformação profissional, eu todos os dias trabalho no futuro e quando volto a casa regresso ao presente.

 

Portanto, quando me desafiaram para vos interpelar, pensei no que vos podia trazer para agregar valor, para contribuir para o vosso debate e foi justamente nesta questão que quis falar, correndo o sério risco de estar completamente equivocado e de estar apenas a partilhar a minha opinião convosco.

Então, deixem-me falar-vos um bocadinho do contexto internacional que temos, depois de Portugal e finalmente enumerar um conjunto de aspetos que acho que fosse boa ideia assumirmos enquanto cidadãos.

 

Vou começar por vos mostrar esta obra de arte que foi vista por mim na Corunha, no Museu da União Fenosa há uns dias. Estive de férias, infelizmente a minha mãe esteve doente e tive de partilhar as minhas férias com a minha mãe pelas razões erradas e não pelas certas, e tirei um dia para ir ver dois museus à Corunha. Num desses museus vi esta instalação que, já agora, representa a Europa.

Aquela casa que ali está, como se pode ver, está incompleta, é feita de muitas bandeirinhas que não cobrem todas as partes da casa e esta encontra-se presa por arames.

 

Isto é a Europa que temos. Achei este quadro particularmente feliz, porque representa uma Europa inacabada, incompleta, pouco solidária em alguns casos e sinceramente pouco coesa enquanto casa. Um dos atributos das casas é que elas têm de ser fortes, não podem cair. De facto, achei este quadro particularmente feliz. Ele ganhou o segundo prémio e achei que foi bem atribuído.

 

Achei tão interessante que decidi começar por isto. A obra é de um artista espanhol mas representa bem os desafios de Espanha como representa bem os desafios de Portugal.

Vocês vão ver que eu vou usar muitas pinturas e gravuras, gosto muito de Arte. Passei a tarde ali em Portalegre a ver obras de grandes pintores portugueses traduzidas em tapeçarias. Este quadro é o Amadeo de Souza Cardoso e representa bem um navio de Portugal no meio de uma tempestade.

 

Estamos todos fartos de ouvir a palavra crise que marca a nossa realidade desde 2008 e convém que tenhamos noção dos atributos desta crise.

Esta crise começou indubitavelmente por ser uma crise bancária. Não preciso de explicar isto, porque os eventos recentes são por demais auto-explicativos, mas gostava que percebessem que além de ser bancária também é uma crise do poder.

É uma crise do governo e do Estado. Quero recordar que nos Estados Unidos, os produtos que chamamos de lixo tóxico, que representam os ativos tóxicos de embelezamento de ativos que não existiam, só existiram porque políticos queriam que pessoas que não podiam ter casas, que não podiam pagá-las, as tivessem.

 

A realidade é que o governo federal dos Estados Unidos é literalmente culpado porque foi conivente com a banca ao lançar estes produtos. Já entre nós, de uma maneira quiçá mais pequena - e desculpem se vou ser politicamente incorreto - o triângulo poder local, construção e imobiliário é no mínimo tóxico - desculpem-me a expressão.

Não foi tão grave quanto o problema dos Estados Unidos, mas é igualmente danoso, fortemente danoso.

Portanto, gostava de referir que esta crise não é só bancária, é uma crise do governo e do Estado.

 

A terceira questão, que também gostava de deixar clara, é que esta crise é intergeracional porque sistematicamente as nossas sociedades protelam problemas e ao fazê-lo estão literalmente a promover desequilíbrios entre benefícios de hoje e os que poderão não existir amanhã.

Pessoalmente, em minha casa, aos meus filhos, digo que eu não vou ter reforma. Já agora, eu não me preocupo que não vá ter reforma, porque provavelmente tenho poupanças suficientes para eu próprio me suportar porque poupei para isso.

Mas preocupa-me que aquilo que chamamos de Estado social não exista, porque foi uma construção por demais importante na Europa para nós hipotecarmos apenas e somente porque não conseguimos tomar decisões.

 

Gostava, portanto, de referir três atributos da crise: a crise começa por ser bancária; depois é uma crise de poder, de Estado, de falta de regulação e de compadrio, nalguns casos, digamos, uma tolerância com o intolerável; e, terceiro, é uma crise intergeracional que não promove os equilíbrios certos entre gerações.

Na mesma exposição em que vi aquele quadro que vos referi há pouco, encontrei esta escultura que se chama "O Pressionador”.

Como veem, aquilo é um sofá pressionado por uma barra de aço e lembrei-me da Troika e do aperto que todos vivenciámos nos últimos anos e vamos continuar em parte, provavelmente, a vivenciar.

 

Achei, mais uma vez, esta intervenção artística particularmente feliz porque é elucidativa das pressões a que estamos submetidos. Experimentem sentar-se naquele sofá. Não é agradável, pois não? Não é um sofá confortável. É a tradução de onde estamos.

 

Para onde vamos? Vamos para uma desalavancagem dolorosa, porque a taxa de participação da economia financeira no mundo é demasiado alta. Ela tem de baixar nos próximos anos.

Vamos para o aumento da regulação bancária; não é preciso explicar isto, basta ver pelos eventos recentes.

Vamos para uma diminuição do peso do Estado, que é absolutamente necessária e que ainda não aconteceu em Portugal.

 

Diria, para todos efeitos, que não aconteceu porque, entre outras coisas, os cidadãos portugueses provavelmente também não querem que ela aconteça nem assumir as consequências do que ela significa.

Vamos para, talvez o que é o mais importante, o aumento da consciência dos cidadãos para os custos das suas pretensões. As democracias estão cada vez mais a tratar os cidadãos como se fossem crianças que só querem ouvir coisas agradáveis e nós vamos ter de ser capazes de falar das coisas que não são agradáveis.

 

Devo dizer que, desse ponto de vista, nos últimos três anos Portugal tem feito um progresso enorme e temos discutido coisas que não discutíamos. Ainda bem que as temos discutido porque é necessário discuti-las.

Há outros países que nem sequer estão aí.

Costumo dizer que há três tipos de coisas: as coisas que se sabem, as que se sabem que se sabem, as coisas que sabemos que não sabemos e há as coisas que a gente nem sabe que não sabe. Os brasileiros têm uma expressão: "eles não estão nem aí”. Ou seja, eles nem sabem que não sabem.

 

Quando um tipo não sabe que não sabe não pode sequer aproximar-se do problema. A França está nessa posição: ainda não sabe que não sabe. Daqui a três anos vão saber, talvez antes, porque o dinheiro não vai chegar. Nessa altura, acho que muitos cidadãos portugueses vão ter mais respeito por aquilo que se passou nos últimos três anos em Portugal e vão sentir que se calhar as coisas tinham razões que justificavam alguns debates que não eram populares.

Porque ninguém tem prazer nenhum em pressionar para lá do razoável o sofá.

 

Para onde vamos? Vamos questionar os partidos enquanto máquinas do poder em si. Há um sentimento generalizado de não reconhecimento nos partidos. Há uma pressão no sentido de aumentar a democracia direta. Seja por representação uninominal, seja inclusive por consulta permanente.

Quero recordar que se a gente faz tanta coisa pelo telefone também pode votar, mais tarde ou mais cedo. Isto significa participação em atos de decisão.

Os partidos não podem pura e simplesmente esquecer isto. Os cidadãos sabem somar dois e dois.

Vamos para uma pressão neste sentido. Vamos para maior transparência, cada vez mais. A cousa pública tem de ser demonstradamente bem gerida e vamos com certeza ter de questionar as fronteiras do estado social.

 

Gosto de citar um senhor que foi um gestor extraordinário, apesar de ter começado como ditador, mas depois fez um excecional trabalho. É um senhor chamado Lee Kuan Yew que foi Primeiro-Ministro em Singapura durante muitos anos.

Ele criou e é responsável pela Singapura tal como nós a conhecemos. Singapura passou do primeiro mundo para o terceiro mundo em 30 anos. Tal não teria sido possível se ele não tivesse tomado decisões duras.

Umas delas foi ter convidado - e desculpem a expressão que é um eufemismo - todos os habitantes e cidadãos de Singapura a poupar, mas não lhes deu a permissão de não poupar; poupou por eles, cabimentou e cativou parte dos seus salários.

 

Disse-lhes que o dinheiro era deles e que ia devolvê-lo com juros e fê-lo passados anos, mas no interlúdio poupou por eles. Por que o fez? Porque precisava de investir e com qualidade. Não há poupança sem investimento. Fê-lo, porque precisava que o consumo fosse reduzido para dar lugar ao investimento.

Ora, isto não foi popular no seu tempo, mas 20 anos volvidos, Singapura era uma pequena economia de primeiríssimo mundo.

Acho que temos de olhar para Singapura para olhar para algumas coisas que eles fizeram. Obviamente pensam de formas muito diferentes da Europa, mas merecem ser tratadas e devemos conhecê-las.

 

Isto é o Google Car. É um carro que já está legal no Nevada, na Califórnia e já é possível comprar um carro que se guia automaticamente. A minha mãe tem 80 anos, não sabe conduzir. Já comecei a explicar-lhe que ela se calhar ainda vai usar um destes e vai dizer ao carro para a levar para a aldeia e o carro lá vai de forma segura.

Isto é uma coisa que parece positiva, porque obviamente para todos efeitos representa um novo padrão de mobilidade. Isto já funciona, não cria acidentes, funciona bem. Só que gera desemprego em massa ao nível profissional.

 

Aqui, vão-se colocar questões do género: devemos aceitar isto, ou não? É comparável com o que se tem passado nos últimos dias com o Uber na Alemanha. Vamos ter cada vez mais de nos questionar se a tecnologia é para nos ajudar, ou é para não nos ajudar. Eu gosto muito de tecnologia, mas não quero esquecer-me que a tecnologia é um meio para nos ajudar como Homens e não para ser um fim.

 

Qual é o problema que vão enfrentar? Pela primeira vez no mundo, acho que o nível da automação inteligente da sociedade é de tal forma rápido que nós não conseguimos garantir criar emprego à mesma taxa que estamos a destruir.

Isto representa potencialmente desemprego estrutural. Digamos que o efeito de Schumpeter - para citar o economista austríaco - funciona demasiadamente lento.

Isto é um problema, mais uma vez. Não queremos suspender a inovação tecnológica, que é de facto um bem inestimável para os homens, mas também não queremos que uma porção significativa de pessoas no mundo não tenha trabalho.

 

Não temos respostas para estas perguntas e elas são pertinentes. Um dos livros que vos recomendei, quando vocês me perguntaram, é um livro chamado "The Second Industrial Age”, que foi publicado por dois economistas do MIT no princípio deste ano e é justamente sobre esta questão do impacto da automação do trabalho humano.

Já não quero falar do senhor Ray Kurzweil que é um futurólogo; eu sou membro da Associação Americana de Futurologia e não quer dizer que sou igual ao Zandinga. Quer dizer que trabalho em perspetiva. Esse senhor sim é um visionário, eu à beira dele sou apenas e somente um reles aprendiz: o Ray Kurzweil é um homem que criou uma universidade chamada Universidade da Singularidade.

 

Já agora, os seussponsorssão a Google e a NASA. Se tudo correr bem, em Novembro vou fazer um curso lá, na Califórnia, um curso de Medicina Tecnóloga. Este senhor prognostica que em 2045 este computador que aqui está e que chamamos de telefone mas não é um telefone, é um computador e já hoje tem mais poder computacional que toda a infraestrutura que levou o homem à lua.

Este computador que aqui está, que vocês têm nos bolsos, tem mais poder computacional que todo o poder computacional que foi usado pelos homens para pôr o homem na lua.

 

Só que em 2045 este mesmo computador vai ser mais potente que o vosso cérebro. Isso levanta umas questões complicadas. Já agora, isto projeta-se hoje, porque se pode projetar fazendo umas curvas com determinados pressupostos. Quando isto acontecer terá implicações sociais e económicas, de redistribuição de riqueza e impostos.

Como é que se modela e reorganiza a sociedade? Em particular, eu vivo a destruir trabalho todos os dias porque sou um tecnólogo e tenho preocupações morais com isto, porque não gosto de me sentir o mau da fita. É uma questão moral, para todos os efeitos, de querer equilibrar o barco.

 

Portanto, dei por mim sempre a pensar que de facto isto de automatizar tem coisas boas, extraordinárias, se pensarmos bem há 20 anos não faziam coisas que fazemos hoje, porque literalmente cada vez mais há máquinas que as fazem por nós, mas por outro lado temos de pensar que isto da distribuição criativa de emprego cada vez mais inteligente tem de continuar a acontecer, senão não conseguimos que a sociedade seja justa e equilibrada.

O que obviamente é uma coisa em si própria desejada.

 

Queria dizer-vos que estamos naquilo que eu acredito que é o princípio da economia do conhecimento. Deixem-me explicar o que é que isto significa. Sou engenheiro de sistemas, o meu domínio em autossuficiência do conhecimento é 30% ao ano.

Vou repetir: o meu domínio em autossuficiência do conhecimento é 30% ao ano. Isto quer dizer que em três anos se eu não renovar o meu conhecimento eu não sei nada, sou obsoleto. Isto quer dizer que os diplomas deviam caducar.

 

Acabei de renovar a minha carta de condução. Cheguei aos 50 anos e pelas leis da República Portuguesa tenho novamente de verificar se estou em condições de conduzir um carro. Imaginem que alguém me dizia que de três em três anos, ou de quatro em quatro anos, tenho de renovar o meu diploma de engenheiro, ou de médico, ou de advogado, porque já não o sou.

A nossa sociedade não está preparada pela esta celeridade da obsolescência do conhecimento. Mas a realidade é que isto acontece.

 

Vão ver que para mim isto é capital e tem que ver com a necessidade que temos de continuar a estudar. Os meus pais eram relativamente pobres. O meu pai, em particular, foi o único que estudou da família toda. De todos os sete irmãos foi ele quem estudou, porque o pai dele decidiu que era ele que estudava.

Eu não passei por isso, nem eu, nem a minha irmã. Os meus filhos, então, nem imaginam o que isso seja. São apenas duas gerações de diferença, mas já nos esquecemos disto.

 

Quando fui colocado a estudar, a minha mãe perguntava o que é que eu queria ser quando fosse grande. Hoje esta expressão não teria significado, pois se em três anos eu fico obsoleto não há esse aspeto de ser grande, porque ser grande muda de três anos em três anos.

Isto quer dizer que temos de nos preparar enquanto sociedade para todos estudarmos toda a vida. Digo todos porque não são só os membros da elite que devem estudar, são todos porque só assim teremos uma sociedade equilibrada e justa.

 

Isto quer dizer, por exemplo, que a pessoa que está à vossa frente que é a primeira que denegria o "Novas Oportunidades” criado por um governo do PS, porque basicamente tratava por adquiridas coisas que não o deviam ser e que deviam ser sérias e rigorosas, é a primeira pessoa que diz que é necessário criar esquemas que permitam às pessoas continuar a estudar e a ter novas oportunidades mas de uma maneira rigorosa e séria. E é para todos!

 

[APLAUSOS]

 

Eu acredito em educação contínua para todos, não é para alguns, é para todos. Já agora, isto não é fácil, porque cria mecanismos que obstaculizam a proteção de alguns que nunca gostam de sair do seu lugar. É humano, toda a gente gosta de uma vez adquirida uma situação querer continuar nela. É normal, é humano.

 

Deixem-me agora focar um bocadinho em Portugal e vou aqui ser politicamente incorreto, como já devem ter percebido eu não tenho grande jeito para ser formal, não me está na massa do sangue, então vão-me tolerar que eu seja relativamente informal e parcial. A opinião é minha, é do António e pronto.

Vou falar-vos do que gosto no meu país. Gosto da simplicidade dos portugueses. Trabalhei por todo o mundo, não senti simplicidade nenhuma na Alemanha, nem na França. Senti simplicidade nos Estados Unidos em que todos são emigrantes e não se esqueceram que são emigrantes.

 

Em Portugal as pessoas são simples e eu diria "graças a Deus”. Gosto das qualidades enquanto trabalhadores: acho que os portugueses são trabalhadores excecionais. Gosto da multiculturalidade dos portugueses, a capacidade que os portugueses têm de trabalhar com um italiano pela manhã e com um alemão pela tarde.

Quero recordar que o italiano, costumo eu dizer a brincar, é um tipo que se lhe damos 30% de desconto ele não gosta de nós porque para ele nós só somos bons se lhe dermos 50% de desconto. Já o alemão é um tipo que se vocês lhe derem 30% de desconto ele acha que vocês são mal-educados, porque basicamente lhe deram um preço errado à cabeça e que não tinha nada que ver com a realidade.

 

Um português é um tipo estranho que é capaz de trabalhar com um italiano pela manhã e com um alemão pela tarde, mas fá-lo com arte. Isto é muito importante na miscigenação multicultural. Isto é muito bom.

Vi isto a funcionar em todo o mundo. Tenho experiência disto.

 

Gosto do nosso território, gosto deste país. Gosto de Castelo de Vide, gosto de Portalegre, porque é bonito e convém não estragar. Gosto muito da nossa capacidade de desenrascanço. Estava a falar aqui à mesa há pouco que de facto a gente coloca essa palavra negativamente, mas devo dizer-vos que já vi coisas extraordinárias feitas por portugueses, à vezes sem perceber como nem porquê.

De facto, temos essa condição, quiçá pela simplicidade e humildade. Não sei porquê.

 

Deixem-me de dizer-vos do que mais gosto: gosto de Camané, de Rodrigo Leão, Valter Hugo Mãe que para mim vai ser Nobel da Literatura. Gosto de Gonçalo Tavares apesar de ele ser estranho. Gosto do Frederico Lourenço que é um tipo estranhíssimo mas muito interessante. Gosto que estes três escritores portugueses, totalmente diferentes entre eles, nascem num país pequenino e não sei como é que um país desta dimensão consegue produzir escritores desta qualidade.

 

Já agora, aquele senhor que está ali, o Valter Hugo Mãe, escreveu um livro que se chama "A Máquina de Fazer Espanhóis”. Se lerem esse livro e não chorarem, não são homens, são máquinas.

 

[APLAUSOS]

 

Aquele homem é um grande homem.

Gosto desta pala, gosto do que ela representa de arquitetura, de elegância e do trabalho do Siza e também da engenharia.

Pensem nos estranhos dos engenheiros que tiveram que fazer com que isto funcionasse. Isto só existe, já agora, porque há uns cabos que sustentam aquilo, porque senão caía.

Portanto, para mim esta pala vale como representação da qualidade da arquitetura; já ganhámos dois prémios Pritzker que é o Nobel da Arquitetura, com o Souto Moura e o Siza Vieira.
A mesma coisa podia dizer deste estádio que por acaso é na minha terra, em Braga. Pode não ser muito funcional - porque não é, é frio -, mas é bonito, é mesmo bonito. Aqui não tem nada que ver com o futebol, tem que ver com a elegância das linhas.

 

Gosto da Vieira da Silva, gosto do Ângelo de Sousa que acabou de falecer há pouco tempo e foi um dos melhores pintores portugueses do séc. XX e do início do séc. XXI.

Gosto de Miguel Tavares, gosto do José Alberto Fernandes, gosto do Daniel, do António. Gosto destes gajos porque são todos sérios e não têm a mesma opinião política, mas são todos sérios e quando defendem alguma coisa defendem-na com substância.

 

Não gosto que a primeira página do Financial Times comece com esta frase. Não gosto que quando Portugal esteja na primeira página do Financial Times seja por causa desta razão. Não gosto do chico-espertismo que marca a maior parte da vida portuguesa. Não gosto nem de chicos-espertos pequenos nem de grandes. Não gosto de chicos-espertos e ponto. A gente tolera demasiado. Não os punimos, não corrigimos as suas atitudes, aceitamos demasiadas vezes a impunidade.

 

Não gosto de algum espírito saloio português. Não gosto da nossa falta de mundo.

Às vezes, somos os melhores do mundo e nem sabemos. Quer dizer que não temos mundo nas pernas e precisamos desse mundo nas pernas.

Não gosto da nossa falta de educação cívica. A taxa de economia informal em Portugal é cerca de 26%. Se tudo correr bem este ano com o e-fatura baixa para 24% ou 23%. A taxa de economia paralela no Norte da Europa é de 15%.

Estes 8% de diferença eram o suficiente para o nosso Estado estar equilibrado.

 

Não consigo pensar em medidas draconianas sobre o Estado, sem ao mesmo tempo querer garantir que esta economia paralela baixe; ela tem de baixar, tem de se fazer o máximo por isso. Portanto, aplaudo por ver que o trabalho do Paulo Macedo enquanto responsável dos impostos portugueses continuou com o Paulo Núncio que de facto fez um bom trabalho e continua a fazê-lo.

É necessário o combate à economia paralela, senão as regras não são iguais para todos: uns chicos-espertos não pagam impostos e outros têm de os pagar.

 

[APLAUSOS]

 

Já agora, demasiadas vezes - citando o João Miguel Tavares - a direita deixa este argumento à esquerda, porque a esquerda supostamente tem sempre o argumento de que moralmente é mais correta. Não é inteligente, isso. Este assunto não tem nada que ver com a direita ou esquerda, tem que ver com o ser sério ou não, é um indicador de seriedade do país.

 

[APLAUSOS]

 

Não gosto da falta de ambição do país. Ser humilde, está bem, não ser arrogante é bom, mas não ser ambicioso de uma maneira sopesada e comedida, não é inteligente.

Não gosto que tenhamos tantas leis. Não gosto que não as apliquemos.

Lembro que quando estava na Alemanha e quando fiz o primeiro projeto lá ao fim de uma semana eu tinha sete multas documentadas com fotografia da minha equipa. A minha fotografia estava nalgumas delas por uma simples razão porque tínhamos uma regra a dizer para passarmos 60 e nós passávamos 80.

Ao fim de uma semana tínhamos sete dessas e reuni a minha equipa e disse: "Não há mais nenhuma destas porque a partir de agora cada um paga a sua”. Na semana seguinte nenhum tinha fotografias.

 

Não estamos habituados a implementar as leis. Definimo-las e depois não as implementamos e isso não funciona, porque de facto, para todos os efeitos, não há punição.

Não gosto destas coisas. Por isso, se querem a minha opinião sobre o que há a mudar, para cada uma destas coisas se calhar tínhamos muito a fazer.

 

Quero que esteslideseja bem interpretado. Aquele é o António Damásio. A maior parte vocês conhece o António Damásio. Ele é um dos maiores cientistas do mundo no campo das neurociências. Não trabalha em Portugal, é português e é um grande cientista.

Mas talvez o que vocês não saibam é que ao lado do António Damásio está o Nuno Peres. Um português rodeado por dois estrangeiros que por acaso um é russo e o outro americano, são os prémios Nobel da Física. Os últimos prémios Nobel da Física foram os homens que inventaram o grafeno. O grafeno é provavelmente o material mais importante dos próximos 30 anos. Acabámos de sair da era do silício que marcou os últimos 30 anos e estamos a entrar na era do grafeno que literalmente é o material mais importante para a nanotecnologia.

 

Quando estes senhores que ganharam o Prémio Nobel da Física, o receberam em Estocolmo agradeceram a sete pessoas e duas delas eram portuguesas: uma trabalha na Universidade do Minho e outra na Universidade do Porto.

Sabiam disso? É suposto conhecermos aquela pessoa. É demasiado importante. Nós não tínhamos pessoas assim há 20 anos. Não tínhamos qualidade para competir a esse nível.

 

O Nuno Peres é o Cristiano Ronaldo do grafeno. Estão a ver? Só que isto é mesmo, mesmo, importante, mais importante que a bola. A bola é importante, mas isto ainda é mais importante. Não podemos não conhecer estas pessoas. Isto é verdade um pouco por todo o mundo, mas em Portugal, porque somos pequeninos se calhar é mais importante.

 

Não gosto que vocês não saibam sobre o SNS. Espero que tenham eleito a reforma da saúde e o SNS como uma das grandes, grandes, grandes conquistas dos últimos 40 anos.

 

Portugal normalmente tem uma posição de 30 a 40 nosrankingsdo mundo, já em saúde está numa posição entre 10 a 20. A nossa saúde é melhor que o nosso país.

 

Costumo dizer a brincar, que se pudesse, desviava dinheiro dos advogados e dos juízes diretamente para os enfermeiros e médicos. O mundo ficava mais justo.

 

[APLAUSOS]

 

É populismo barato dizer isto. Tenho consciência disso. Mas gostava que medíssemos a produtividade dos investimentos nos setores e, já agora, verificássemos o que aconteceu nos setores comparados. Não queria perder isto, acho que a saúde é uma oportunidade em Portugal. É uma oportunidade não só para servir os portugueses, mas como para servir estrangeiros, exportando qualidade.

 

Estes são grandes tecnólogos portugueses. Não são conhecidos. Aqueles dois que estão ali em baixo fundaram uma empresa chamada Vision-Box. A Vision-Box é uma empresa portuguesa que no ano passado vendeu 15 milhões de euros e que se tudo correr bem vai ser líder mundial de automatização de aeroportos. Começaram por automatizar aquelas máquinas em que vocês passam nos aeroportos e vos reconhecem a face.

O que se calhar vocês não sabem ainda é que 34 aeroportos do mundo são automatizados por eles e que nesta altura eles preparam-se para serem os líderes mundiais.

 

Talvez não saibam, também, que a Inditex que é a maior empresa de moda do mundo, não está em Milão nem em Paris, nem na Califórnia, mas em Arteixo A Corunha.

Isto deve-vos ajudar assim que a gente encontra desculpas para justificar a nossa inépcia, lembrem-se da Inditex, porque eles não encontraram desculpas e fizeram a melhor empresa de Moda do mundo no sítio errado e não encontraram desculpas.

Talvez não saibam que 600 lojas da Inditex já têm umas antenas em cima, que são capazes de medir osstocksem tempo real, porque têm uma etiqueta com código de referências nos produtos. Isto quer dizer que a contagem dos produtos faz-se de meia em meia hora automaticamente. Talvez não saibam que a empresa que faz isto para a Inditex é uma empresa portuguesa de São João da Madeira.

O João Vilaça, que é o tipo que está ali do lado direito, é quem faz isto. Já agora, no mundo há dez como ele.

Estes tipos não são conhecidos mas têm de ser porque realmente são bons.

 

O que devemos fazer para sustentar o nosso país? Está ali uma estátua do Rui Chafes, que é uma estátua linda, tem um peso enorme sustentado por aquelas cordas de aço que sustentam a bola.

Aquela estátua é de uma elegância extraordinária. O Rui Chafes é o maior escultor português da atualidade.

 

Temos de preservar o SNS, temos de o equilibrar; temos de defender o território, não podemos estragá-lo; temos de garantir que continuamos a defender a segurança que é um bem precioso.

Uma das coisas mais impecáveis do nosso país é que nós não nos preocupamos com isto em larga medida. Trabalhei no Brasil e garanto-vos que não tem nada a ver, nem em S. Paulo, nem em Portalegre, nem em Curitiba.

 

À noite, olhava para os lados quando andava na rua. Aqui não olho para os lados, diria, ainda não olho. Quiçá deveríamos preservar isto, porque isto não tem preço. é um valor inestimável.

Temos de preservar a qualidade da tecnologia e da ciência, que foi alcançado nos últimos anos, não podemos perdê-la, mas temos de transformar essa ciência em economia. Não podemos continuar a tratá-la só como ciência.

 

Finalmente, não podemos perder uma coisa que é incrível, que é o valor que ainda atribuímos à família, que está muito deteriorado mas que para todos os efeitos ainda é muito melhor do que nalguns países que consideramos mais desenvolvidos e que neste domínio não o são, são menos desenvolvidos.

Vou terminar com algumas linhas de mudança. Já perceberam que gosto de falar e falo demais.

 

Algumas propostas: a primeira não precisa de explicações, que é que os dois partidos precisam de se entender. Se eu pudesse - no condicional, obviamente, porque não posso - fechava as pessoas numa sala e não deixava sair enquanto não entrassem em acordo.

 

[APLAUSOS]

 

É uma coisa que provavelmente muitos portugueses partilhariam em termos de opinião, que a distância entre os dois partidos do arco da governação é de dez centímetros, não é grande, é pequena. Portanto, se a questão é puramente poder é suposto que o superior interesse do país mande nas pessoas.

Chamem-me idealista, lírico, se quiserem, mas neste ponto antes de ser lírico sou português.

 

É preciso reduzir peso do Estado, pois não conseguimos suportar o Estado que temos. Ainda não o fizemos. Mais, deparámo-nos com obstáculos que são complicados. Se os dois partidos não quiserem rever alguns obstáculos, nomeadamente os constitucionais, provavelmente nunca vamos fazer isto.

Precisamos de garantir coisas básicas como garantir que a administração pública tenha objetivos e reporte os mesmos de forma transparente, de tal maneira que os méritos dos melhores sejam distinguidos e não necessariamente visíveis os piores. Mas pelo menos os melhores que apareçam claramente distinguidos pela positiva.

 

Precisamos de continuar a combater a economia informal e a evasão fiscal, sendo que nesta última é muito mais complicado porque tem interesses mais poderosos.

Depois, na linha do que disse há pouco, acho que precisamos de investir em educação contínua.

O que é educação contínua para mim? É todos metermos na cabeça que vamos estudar quatro ou cinco coisas na vida. Vou passar os últimos anos da minha vida profissional a investir em medicina.

 

Por quê? Porque acredito que estamos num momento em que a medicina vai ser tão penetrada pela tecnologia que o ato médico vai mudar.

Já agora, a medicina é linda. Só não sou médico porque não tenho coragem emocional para viver com o ato médico. Experimentei, não resultava, não tinha capacidade emocional para o fazer. Ligava-me demasiado aos pacientes e isso é perigoso. É perigoso para o médico e para o paciente.

Mas acredito, para todos os efeitos, que nos próximos dez anos vou trabalhar neste domínio.

 

Para isso, tenho de estudar, tenho de ler. Sou engenheiro e de médico não tenho nada. Rodeei-me de colegas que são médicos e estou a estudar para conseguir pelo menos falar com eles, percebê-los, para garantir que pelo menos as palavras são compreendidas, o dialeto.

Acho que isto é válido não só para mim mas para toda a gente. Já agora, também para as pessoas ditas não-qualificadas. Acredito que é a única forma de nos defendermos contra o desemprego.

 

Uma última palavra para a saúde. As doenças que hoje matam não são doenças agudas, são doenças crónicas. 75% da fatura do SNS é de doenças crónicas. Isto é verdade aqui como é verdade em todos os países do mundo. Quer dizer que um tipo com doença crónica tem de viver com ela, não se combate com hospitais, estes são necessários só para os episódios agudos.

Se queremos sustentar o SNS tem de ter programas de saúde continuada em casa. Isto é muito diferente do SNS do passado, é um SNS do futuro.

 

Acredito que temos três setores prioritários em Portugal. O turismo, que não é preciso explicar por quê, estão aí os dados: o país é bonito, as pessoas são amáveis e simpáticas, é difícil não gostar disto. Digamos que o comum dos mortais vem cá e gosta disto. Não é preciso, para todos os efeitos, ser muito complicado. Basta tratarmos isto com qualidade e não à toa como fez a falta de qualidade e de qualificação durante muitos anos.

 

Acredito no digital, porque vejo que temos qualidade e acredito no setor da saúde e das ciências da vida. Temos três mil PhD em ciências da vida, temos 1% deles empregados em empresas e 99% empregue em universidades. Isto é inaceitável.

Temos de criar empregos qualificados em investigação aplicada e temos de atrair empresários para investir em Portugal porque não temos empresários suficientes neste momento.

 

Temos de rever a Segurança Social, mais uma vez, por uma simples razão, a do equilíbrio e provavelmente, aqui, vamos ter de pensar e ter esquemas em que as nossas reformas serão proporcionais àquilo que poupámos.

O esquema tem de mudar no futuro, temos de prever um período de transição que garanta que não nada abruto, porque as pessoas que hoje estão na reforma provavelmente não sabiam de nada disto há 20 anos. Portanto, não é justo que a gente promova mudanças digitais, elas têm de ser analógicas.

 

Para terminar, gostava de dizer que acredito que é necessário fazer com que Portugal tenha maior desenvolvimento na área da participação democrática.

Vejo isto com duas maneiras. Vejo com representações uninominais. Não sei nada de política, ou sei muito pouco, mas sou leitor como toda a gente, de jornais, e procuro informar-me e obviamente que sei que a política é uma coisa importante como se vê.

A outra coisa que é realmente interessante seria olhar para a Suíça e tentar perceber por que é que um país tão rico como eles usa mecanismos sistemáticos de referendo para questionar e recolher as opiniões das pessoas localmente. Já agora, uma federação que devia ser exemplo para a Europa.

Vejo isto mais no poder local do que no poder central. Vejo as autarquias como preparador de decisões e menos de decisores.

Agora, isto irá demorar cinco ou dez anos, mas acredito que os cidadãos vão querer. Estão fartos de não ser representados.

 

Não tem a ver com partido A ou B; simplesmente estão fartos e querem participar. Só dessa maneira, para mim, vamos conseguir combater o défice democrático. Para terminar e digo isto com muito cuidado: notiminge no quadro certo, provavelmente, é necessário renegociar os juros e os prazos da nossa dívida.

Viram anteontem o Daniel a dizer aqui que se calhar devíamos aproveitar as baixíssimas taxas de juro que temos para fazer orevolvingda dívida, pagar parte e garantir que renunciamos taxas para a frente. Parece-me uma medida avisadíssima.

A dívida é a mesma mas pelo menos pagamos menos. Parece-me uma coisa, para todos os efeitos, de bom senso. Acho que, mesmo não percebendo nada de finanças, parece absolutamente equilibrado fazer isso.

 

Vou terminar com este quadro muito bonito do Ângelo Sousa. Que Portugal é que gostava de ter daqui a 20 anos? Se pudesse dar um salto para o futuro, se pudesse ter uma espécie detime warp machineque me transportasse, o que é que eu gostava que caracterizasse o nosso País?

Gostava que fosse um País menos endividado, não só no Estado, mas nas empresas e nas famílias. Gostava que considerássemos ter IRC diferente para as pessoas que investem e para as pessoas que sacam dinheiro das empresas. Se calhar era justo dizer que o IRC para os que reinvestem é mais baixo que o daqueles que simplesmente querem retirar dinheiro das empresas e continuar a descapitalizá-las.

 

Gostava de ver um nível de endividamento do Estado obviamente mais baixo do que o de hoje que é inaceitável. Gostava de ver o País reconhecido como líder de turismo, que já vai sendo.

Não sei se viram o número incrível de prémios que Portugal ganhou nos últimos eventos do turismo, acho que foram 12 ou 13. Um número incrível.

Isto representa um bomlobbyde Portugal mas com certeza que representa a qualidade, porque eles não devem atribuir prémios a coisas que não são boas.

 

[APLAUSOS]

 

Gostava que daqui a 20 anos o meu país fosse conhecido pela educação contínua, por sermos líderes, por sermos um país que estuda em casa. Que toda a gente estude, que isso seja normal e que aparece uma escola profissional ou uma universidade só para fazer os exames, porque a escola do futuro não vai ser só presencial. Vai ser presencial e vai ser em casa.

 

Gostava que fosse um país, para todos os efeitos, que tivesse absoluto reconhecimento pela qualidade dos seus profissionais de saúde. Porque isto é muito importante para as pessoas.

Se perguntarem aos cidadãos o que é mais importante nos serviços do estado, eles dizem-vos que é sem dúvida a saúde, porque não há nada mais precioso que a saúde. É simples.

 

Obviamente também gostava que no meu país, no PSI-20, não tivesse zero empresas de propriedade intelectual. Se virem hoje, não temos nenhuma empresa no PSI-20 que seja baseada em propriedade intelectual. Daqui a 20 anos, gostaria que houvesse pelo menos umas quatro ou cinco empresas. Gostava que a Bial já fosse uma empresa de milhões e se calhar outra farmacêutica desse calibre, e que houvesse duas ou três empresas digitais que fossem desse calibre também.

 

Pensem que estas coisas não acontecem por acaso. Lembram-se do Skype? O Skype foi comprado pela eBay e vendido mais tarde à Microsoft.

Sabem onde nasceu o Skype? Foi na Estónia. A Estónia é um país pequeno, mais pobre do que Portugal.

Já agora, onde é que nasceu a melhor empresa bancária digital do mundo? Qual é a melhor empresa de serviços digitais bancários do mundo? É o M-PESA. Sabem onde é o M-PESA? No Quénia.

 

Já agora, o M-PESA fez mais para combater a economia informal do Quénia do que o Ministro das Finanças do Quénia. Basicamente, trata-se de um sistema de pagamentos com base no telefone, que 80% de pessoas no Quénia usam.

O futuro da banca está no Quénia. Não está nos Estados Unidos ou na Inglaterra.

Esta coisa da Internet tem um lado negativo, que é a competição desenfreada de todo o mundo competir com todo o mundo, mas tem uma coisa positiva, que é que não há o sítio errado, não há só os betinhos da Califórnia a ganharem.

Fiz-me entender? Eu não sou betinho, não quero ser betinho.

 

[APLAUSOS]

 

O Skype de Portugal ainda está por fazer, mas a qualidade intelectual das pessoas não é obstáculo. Os portugueses são tão inteligentes quanto os outros. Eu vi isso com os meus olhos. Trabalhei em retalho, posso garantir que trabalhei com americanos, alemães, e se fosse um jogador de futebol teria jogado no campeonato mundial, e vi que os portugueses são tão bons ou melhores que os outros.

Agora, temos de garantir que isso acontece, não a fazer serviços mas a fazer propriedade intelectual, porque é a maneira mais produtiva de trabalhar no mundo.

 

Finalmente, aconteceu uma revolução nos últimos dois anos, forçada, porque não tínhamos outra hipótese. Não havia a quem vender, o estado parou de comprar e toda a gente teve de descobrir que havia aviões e que podia vender para o mundo. Uma descoberta recente. Com base nisso, conseguimos o quase milagre de ter 40% do PIB em exportações. É uma coisa que se me dissessem, há três anos, que ia acontecer, eu dizia que alguém tinha tomado alguma coisa e estava a delirar.

 

Não podemos é parar, isto tem de continuar e temos de subir na escala de valor.

Gostava também que daqui a 20 anos tivéssemos melhores exemplos de democracia e de práticas de gestão pública por pessoas normais que estão a representar os outros cidadãos e que pura e simplesmente estão a fazer o melhor pelo seu espaço, seja ele local ou central.

 

Para quem devemos olhar? E com isto termino. Isto é um quadro de Kandinski que é o meu pintor favorito. O meu pintor favorito é russo, chama-se Wassili Kandinski.

Não posso ter quadros dele, pois são muito caros, então tenho fotografias.

 

[RISOS]

 

É mais barato.

Se querem olhar para exemplos no mundo, devem olhar para a Alemanha no mercado de trabalho. Não foi popular flexibilizar o mercado de trabalho na Alemanha.

O senhor Gerhard Schroeder fê-lo. A Alemanha só está bem porque fez reformas não-populares.

Temos de olhar para Singapura que passou para o primeiro mundo em 30 anos. Temos de olhar para o que eles fizeram. São o melhor exemplo do mundo.

 

Já agora, no primeiro governo de Sócrates - em quem votei, não votei no segundo, não sou burro -, basicamente ofereci este livro da biografia deste senhor ao Primeiro-Ministro, com as páginas marcadas, mas acho que ele não as leu.

 

[RISOS]

 

Portanto, temos de olhar para a Suíça na democracia direta, na saúde e no pequeno país voltado para o mundo. Um país pequeno mas voltado para o mundo, com marcas mundiais. Ainda não temos marcas mundiais e precisamos de ter.

Temos de olhar para a Suécia que passou por tudo o que nós estamos a passar, nos anos 90. Se a Europa quer olhar para algum sítio, tem de olhar para a Suécia, para as reformas que eles fizeram nos anos 90 e literalmente fazerem umreplaydo que eles fizeram.

Aquilo que está a acontecer em Portugal é apenas uma parte do que o que os suecos fizeram. Obviamente, eles eram mais ricos, nós somos muito mais pobres; os graus de liberdade que eles tinham eram maiores que os nossos.

 

Temos de olhar para o Brasil, para a Itália, para a Nigéria no combate à evasão fiscal e à economia informal. Temos de olhar para os Estados Unidos para tudo o que se relaciona com a translação do conhecimento para a economia, porque de longe são o melhor país do mundo.

Gostava também de vos dizer que também não quero olhar para estes países no mesmo. Isto é Francis Bacon e portanto um belo horrível. Não quero olhar para a Alemanha no setor bancário que é pior que o de Portugal, mas não o mostra, está escondido.

 

Aquilo que se passou nas caixas espanholas ainda se vai passar na Alemanha. É só adiado, porque o problema está a ser empurrado para a frente.

Não olhem para Singapura no que toca à segurança, porque aquilo era uma democracia musculada, para não dizer uma ditadura. Isso não é possível nem desejável fazer-se na Europa. Não queremos olhar para a Singapura nessas coisas, não somos assim na Europa nem queremos ser.

Sobretudo, não olhem para os Estados Unidos na área da saúde, porque apesar de serem o país mais rico do mundo, têm a 37ª saúde do mundo, mesmo contando com o facto de consumirem mais de 50% do orçamento da saúde do mundo.

Ou seja, são exatamente o sítio errado para olharem.

 

Nos Estados Unidos, saúde têm os ricos, os pobres não têm. Isso, para mim, não é aceitável.

Portanto, não quero só olhar os exemplos pela positiva, mas também quero saber quais são os exemplos pela negativa para os quais eu não quero olhar.

Dito isto, já me estendi demais. Perdoem-me a visão parcial, que é a minha; repito que é apenas e somente uma, que é a minha. É uma visão que pretende obviamente fazer escolhas e ajudar Portugal a ser um país melhor, porque afinal de contas os portugueses merecem.

 

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques
É caso para dizer que é de Braga.
 
Dep.Carlos Coelho
Vamos então iniciar a fase das perguntas. O primeiro bloco são os Grupos Verde e Bege. Dou a palavra ao Miguel Mourato e à Rita Almeida Neves.
 
Miguel Mourato

Muito boa noite a todos. Queria saudar a mesa e em especial o Eng.º António Murta.

Gostaria de colocar a seguinte pergunta: sendo o principal objetivo da agenda digital ajudar os cidadãos europeus e os negócios a retirarem o máximo proveito das tecnologias digitais, como é que pode aumentar a competitividade da economia portuguesa?

 
Rita Almeida Neves

Boa noite a todos. Queria saudar a mesa e em particular o Eng.º António Murta.

Permitam-me dizer que estaria aqui o resto da noite a falar consigo. Tocou nos pontos essenciais e que há muito tempo gostava de ouvir em relação às ciências e à tecnologia.

 

Costumo dizer que nós, portugueses, ao nível da ciência somos como os gauleses: somos pequeninos, mas os melhores do mundo e competimos a um nível incrível e ninguém tem noção, ninguém, e é algo que me preocupa realmente.

Por isso, mesmo não tendo noção que iria tocar nestes pontos, ao longo de toda a apresentação disse frases que sinceramente a mim deixou-me mesmo realizada porque sendo da área da ciência é algo que é realmente importante focar.

 

Este ano, como talvez a alguns deva ter passado despercebido, mas quem é da área da ciência percebeu, foi um ano crítico e aconteceu realmente uma crise na ciência. A ciência evolui nos últimos dez anos de uma maneira incrível. O que aconteceu este ano foi que realmente existiu um problema de comunicação e ninguém conseguiu perceber que o Ministro Pires de Lima quis dizer foi exatamente o que o Eng.º António Murta disse mas de uma maneira mais inteligente: é que a ciência precisa de chegar à economia.

 

Permitam-me só perder um bocadinho mais de tempo com alguns dados importantes: Portugal continua a ser um dos países da Europa com maior dificuldade em fazer essa mesma translação da ciência para a economia.

Apesar de termos das melhores universidades em ciências nunca conseguimos fazer a real translação da ciência para a economia. Mas a verdade é que a ciência com a crise que se instalou no país não conseguiu escapar às leis do mercado e, um pouco à semelhança do país, será que não temos de fazer um processo de ajustamento nesta mesma realidade?

 

Em Maio de 2011, foi criado o programa integrado de apoio à inovação. O objetivo era então possibilitar um salto na competitividade na coesão social e integrar de modo a que esta cooperação entre o meio académico conseguisse realmente contribuir para a inovação.

Ainda assim, num universo de cerca de 400 mil empresas a nível nacional, apenas três mil investem em investigação e desenvolvimento. A minha pergunta vai no sentido de perceber até que ponto é realmente impossível estabelecer esta simbiose entre o meio académico e empresas e se não seria necessário e se não está na altura de criar uma política de investigação e desenvolvimento em Portugal e de que maneira é que o podemos fazer.

Obrigada.

 
António Murta

Obrigada por serem gentis, agradeço as vossas palavras. Realmente sou de Braga, devem ter percebido e não é só o sotaque, é também a frontalidade.

 

Vamos lá ver: agenda digital de competitividade. Pensem comigo. Trabalhei na Índia e, já agora, gostei muito de trabalhar na Índia.
Como é que eu vos posso explicar isto de uma maneira simples? O meu chefe na Índia é um senhor que hoje é o número três da WiPro. A WiPro é uma empresa que vende oito mil milhões e faz mil milhões em resultados. Isso é relativamente comum, está bem, mas o que não é relativamente comum é o que vou dizer a seguir. É uma empresa de 200 mil engenheiros, uma Braga toda engenheira. Isso não é muito comum, é um exército de engenheiros.

 

O meu antigo chefe YIT, um instituto de tecnologia, era um em cada dois mil. Isto quer dizer que para ele entrar era impossível ele não ser muito, muito, bom. Não há maus alunos lá nesse instituto. Já agora, alguns alunos que não entram lá entram no MIT nos Estados Unidos.

Para os indianos competirem, porque são muitos, eles podem competir numa base de preço, porque há muitas pessoas e elas são relativamente baratas. Nós, em Portugal, já não somos baratos.

 

Qual é a maneira mais produtiva que há de competir no mundo? Não é trabalhar mais horas, nem mais inteligentemente, é queimar CD, ter uma licença de propriedade intelectual e queimar um milhão de CD da mesma coisa.

Ou ter uma molécula protegida e vender um milhão de licenças do fármaco daquela molécula. A isto chama-se propriedade intelectual.

Esta é a maneira mais produtiva de trabalhar no mundo.

 

Estou a usar números grandes para ficarem com as imagens. Vocês não conhecem esta empresa. A Google comprou uma empresa chamada Double Click, que é uma empresa que basicamente analisava os vossoscookiespara navegar e determinava que o Joaquim gosta de futebol, o Manuel de música clássica e tu gostas de moda.

Obviamente que se tu sabes disto adaptas a publicidade a cada pessoa, só que eles faziam isso automaticamente.

 

Esta empresa, a Double Click, começou com um empregado que era o dono e ao fim de muito tempo tinha 20 empregados. Esta empresa foi vendida por 1,6 mil milhões de dólares. O que eu gosto do rácio de 1,6 mil milhões de dólares dividido por 20.

É um rácio lindo. A isto eu chamo produtividade na minha terra. Já agora, não se faz a trabalhar mais horas ou mais inteligentemente, mas faz-se a fazer uma coisa única, automática, licenciada, protegida e que é única no mundo.

 

Portanto, qual é a relação da agenda digital com a competitividade da economia portuguesa? É fazermos mais coisas baseadas em propriedade intelectual.

Vou-vos contar uma história para perceberem que isto está a acontecer.

Ontem estive em Lisboa com uma empresa da qual vocês vão ouvir falar muito. Esta empresa fazdrones. Sabem o que é umdrone? É um avião não tripulado. Trata-se de uma empresa que vendedrones, por exemplo, para o exército japonês. Esta empresa está prestes a assinar um contrato com a China para lançar satélites de baixa órbita.

 

Já agora, tem propriedade intelectual única na coordenação de satélites ao mesmo tempo, ou seja, eles não lançam um, lançam vários pequenos. Um dos problemas de lançar satélites é que de facto é caro quando eles caem. Se eles forem todos muito pequenos e baratos o risco está distribuído.

Se isto for feito com propriedade intelectual única, vocês acham que isto vale muito dinheiro?

Há 20 anos não tínhamos pessoas destas. Saí de Lisboa absolutamente admirado porque não estive a falar com israelitas nem americanos, estive a falar com portugueses de Lisboa, "tugas”.

O que quero que percebam é que estes senhores não querem vender serviços à indiana, querem vender licenças inteligentes, protegidas, das quais vão fazer muitas cópias.

 

A agenda digital portuguesa tem de fazer com que as empresas portuguesas vendam mais propriedade intelectual, valor, e vendam menos braço. O bom exemplo é o calçado. Temos uma indústria do calçado extraordinária, mas o mais extraordinário na indústria do calçado é que ela não só propulsionou nos últimos anos como já é a indústria do calçado que tem o segundo indicador mais caro do mundo logo a seguir à italiana.

Isto quer dizer que já não ganhamos calçado porque somos baratos, nós ganhamos concursos de calçado porque as nossas peças são boas, têm bom design.

Portanto, a missão da nossa agenda digital é tornar os nossos produtos mais baseados em propriedade intelectual. Isto é capital. Não tem preço e é fundamental.

 

A segunda questão, sobre ciênciaversuseconomia, concordo que o que se passou nos últimos 12 meses se calhar foi um exagero. Compreendo perfeitamente, ouviram-me dizer que acho que é necessário cortar no Estado, mas seja porque sou demasiado parcial e próximo das universidades, seja porque assisti de perto a algumas coisas, acho que houve algum exagero nos últimos 12 meses.

Algumas das mudanças, mormente no número de bolsas de doutoramento, podiam ser mais graduais e menos abrutas, porque realmente introduziram-se mudanças demasiadamente abrutas que correm o risco de literalmente afugentar cérebros.

 

O Daniel Bessa já vos deve ter dito isso. Eu também trabalho na COTEC com o Daniel, é meu colega e meu chefe. Na COTEC, nós basicamente estudamos a inovação portuguesa e esta tem melhorado muito nos últimos anos. Mas há uns anos só gastávamos dinheiro em inovação e desenvolvimento nas universidades. As empresas não gastavam dinheiro nenhum em inovação e desenvolvimento.

Nos últimos seis anos, fruto de Mariano Gago e do bom trabalho que ele fez no governo de Sócrates - ele foi de longe para mim o melhor ministro desse governo -, realmente foi possível com uma coisa chamada SIFIDE, que as empresas portuguesas com incentivo fiscal passassem a investir em investigação e desenvolvimento.

Nesse sentido melhorámos muito.

 

Onde é que temos de melhorar? Não estou preocupado com o número três mil, se calhar aqui tenho a humildade de dizer que o número três mil não vai melhorar muito nos próximos três anos. Temos de melhorar é osoutputsdos três mil. Temos de garantir que a rentabilidade destes investimentos melhore.

 

Deixem-me dar-vos um exemplo. Esta semana também visitei uma empresa no Norte, que não vou dizer o nome pois não há necessidade de fazer publicidade, mas deixem-me dizer-vos que é uma empresa que produz tecnologia para bombas de gasolina. Pensava que esta empresa era uma sucursal de uma multinacional em Portugal.

Quando visitei a empresa descobri que ela era uma empresa portuguesa multinacional que estava em 55 países detida por duas famílias portuguesas. O que eu não sabia era que esta empresa era a quarta maior do mundo neste setor.

 

Não percebo, realmente não percebo, como é que é possível para todos os efeitos um país que tem todos os defeitos que acabamos de deduzir, às vezes, produz pérolas deste tamanho. Agora, esta empresa tem concorrentes-monstros, literalmente é David contra Golias.

Esta empresa, por exemplo na Tesco, tem uma quota de mercado de mais de 50%. Isso não acontece, mais uma vez, só porque somos baratos. Somos bons. Temos é de garantir que isto não é um segredo. Isto tem de passar a ser normal.

 

Se perguntarem a um tipo qualquer, um cidadão do mundo, o que é que ele conhece de Portugal, qual é a primeira palavra que lhe vem à cabeça? Ronaldo. Alguém disse aí. É exatamente isso! A primeira coisa que vem à cabeça de qualquer cidadão do mundo e digamos a verdade: o homem é um embaixador de Portugal, é o nosso maior embaixador.

 

Gostava é que além do Ronaldo - e não quero questionar o Ronaldo, porque acho que basicamente ele faz o seu trabalho - é que as pessoas conhecessem o Nuno Peres e algumas empresas destas que são realmente excecionais no seumétierno mundo. Estão a perceber?

A maior parte dos americanos não tem nem ideia que a nossa saúde é muito melhor que a deles, porque guardamos isto como segredo. Não podemos guardar isto como segredo e temos de garantir que isto se conhece, porque se calhar nos compram mais se nos conhecerem.

 

Portanto, a resposta sintética: não acredito que o número dos três mil vá melhorar muito. Acho que a produtividade destas empresas é que tem de melhorar, nomeadamente os seusoutputs, na minha opinião.

 
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado. Agradecemos ao Grupo Laranja o convívio e o facto de nos terem cedido a vossa mesa durante este jantar. No Grupo Azul dou a palavra ao João Pedro Lopes e do Grupo Laranja ao Fernando Monteiro.
 
Fernando Monteiro

Antes de mais, deixem-me só dizer que é de facto um prazer e um orgulho enorme partilhar esta refeição e a mesa com alguém que é um visionário, que é ligado à inovação e ao empreendedorismo, que são áreas que nos fazem falta.

 

Andei a pesquisar um pouco do seu trabalho e a ver alguns artigos e entrevistas que o Dr. tinha dado. Encontrei uma no site da COTEC em que o jornalista pergunta-lhe quais são as maiores dificuldades que se apresentam a uma empresa para a sua expansão internacional. O Dr. António disse que era uma falta denetworkingno estrangeiro e a falta de missão internacional.

Referiu também e passo a citar, que é para não me enganar: "Parece-me claro que deveríamos orientar de raiz as nossas empresas para a exportação.”

 

A minha questão é a seguinte: nove anos depois desta entrevista, estas questões ainda se colocam, ou os sócios e quem gere as nossas empresas já ganharam uma maior consciência global?

 
João Pedro Lopes

Boa noite, Eng.º António Murta. Em primeiro lugar, quero agradecer o facto de aqui estar. Confesso que pela primeira vez numa Universidade de Verão tenho ciúmes dos colegas que estão aí na mesa consigo.

 

Disse que não era político e foi claro no seu discurso, mas não resisto a fazer-lhe uma pergunta política. O que é que acha sobre este governo das medidas que tem tomado para apoiar o empreendedorismo e os jovens desempregados?

Obrigado.

 
António Murta

Muito obrigado pela pergunta. A primeira é mais fácil, a segunda é mais difícil. A primeira é direta: acho que temos melhorado.

Isto não é bonito dizer. Parece para todos efeitos uma coisa leve, mas estou a defender-me à cabeça porque não quero ser mal interpretado, às vezes sou demasiado agressivo e não quero que aquilo que vou dizer seja menos bem interpretado. Ninguém tem prazer nenhum em chegar a Lisboa e à rotunda da Boavista e ver pessoas às onze da noite a distribuir sopa numa carrinha. Isso tenho visto demasiadas vezes.

 

Não gosto de ver isso. Causa-me obviamente preocupação básica, humana. A escassez veio em nossa ajuda, ou seja,scarcity came to our rescue.

Durante demasiados anos pensámos que estávamos em abundância. Acho que a escassez dos últimos três anos, escassez absolutamente brutal, obrigou-nos, nalguns casos literalmente, a fazer coisas que nunca tínhamos feito porque não era necessário.

 

Deixem-me explicar isto de forma literal. Obviamente, para todos efeitos, se uma empresa consegue viver com um mercado que lhe é próximo, que conhece bem e que consegue ter quotas de crescimento e de sustentação razoáveis, é da alma humana que não se perca tempo com coisas mais difíceis.

Quando, de um momento para o outro, uma parcela de mercado desapareceu e a sustentação de uma empresa não existe e você tem de descobrir literalmente o que fazer para garantir que sobrevive, você tem de descobrir coisas.

 

Assisti isso diretamente nos últimos anos. Deixe-me dar um exemplo próprio.

Quando criei a Enabler partia da SONAE. Em Portugal, só há dois grandes retalhistas, a SONAE e a Jerónimo Martins; depois, há um terceiro retalhista que gosto muito que é a Parfois, mas muito mais pequeno que os outros.

Quando criei a Enabler obviamente que se servias a SONAE independentemente de teres o maior respeito pela Jerónimo Martins não podias servi-la porque as coisas são muito concorrenciais. Se és do Benfica não podes ser do Porto.

 

O que quer dizer que desde o primeiro dia não tinha hipótese nenhuma de crescer que não fosse partir para o mundo.

Quando cheguei àquela empresa dedrones, ontem à tarde, puseram-me numa sala à espera. Sabem que mapa é que existia em todo o cumprimento da parede? O mapa do mundo todo. Quando um tipo entra numa sala e ainda não foi recebido pela pessoa que é responsável pela empresa e vê um mapa com pins colocados em diferentes continentes, obviamente isso a mim dá-me um enorme sentimento de conforto porque esta pessoa está a pensar no mundo desde o primeiro dia.

 

Há uns anos não via isto. Há uns anos via demasiadacoziness. Às vezes, somos demasiado simples, somos saloios.

Não resisto a contar uma história. Vendi uma coisa chamadaconference room pilot. Vão perceber que isto tem um elemento confessional, usando as palavras do Miguel Torga, que ouvimos bem representadas pelo colega há pouco.

Vendíamos na Enabler uma coisa chamada CRP que era um exercício de consultadoria aplicada que custava 120 mil euros, ou 200 mil euros. Na prática era uma pasta de papel com a estratégia de sistemas de informação não-retalhista. Chamávamos àquilo uma McKenzie prática. A McKenzie é a melhor empresa de consultadoria do mundo.

 

Tínhamos muito orgulho em vender uma pasta de papel de custava 120 mil euros, era quase sentirmo-nos um bom advogado. Olhávamos para aquilo com sobriedade, tínhamos orgulho naquilo.

Então, fomos para Inglaterra e o meu sócio inglês disse aqui ao António que é simples e pelos vistos também era saloio e não sabia, que íamos concorrer com uma grande empresa no centro de Oxford Street. O nosso concorrente chamava-se IBM.

 

O meu sócio inglês que reportava a mim, eu era o chefe dele, disse-me assim: "António, tu és um gajo porreiro, mas neste assunto não vais decidir os preços porque não sabes nada disto, és incompetente.” Vocês, normalmente, não gostam que o vosso subordinado vos chame incompetente, certo? Não é uma coisa popular.

Basicamente ele disse-me para estar quietinho, que eu não sabia nada daquilo e que quem definia os preços eram os ingleses.
Ele pôs-me um preço de um serviço de 700 mil euros, quase um milhão de euros. Obviamente fiquei escandalizado porque aquilo é seis vezes o preço que eu praticava.

Achava que estava a ser absolutamente obsceno. Quase perdi. Sabem porque é que perdia? Porque era barato demais. Porque o meu concorrente praticou um preço três vezes superior e eu fui chamado para um almoço para explicar porque é que uma empresa "tuga” era melhor que a maior empresa do mundo numa coisa crítica.

 

Isto quer dizer que eles queriam que eu fosse caro. A isto é que se chama ser saloio. É não ter a mínima noção, é não estar nem aí, não saber que não se sabe.

Já agora, como é que se aprende isto? A jogar, a bater com a cabeça; à primeira a gente bate, à segunda já corrigimos.

Portanto, isto para dizer que estamos a melhorar, mas só melhoramos com mundo nas pernas, não é aqui dentro. Estão a ver o filme e a compreender o que estou a dizer? Gostei da conversa dos tipos dos drones, porque eles não queriam só vender aos chineses, queriam vender propriedade intelectual.

 

Há quatro anos, estaria na mesma conversa e a vender serviços que não escalam, têm linearidade. Estes dos drones já tinham mais ambição e queriam vender propriedade intelectual.

Portanto, a minha resposta concreta: estamos a melhorar. É suficiente? Não. Temos de continuar. Silicon Valley não aconteceu num ano, aconteceu em 30 anos.

Nós ainda estamos no processo.

Portanto, quanto à pergunta: inequivocamente melhores e não tenho dúvidas porque observo isto todos os dias.

 

A segunda pergunta é mais difícil porque não é fácil criticar um trabalho tão duro quanto aquele que tem sido feito pelo atual governo. Não é popular, de popular não tem nada.

Há coisas de que gosto e há coisas de que não gosto. O que é que eu gosto? Gosto que tenham mantido o SIFIDE. Gosto que o tenham defendido quando podiam tê-lo cortado. Sei que discutiram o tal, porque havia necessidade de poupar dinheiro.

Gosto que o tenham mantido, porque tenho a certeza que se o tivessem aniquilado, os números que a colega apontou há bocado da ciência tinham piorado muito e isso significava uma rutura com o passado.

Gosto disso, que tenham tido a hombridade de fazer esse equilíbrio. Não gosto, por exemplo, que não tenham exposto mais as universidades portuguesas.

 

Se calhar, em vez de expor da maneira que expuseram, deviam ter dito que a partir de agora parte da subvenção pública só acontece se fizeremspin-offsque demonstrem que a transferência da tecnologia está realmente a acontecer.

Querem o dinheiro que normalmente lhes dão, 5% do dinheiro só acontece se eles criaram empresas e spin-offs. Era ver os académicos a preocuparem-se com isso. Isso não aconteceu ainda.

Mais uma vez, é fácil dizer isto e muito mais difícil é implementar. Está bem? Eu não quero dar uma de treinador de bancada.

 

Acho, em particular, que é possível melhorar em domínios como por exemplo no domínio das ciências da vida. Acho que Portugal tem uma oportunidade extraordinária nessa área e temos pessoas excecionalmente bem formadas. Se não atrairmos capital para esse trabalho não ser só trabalho de investigação só puro e passar a ser aplicado - se calhar temos de trazer para aqui a Novartis, a Roche, porque não temos desse calibre -, basicamente vamos condenar pessoas que são altamente qualificadas a emigrarem e isso obviamente que é mau.

 

Costumo dizer que prefiro importar empresários do que exportar cientistas. É muito mais fácil importar um empresário do que exportar cientistas. Prefiro esse equilíbrio. Se os que cá temos não chegam, importem-se estrangeiros.

Dito isto, repito que o cenário não é fácil e admito que algumas das medidas não chegaram sequer a caber porque pura e simplesmente as discussões estavam literalmente condicionadas financeiramente à partida.

 
Sara Lopes Madureira

Boa noite a todos e em especial ao nosso convidado Dr. António Murta. Antes de mais, foi extraordinário viajar consigo na sua apresentação até ao futuro. Obrigada.

 

Os jovens portugueses têm espírito de empreendedores, mas são reticentes em arriscar. Considera que é conservadorismo, ou medo, ou a envolvência não é propícia a este tipo de investimentos? Obrigada.

 
João Luis Ferreira

Boa noite a todos. Acontece que vou fazer uma questão que me perturba muito e que indago já há bastante tempo, que não tem a ver com o tema económico mas com o da tecnologia.

 

Não iremos nós cair numa obsessão tecnológica que irá acabar por prejudicar as relações humanas? Não devemos limitar esse abuso e essa obsessão das novas tecnologias?

Obrigado.

 
António Murta

Vou começar pela segunda pergunta pois o tema me é caro. Gosto muito de ler os sociólogos, que são os melhores observadores dos homens.

Mesmo sem perceber nada de sociologia, apenas usando do bom senso, gosto de ler alguns porque permitem distanciarmo-nos das coisas.

 

Vou citar dois sociólogos, um senhor chamado Bauman, um polaco que vive no Reino Unido e que basicamente escreve sobre o que tu acabaste de traduzir. Ele escreve sobre a desumanização no séc. XX e XXI por causa da tecnologia.

Já agora, eu estou completamente de acordo com o que o senhor Bauman escreve, identifico-me humanamente com o que ele escreve.

 

Ele escreve que temos as melhores redes sociais de sempre e não obstante temos as melhores redes ditas sociais de sempre. Um milhão de alemães por dia liga para uma linha paga apenas só porque quer falar com alguém. Entenderam isto?

Um milhão de alemães por dia liga para uma linha paga porque está sozinho em casa, homem ou mulher, e não tem ninguém com quem falar.

 

Isto não é uma sociedade propriamente conectada. Portanto, quando isto acontece, de alguma maneira, os nossos valores estão invertidos. Gosto de tecnologia, desde logo pela parte intelectual das ideias, mas devo dizer que me sinto completamente velho quando vejo algumas das coisas que vejo hoje.

Acho que vamos ter o reverso da medalha, porque acho que vamos voltar a dar valor a cafés, voltar ao social-social, porque para todos os efeitos iremos corrigir, já que os homens são assim, têm modas. Há modas em tudo e também há nestas coisas.

 

Vou citar um segundo sociólogo que é radical de esquerda, que podia votar no Bloco de Esquerda, um tipo chamado Evgeny Morozov. Ele é radical, às vezes até anarquista, mas muito criativo e muito interessante, porque definitivamente provoca as coisas.

Ele diz que em muitos casos a propriedade intelectual e a tecnologia tornou-se solucionista. Ser solucionista é ter uma solução para um problema que não existe. É quando inventamos uma coisa que é supostamente uma solução mas o problema não existe.

Acontece que hoje em propriedade intelectual vejo muito disso. A única coisa que quero dizer é que corroboro com ostatement. Como é que se evita isso? Não tem nada a ver com tecnologia, tem que ver com os homens e com o voltarmos a dar valor a coisas simples como apertar a mão.

Detesto que me apertem a mão de forma fraca, porque acho que um aperto de mão, antes de mais nada, é algo humanamente comprometida, é séria. Não gosto de maus apertos de mão.

 

Encaro-me assim. A minha avó disse-me isto há muitos anos, nem foi a minha mãe, foi a minha avó. Era uma senhora. Não desaprendemos isto e acho que vamos voltar a aprender. É como tudo, os exageros corrigem-se.

Portanto, a minha resposta é, se quiser, eu vejo a tecnologia como meio, não a vejo como um fim e se em algum momento vir que a tecnologia literalmente passou a ser um fim, sinceramente é tempo de recuar novamente.

Acho que em muitas coisas nós vamos passar por isso, mormente em tudo que tem que ver com as ditas redes sociais que no meu ponto de vista estão a promover a hiperconectite que não é conexão, é conectite. Conectite, é a pequenina conexão no sentido humano da palavra.

 

Quanto à primeira pergunta, sobre o empreendedorismo, é normal. Vamos lá a ver, nós costumamos dar os empresários e o empreendedorismo como ídolos, tratamos as pessoas como heróis. As pessoas não são heróis, são pessoas. Há pouco, estava a dizer que eu criei a Enabler não porque tive um sonho ou uma visão - isso é o que vocês dizem -, mas porque a minha mulher não quis ir viver para a Califórnia.

 

[RISOS]

 

Essa foi a razão real pela qual eu criei a Enabler, porque se ela tivesse querido ir viver para a Califórnia eu tinha acabado a trabalhar excecionalmente bem pago na Oracle.

A minha mulher não quis ir comigo, eu não quis ir sozinho, tive que inventar o que fazer. Isto não é bem a razão encantada pela qual vocês esperavam que eu tivesse criado a Enabler, pois não?

 

[RISOS]

 

Estou a dizer isto porque é assim que as coisas são. É exatamente que as coisas se passam. Se vocês lerem sobre o Harry Mintzberg, que é um grande consultor, ele costuma dizer que ao jeitinho deles há a palavra estratégia, diz que os gestores são extraordinários e basicamente, para todos efeitos, grande parte das coisas mirabolantes que às vezes acontecem são puro acaso, sorte,serendipity.

 

Portanto a minha opinião é que há medo do empreendedorismo mas tem que ver com o facto de nós termos estado fechados tanto tempo e só agora é que estamos a abrir.

Quando comecei, quando fiz o MBA no Porto, todos os meus colegas queriam trabalhar em bancos e grandes empresas. Hoje, dou aulas no MBA do Porto e 30% das pessoas querem criar a sua própria empresa.

Isso dá-me enorme prazer. Algumas empresas são pequeninas, mas são o suficiente para aquela pessoa ficar motivada e viver a vida de acordo com o que quer fazer. Por isso está tudo bem.

 

Há 20 anos, todos queriam ser empregados, agora há 30% que querem ter a sua própria empresa. Está muito melhor, portanto. Agora, dêem valor ao tempo. Se hoje me pedirem para investir dez milhões de euros não consigo investir porque detesto dívida e não tenho dez milhões de euros, representava tudo o que eu tenho, por isso não vou investir os dez mas invisto só um. Se tivesse 100 milhões se calhar investia dez.

Ou seja, as coisas também têm o seutiming. Sobretudo para pessoas como eu que detestam dívida.

 

Já agora, sabem por que detesto dívida? Porque já tenho tanto risco na volatilidade digital que não quero adicionar a esse risco que é próprio da área (pode-se estar no topo num ano e seis meses depois não ter nenhum), o risco da dívida. Acho que já tenho risco que chegue conceptual de um lado e não quero adicionar e ter duas fontes de risco. Não é por medo, é por racionalidade.

Portanto, não vejam isso como má formação ou demasiado medo dos portugueses. Acho, para todos efeitos, que os portugueses estão a fazer o seu trajeto.

 

Agora, deixem-me dizer-vos uma coisa: 75% dos empresários portugueses abrem padarias ou cafés. O Tintim, lembram-se dele? Quando líamos o Tintim havia um personagem que era português que era o Oliveira da Figueira. Lembram-se da profissão dele? Era merceeiro.

Quando foram representar um português representou-se como merceeiro e não comoventure capitalistnem como investidor em nanotecnologia, pois não?

 

Ainda estamos a mudar a nossa matriz de criação de empresas. A maior parte que criamos são cafés. Não há grande história sobre um café.

Portanto, dêem tempo ao tempo. Agora, o que devemos é exigir de nós próprios. Contei-vos a história do meu pai, de mim próprio e do meu filho. Não acho que o meu filho deva exigir de si próprio a mesma coisa que eu exigi de mim próprio, ou que o meu pai exigiu de si próprio.

 

Acho que como o país foi capaz de melhorar significativamente, aquilo que devemos cobrar de cada um de nós deve subir. Aquilo que o meu filho pode fazer é muito melhor do que aquilo que eu posso fazer, porque ele está mais bem preparado. Os meus dois filhos estão mais bem preparados do que eu estive.

Eu passei quatro anos no Vale do Ave e, hoje, quando olho para trás foram tempos completamente perdidos: aprendi muito pouco, ia ficando comunista no processo, creio.

 

[RISOS]

 

Porque vi coisas que nunca pensei sinceramente que ia ver. Vi um filme do Dickens no final do séc. XX em Braga e na prática olhando para trás se calhar podia ter acelerado esses anos. O meu filho já não vai fazer isso. Portanto, temos de exigir que cada geração faça melhor que a anterior, mas significativamente melhor.

Por isso, desse ponto de vista aceito a cobrança. Não aceito que se diga que os portugueses tenham mais medo que os outros, porque sinceramente acho que têm o medo que têm.

 
Gonçalo Marques

Boa noite. Gostaria de agradecer primeiro a presença do Eng.º António Murta, um dos demais grandes homens deste país muito pequeno.

 

Passando à parte da pergunta, a minha questão debruçar-se-ia sobre a investigação e desenvolvimento e o papel das sociedade de capital de risco.

Vivemos atualmente num país desenvolvido, sendo que a competitividade ao nível mundial passa pelo capital humano qualificado bem como pela investigação e desenvolvimento mais inovação.

 

Mas por outro lado, verificamos que por restrições orçamentais o financiamento destas componentes continua em queda. Ora, será então possível que as sociedades de capital de risco e também, por que não, os bancos de investimento aproveitar esta lacuna apostando assim em setores tradicionais da investigação portuguesa, tais como o ensino superior por exemplo, tornando esta atividade científica numa atividade virada para a obtenção de lucro?

Obrigado.

 
Luis Baltar

Boa noite. Desde já agradeço, em nome da Universidade de Verão, a presença do Dr. António Murta aqui hoje.

 

Aquilo que queria perguntar tem a ver com algo que disse na apresentação. Disse que a automação comporta riscos. Considera que a automação poderá um dia substituir o homem totalmente no processo de decisão? Serão no futuro as máquinas que passarão a julgar, substituindo o juiz, ou passarão a diagnosticar os utentes, substituindo o médico, ou mesmo substituindo um gestor, ou um gestor de um país inclusive?

 
António Murta

Não fazem perguntas fáceis.

 

[RISOS]

 

Começando pela primeira pergunta que é mais fácil: mais uma vez, não sejam negativos. Vou-vos dar unsdata pointsque não são provavelmente tão visíveis quanto se calhar deveriam ser.

Acabei de levantar um fundo de capital de risco que é suportado por uma parte dos bancos portugueses, pelo Banco Europeu de Investimento, de 50 milhões de euros para investir só em propriedade intelectual. Fiz isso com um conjunto de colegas.

 

Não sou financeiro, sou tecnólogo e fiz isso apenas porque acredito na engenharia portuguesa. Há dez anos, se tentasse fazer a mesma coisa, não conseguia levantar o fundo. Repito: se há dez anos eu tentasse levantar um fundo de capital de risco e tivesse esta conversa com banqueiros eles não me ouviam, achavam que eu estava noutra dimensão.

Isto não quer dizer que eu esteja satisfeito, porque eu posso fazer isto com propriedade intelectual por exemplo, mas se eu quiser fazer isto com tecnologia médica eles acham que eu já estou a passar para outro lado.

Portanto, ainda não estamos bem lá, mas já estivemos mais longe.

 

Não acho que em Portugal neste momento, ao nível de projetos longos, não ocorram por falta de dinheiro. Tem a visibilidade dodeal flow. Chamamosdeal flowemventure capitalao fluxo de novas oportunidades de empresas.

Já agora, em Portugal nunca tivemos tanto deal flow como nos últimos anos. Parte dele por pura necessidade. Voltamos ao "a necessidade aguça o engenho” e a necessidade foi dura.

 

Não acho que a situação deventure capitalem Portugal seja necessariamente má, ela é muito melhor do que era há uns anos. O que é que nos falta? Falta-nos ainda, e vou citar as palavras que o vosso colega foi pesquisar,networkingmundial.

O que é que ainda não temos? Uma rede de contatos que nos permita fazer com naturalidade asexits, as vendas de empresas que os nossos colegas na Califórnia, ou em Londres, fazem.

Ainda temos de aprender, não temosnetworkingsuficiente. Tomara eu ter mais.

 

Deixem-me dar-vos mais uma nota. Tenho visibilidade, para todos os efeitos. Pathena é um nome bonito porque tem que ver com Palathena, a deusa grega do conhecimento. Só investimos em empresas de conhecimento e por isso este nome. Temos orgulho no nome, é um nome consentido. Tudo no Ocidente vem da Grécia, até a palavra democracia.

Portanto, na prática vejo as outras praças importantes, a de Londres, Paris, Berlim, que são naturalmente mais desenvolvidas que nós. Mas devo-vos dizer que a distância é de dois ou três anos, não é de dez anos.

 

Se falar da área médica, por exemplo, já não digo isto. Se calhar já são mesmo dez anos. Odeal flowem tecnologia médica ainda não é aquilo que eu gostaria de ver no meu país. Em parte porque não há suficiente movimento dos cientistas para o negócio.

Isso tem de acontecer também por interesse das equipas promotoras. Não há projetos nemventuressem haver equipas promotoras, elas têm de querer fazer alguma coisa de extraordinário.

Fiz-me entender com isto? Vou passar à segunda pergunta.

 

A segunda pergunta é mais complicada. Vamos lá ver: a cada momento há uma linha que demarca o trabalho humano do trabalho das máquinas.

Nós não nos lembramos, mas há trabalho que não fazemos hoje mas que já fizemos. O carro da minha mulher tem uma coisa espetacular: à noite tem um sensor de campo que verifica se há algum farol a incidir frontalmente contra este carro e se não houver nenhum farol a incidir, seja na nossa pista, seja na inversa, coloca máximos. Faz isso de forma totalmente automática e, já agora, funciona na perfeição.

 

Não precisamos de nos preocupar em ligar e desligar os máximos. Se não houver carro nenhum põe máximos, se houver põe médios. É uma coisa simples. Daqui a três anos todos os carros são assim. Começa pelo topo de gama, como de costume, depois habituamo-nos e vamos considerar normal. Até agora fazemos um gesto, mexemos em médios e máximos.

 

Estou a dar-vos este exemplo para vos dizer que todo o trabalho que gradualmente éautomadocomeça por ser trabalho humano. Não há nada de mal nisto.

Vemos sempre a tecnologia como um papão. Mas não pensamos que em determinadas coisas antes de ela serautomadaa coisa era ridícula, os processos eram absolutamente atrozes.

 

Deixem-me dar-vos um exemplo. Daqui a 20 anos como é que vamos fazer diagnósticos? Vai haver um médico a fazer diagnósticos, mas esse médico vai aceder a um Google daquela doença e vai comparar com todos os casos no mundo daquela doença em tempo real.

Isto vai ser normal, não preciso ser "lelé da cuca” para vos dizer isto. Isto é óbvio, é um Google médico.

Já agora, a qualidade da decisão clínica vai aumentar ou diminuir? Vai aumentar. Os médicos hoje não estão preparados para isto. A maior parte dos médicos, se discutirem isto, acham uma intrusão no trabalho deles. Para todos efeitos, aquilo que é intrusão hoje consideramos normal daqui a 20 anos.

 

Imaginem o Graham Bell, o inventor do telefone, a explicar a outro gajo o que era um telefone. Imaginem que estão a explicar a pessoas que nunca viram um telefone na vida: falas de um lado e o outro tem um telefone igual e consegue ouvir tudo o que tu dizes. Conseguem imaginar a cara do tipo que ouviu isto? Porque não sabíamos o que era um telefone, parecia magia. Hoje, falamos na rua sozinhos e achamos isso normal porque estamos a falar com outra pessoa, ninguém leva a mal isso. Se tirássemos uma fotografia dessas há 20 anos dizíamos que aquele gajo ia falar sozinho e que era maluco.

 

O que na prática vos estou a dizer é que tolerem que aquilo que é automação hoje naturalmente já foi trabalho humano no passado. Agora, dito isto, há riscos no processo de automação, sim. Acabei de ler um livro chamado "Super Intelligence”, escrito por um tipo que escreveu justamente uma tese em Oxford só sobre isto, sobre os riscos de automar demais.

Há riscos. Há riscos desde logo porque para todos os efeitos começa a afetar o equilíbrio social. Todos temos de trabalhar, temos todos o direito a trabalhar.

 

Têm noção que o mundo hoje tem 7 mil milhões de pessoas e faltam 1,6 mil milhões de postos de trabalho. O mundo ocidental é muito hipócrita. Não falávamos disto até há bem pouco tempo, porque estes números eram todos em países subdesenvolvidos. Só que agora é nos EUA, na Europa e é uma chatice. Por isso começámos a falar sobre isso, porque somos um bocadinho mais hipócritas.

 

O mundo tem 7 mil milhões de pessoas e metade, mais ou menos, precisa de trabalhar, são 3,5 mil milhões e faltam 1,6 mil milhões de postos de trabalho. Este é um problema gritante e é um problema que só se resolve com redistribuição de riqueza, ou seja, uns trabalham pelos outros e temos rendimentos de inserção, rendimento mínimo garantido e aceitamos isso como natural, mas isso também tem efeitos perversos como todos sabemos, colocando-se problemas agudos; ou então, para todos os efeitos, chegamos ao ponto de dizer que aqui não é possívelautomar. A Alemanha acabou de fazer isso quando disse não ao Uber e disse que Uber só com taxistas licenciados na Alemanha.

 

Vamos ver mais disto por causa dos desequilíbrios. Acho que vamos ter de cada vez mais ponderar os impactos sociais da automação e da tecnologia.

A tecnologia normalmente ocorrer de beneficiar os homens, mas os impactos sociais também têm de ser sopesados. Do meu ponto de vista isso hoje não é fator de análise.

Mas nos próximos anos vamos assistir a uma maior função do governo como regulador. Vamos ter menos trabalho nos governos, digamos de baixo valor acrescentado, menos mangas de alpaca no estado, porque basicamente vai ser tudo self-service. Não faz sentido ser de outra maneira, não precisamos de tantas pessoas aí, mas em contrapartida vamos ter mais trabalho de regulação e mais rigoroso.

 
Dep.Carlos Coelho

Nós temos uma tradição, por razões de cortesia, que é dar a última palavra ao nosso convidado e, portanto, esta é a oportunidade que tenho de lhe agradecer o facto de ter vindo de propósito de Braga para partilhar esta noite connosco, agradecer-lhe as respostas que nos deu até agora e as duas últimas que dará neste último bloco de perguntas.

 

Sei que vários grupos ainda preparam reuniões para preparar a assembleia de amanhã. Gostaria de vos pedir - naturalmente que vocês são maiores e decidem o vosso horário - que não abusem do trabalho, porque amanhã temos o último dia de trabalhos continuados de manhã até à noite intensos. Começamos às dez da manhã com a aula sobre a Europa com a senhora Ministra das Finanças.

 

Dou a palavra ao último lote, constituído pelos Grupos Amarelo e Cinzento, passo a palavra ao Rodrigo Camacho e ao José Pedro Reis.

 
Rodrigo Camacho

Boa noite a todos os presentes. Senhor Eng.º, vou fazer-lhe uma pergunta que não tem nada a ver com o digital, mas sim com o facto de ser licenciado e igualmente membro do Conselho Geral da Universidade do Minho.

 

Existe uma perceção que eu gostava de saber se é certa ou errada, em Lisboa, de que a Universidade do Minho é hoje ímpar no que toca ao nível da área das engenharias. Aqui na Universidade de Verão há muitas pessoas do Minho e falei com algumas que me disseram que sim, que de facto é verdade porque a Universidade do Minho está muito avançada nesta área.

 

Por isso, pergunto-lhe se é justo hoje em dia dizermos que a Universidade do Minho é uma das melhores, se não a melhor, universidade em Portugal.

 
José Pedro Reis

Eng.º António Murta, em nome do Grupo Cinzento, deixe-me agradecer a paixão, a garra e sobretudo a forma genuína com que fez a sua apresentação. Um exemplo para todos os que estão nesta sala pela forma de encarar o seu futuro.

 

Criar uma empresa exige dedicação e um trabalho árduo. Recentemente, o senhor vendeu uma empresa da qual foi fundador, a Mobicom, cujo investimento inicial segundo o jornal Expresso foi apenas de cinco mil euros e a venda foi aproximadamente de 45 milhões de euros. Qual é o sentimento de ser o primeiro português a vender uma empresa ao colosso Bill Gates?

Obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
António Murta

Vamos começar por essa porque é a mais fácil. Antes de mais nada, os números não são esses. Foi um investimento de 25 mil e não cinco e o preço de venda foi de 20 milhões, não obstante termos multiplicado o investimento inicial por 800.

 

Convém dizer que a gente não queria vender, mas às vezes valores mais altos se levantam.

 

[RISOS, APLAUSOS]

 

Também quero dizer que quem fez a empresa foi o Carlos Oliveira, que há bem pouco tempo era membro do governo, fui um mero investidor passivo na empresa com um grande prazer porque de facto o Carlos aprendia tudo muito rápido e como se viu resultou excecionalmente muito bem.

 

Não há nenhuma sensação particular. O que é interessante nesta cena é a gente para todos efeitos ver o trabalho de engenharia reconhecido. Sabem o que fazia a Mobicom? Faziasafe backup over the air, ou seja, os vossos contactos, imagens, fotografias, tudo aquilo que tem no telefone hoje é guardado no servidor na rede, nacloud. Hoje é normal, já nos habituámos a que os nossos contactos sem que façamos nada fiquem permanentemente a serem guardados nacloud.

A tecnologia que faz isto da Microsoft para todos os utilizadores do mundo foi feita em Braga. Eles compraram aquilo, não queriam saber dos nossos clientes para nada, porque tinham 200 milhões de utilizadores. Aquilo que estava a funcionar em Portugal com algumas centenas de milhares estava a funcionar por exemplo no Médio Oriente com milhões de utilizadores.

Funcionava bem e com isto queriam ganhar um ou dois anos e uma vantagem competitiva.

 

O que é que é interessante nisto? É, mais uma vez, documentar com este caso que não há nada de errado estar em Braga, ou em Freixo de Espada à Cinta, ou em Castelo de Vide. Desde que o que vocês façam seja bom e único no mundo.

Não há génio errado, não existe isso. Metam na cabeça isso. A partir do momento em que puserem na cabeça isso já resolveram grande parte do problema.

O sentimento é acima de tudo de orgulho, não tenham dúvidas, mas também não convém dar mais valor a isso do que isso tem. Isso é o que é. Gostávamos de fazer isso mais 20 vezes. Se fizéssemos isso mais 20 vezes ficávamos satisfeitos.

 

Sinceramente, não quero tratar isso como se fosse assunto que fosse mais importante do que é. Há um sonho que realmente nunca concretizei: não há uma única empresa portuguesa de tecnologia que tenha feito IPO na NASDAQ. Eu queria, mas aconteceu ser comprado antes.

Acredito nos dois próximos anos que uma ou várias empresas vão fazer IPO não em Lisboa, mas em Londres ou em NASDAQ e vão fazê-lo porque são mesmo boas e são mesmo boas para o mundo. Aí, vou ficar mais orgulhoso, independentemente de estar envolvido como investidor ou não. Vou ficar orgulhoso porque acho que, para todos efeitos, já precisamos disso, nem que seja para marcar golo.

 

Sobre a Universidade do Minho, sou uma testemunha parcial e por isso o tipo errado para responder a esta pergunta, porque obviamente estou a falar da minha casa. Estou ligado à Universidade do Minho e à do Porto e de alguma maneira a Universidade do Minho é a minha casa e a do Porto também me está muito próxima.

Portanto, a minha opinião é de que é seguramente uma das três primeiras e isto está medido e documentado. Aí não sou eu a dizer, vão buscar os indicadores e osrankingse vejam lá, está medido.

Agora, uma das coisas interessantes é que as universidades que são estas três que estão no topo, pelo menos na área que toca às ciências e tecnologias, sobre as humanidades sei muito menos e por isso não gosto de falar sobre o que não sei. Podia falar-vos da Universidade do Minho, da do Porto, do IST e talvez da Universidade de Aveiro em materiais e telecomunicações. Não são muitas; são poucas e concentradas.

 

O que é que importa daqui? As universidades, vamos assistir a uma revolução nos próximos anos. Conhecem o Coursera, já ouviram falar? O Coursera é uma associação de universidades digitais. Na prática, eles tinham há um ano atrás três milhões de utilizadores e neste momento têm sete milhões.

O que é isto de ser utilizador do Coursera? É fazer um curso com nível universitário em casa, com rigor. A minha esposa é PhD emdata mining, já fez seis cursos destes, em John Hopkins nos EUA, que é a melhor universidade do mundo e em Stanford. Já agora, fez isto com exames.

 

Quando isto acontece as fronteiras das universidades vão ser menores, vão ser mais mundiais. As universidades têm de se preparar para um cenário em que, por um lado, vamos ter alunos do mundo e por outro vamos ter também cursos físicos e virtuais remotos. Aliás, só assim é que é possível chegar à educação contínua para todos. Porque senão ela é demasiado cara e não se consegue pagar.

 

O que é que eu gostava de dizer com isto? Gostava de dizer com isto que as universidades portuguesas não podem sentar-se nos louros.

Lembram-se que antes da revolução não tínhamos universidades, literalmente tínhamos meia dúzia de professores e a universidade tinha uma dimensão completamente diferente da que tem hoje. Praticamente a universidade portuguesa foi construída em grande medida nos 40 anos pós-revolução.

Não podemos de maneira nenhuma sentarmo-nos sobre isso, porque a concorrência nos próximos 20 anos vai ser enorme.

 

Quero acreditar que neste domínio, honestamente, os universitários portugueses são parte da solução e não do problema. Têm é de perceber mais de economia, temos de tratar a dimensão da translação como muito mais natural e não nos pode pugnar isso, tem de ser parte do ADN universitário normal, porque isso é capital.

Estudei no MIT uma semana e os professores que lá tive não eram melhores do que os que tive no Porto e no Minho. Vou repetir: os professores que tive no MIT não eram melhores do que os que tive no Porto e no Minho.

 

[APLAUSOS]

 

Não aplaudam já, porque há um outro lado.

 

[RISOS]

 

Sabem o que é que era melhor? Os alunos. Porque os alunos eram os melhores do mundo. A marca conseguia atrair os melhores.

Por exemplo, tive no curso o diretor de inovação da Boeing. Acham que sou visionário? À beira dele eu estava caladinho. Porque basicamente o tipo estava noutro planeta. Os almoços com esse tipo eram muito interessantes.

Honestamente, perdi mais tempo com ele do que com os professores, porque ele era bem mais interessante.

 

Portanto, o que é que isto vos diz? Diz-vos que o MIT é bom porque tem uma capacidade de atração extraordinária. Essa marca demora muitos, muitos, anos a construir.

Sabem outra coisa que foi extraordinária é que aquilo era privado e tinham uns tipos que eram ricos, ex-alunos, e que estavam do outro lado da rua e se chamavamventure capitalistse literalmente atravessavam a rua para falar com tipos novos que estavam a sair da universidade para criar novas empresas. Isto era atravessar a rua. Passei uma tarde com esses tipos e eles adoravam ciência. Alguns deles tinham 70 anos e pareciam putos, divertidíssimos com 70 anos.

 

Nós ainda não temos isto. Para nós, ganhar dinheiro à porta de uma universidade ainda é uma coisa que nos repugna. Não é só em Portugal, é em toda a Europa. Ainda não somos americanos nisso. Precisamos de mudar isto. Para todos os efeitos é um dos pecados da Europa. Hoje, com a economia do conhecimento, a translação para a economia não é opcional, é absolutamente crítica.

 

Muito obrigada pelo tempo que me devotaram e desculpem abusar da vossa paciência que eu falo demais.

Muito obrigado.

 

[APLAUSOS]